Como é sabido o STF firmou entendimento definitivo no sentido de que o ICMS só incide nas operações em que haja circulação jurídica da mercadoria, que pressupõe troca de propriedade ou de posse, sendo certo que o STJ veio editar a súmula 166 segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Contudo, a pacífica jurisprudência dos tribunais superiores veio sofrer um abalo com o advento da EC 33/2001, que introduziu a alínea “a” ao inciso IX, do § 2º, do art. 155 da CF, in verbis:
“IX- Incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
Em virtude dessa redação dada pelo astuto legislador, o STF, em um primeiro momento, admitiu a tributação do leasing internacional (RE 206.069, DJ de 1-9-06).
Porém, logo ocorreu a reversão dessa jurisprudência, retomando a tese da necessidade de haver circulação jurídica, o que não existe no leasing (RE 461.968, DJ de 30-5-07).
Por fim, o STF, através do Plenário virtual, por maioria de votos, decidiu sob a égide de repercussão geral (tema 1099) que “não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizado em estados distintos, visto não haver transferência de titularidade ou a realização de ato de mercancia (ARE 1.255.285, j. em 14-8-20)
Examinados esses precedentes jurisprudenciais analisemos, agora, quanto à incidência ou não do ICMS por ocasião do exercício da opção de compra do bem arrendado, no final do prazo contratual.
A respeito, dispõe o inciso VIII, do art. 3º da lei complementar 87/96:
“Art. 3º O imposto não incide sobre:
.....
VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;”
Portanto, a lei colocou sob o regime de tributação o exercício da opção de compra ao final do prazo de arrendamento mercantil.
O certo é que o leasing está sujeito à incidência do ISS, conforme se verifica do item 15.09 da lista anexa à LC 116/03 elaborada de acordo com o mandamento constitucional do art. 156, III da CF. E esse fato é confirmado pela jurisprudência do STF que decidiu pela incidência do ISS sobre o leasingporque o seu elemento nuclear é o financiamento que é serviço tributável (RE 547245, DJe de 4-3-10).
Aos Estados só restaram a tributação pelo ICMS dos serviços de comunicação e de transportes interestadual ou intermunicipal (art. 155, inciso II da CF) e nos casos expressos na lei complementar que define os serviços tributáveis, como, por exemplo, as peças empregadas no serviço de recondicionamento de motores (item 14.03 da lista anexa à LC 116/03).
Não há ressalva na LC 116/03 quanto à tributação pelo ICMS na operação de compra ao final do prazo de arrendamento mercantil.
O leasing é um contrato complexo em que se encontram interligadas as operações de compra e venda, locação e financiamento, não comportando desmembramento de cada um desses aspectos, para fins de tributação sob pena de descaracterizar o contrato de leasing, conforme se depreende de sua definição constante do parágrafo único, do art. 1º da lei 6.099/74, com a redação dada pela lei 7.132/83. Prescreve o art. 5º dessa lei que deverá constar do contrato de arrendamento mercantil, dentre outros elementos, “a opção de compra ou renovação do contrato, como faculdade do arrendatário”, tornando esse contrato bastante peculiar.
Sem a cláusula de “opção de compra” não há que se falar em leasing, porque essa opção é elemento estrutural do contrato de arrendamento mercantil.
A CF/88 não previu a hipótese de bitributação jurídica que somente era prevista em relação às “vendas a varejo de combustíveis e gasosos, exceto óleo diesel” que constava do art. 156, IV da CF/88, que veio a ser revogado pela EC 3/93.
Logo, a tributação de compra do bem arrendado pelo arrendatário é inconstitucional, pois na constituição vigente não há como conviver simultaneamente o ICMS e o ISS. Cada ente político tem o seu poder impositivo nos limites da outorga constitucional desenhados pelo legislador constituinte.
Como decidiu, com propriedade, o TJ/SP, a tributação pelo ICMS da compra do bem arrendado pelo arrendatário “contraria a sistemática do leasing, pois ao ser exercida a opção de compra, não há mais mercadoria e, como se isso não bastasse, não ocorre nenhuma operação mercantil, mas tão somente, uma operação de financiamento” (Ap. 57.384-5 - SP, Rel.Des. Guerrieri Rezende, 7ª Câmara de Direito Público, j. 5-4-99)
Cumpre observar, por derradeiro, que a nova ordem constitucional resultante de Emendas (ar. 155, § 2º, IX, letra “a” da CF) não pode recepcionar dispositivos que eram inconstitucionais em face de textos constitucionais vigentes. Não existe a figura da constitucionalidade superveniente (RE 357.950 - RS, DJde 6-2-06).
Realmente, a recepção é um princípio de continuação, ou seja, direito não conflitante com a ordem constitucional antiga continua valendo sob a nova ordem constitucional, que o recepciona no que não lhe for contrário, sendo impossível juridicamente a recepção de dispositivo inconstitucional.
Concluindo, impossível juridicamente a tributação pelo ICMS por ocasião da compra do bem arrendado pelo arrendatário no final do prazo contratual, sob pena de caracterizar bitributação jurídica não admitida pela ordem constitucional vigente.