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Tragédia de Mariana e responsabilidade dos investidores

Não tenho a menor dúvida que esse caso será fundamental para uma nova perspectiva de responsabilização internacional. Essa é  única maneira de freiar os impactos de ações ilícitas da especulação financeira.

2/10/2024

Muitas pessoas podem estar achando estranho a notícia de que a tragédia de Mariana está sendo julgada por um tribunal fora do Brasil, no caso em Londres. Mas por que isso pode acontecer? Como se estabelece a competência? A primeira questão é que os países têm sistemas de regulação da jurisdição e sua atração. Quando uma ação deve ser apreciada pelo Poder Judiciário brasileiro? Temos os artigos 21, 22 e 23 do CPC. O art. 23 é para situações de competência exclusiva e os arts. 21 e 22 para situações de competência concorrente. Da mesma forma que um processo pode ser proposto no Brasil, um processo pode ser proposto em outro país por fatos ocorridos em território estrangeiro em decorrência da atração de sua jurisdição. Tragédia ambiental de Mariana No caso, a tragédia de Mariana, que a meu ver não pode ser chamada de tragédia porque tira a responsabilidade do acontecimento como fato estranho a responsabilidade de seus agentes, se deu por descaso e falha da gestão da empresa ou grupo de empresas. Mesmo devidamente informados da possibilidade de rompimento das barragens, os responsáveis legais não tomaram as medidas cabíveis para evitar o crime ambiental ocorrido. Porém, continuaram distribuindo dividendos a seus acionistas que "desconhecem" as práticas das empresas. Mariana e Brumadinho não são tragédias, mas eventos anunciados e previsíveis decorrentes da falta de providências das empresas e de diligências adequadas, e mais da enorme ganância humana. Mas afinal porque um tribunal fora do país se arvorar competente? No caso, empresas e acionistas londrinos têm investimentos no Brasil, de forma que a obediência de parâmetros éticos e regras ambientais hoje estraporam as fronteiras nacionais. Como decorrência do processo de globalização, o sistema jurídico se aperfeiçoa. Nele, a responsabilidade legal daqueles investidores devem ser adequados a regras legais e limites de ações éticos. Responsabilidade dos investidores Não adianta, uma empresa ou investidor resolver arriscar numa operação externa sem que também tome precauções sobre como os negócios podem ser classificados como ilegais, desrespeitam regras ambientais e trabalhistas, causam danos coletivos irreparáveis e promovem ações ilícitas de seus investimentos. O trinunal londrino opera dentro desta lógica. Os investidores precisam se acautelar sobre a gestão dos negócios e empresas que patrocinam. A responsabilidade pode ser levantada e a jurisdição atraída, quando se verificam certos parâmetros e quando os investidores não avaliam os riscos ambientais e sociais dos negócios. Ainda existe um abismo para se atravessar em matéria de responsabilidade dos investidores no sistema capitalista em razão dos dumpings econômico, social ou ambiental. Mas para o leigo o que é dumping? São mecanismo de geração de lucro se aproveitando das facilidades econômicas, de falhas na proteção social dos trabalhadores ou ainda do pouco ou ineficiente sistema legal de proteção ao meio ambiente. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável exigem ações coordenadas dos países e atuações políticas, administrativas e jurisdicionais para que os danos decorrentes do impacto ambiental e social das atividades econômicas sejam minimizados e revertidos. Não adianta os investimentos serem transferidos para "paraísos regulatórios", a justiça precisa ir atrás desses atores econômicos que não têm compromissos sociais e ambientais. No caso, o escritório que representa pessoas físicas e juridicas brasileiras busca junto à justiça inglesa a indenização daqueles vitimados pelo evento. A banca com sede em Londres e atuação no mundo inteiro, o escritório Pogust Goodhead diz representar 620 mil vítimas desse desastre, das quais 600 mil seriam indivíduos, 23 mil pertenceriam a comunidades indígenas e quilombolas, e 46 de municípios atingidos diretamente pela destruição. Entre as comunidades tradicionais representadas estariam os Krenaks, Tupiniquim, Pataxó e Guarani, cujas culturas e modos de vida foram profundamente afetados pela contaminação do Rio Doce. Além disso, cerca de 1.500 negócios e autarquias também buscam reparação. Um paradigma! Não tenho a menor dúvida que esse caso será fundamental para uma nova perspectiva de responsabilização internacional. Essa é  única maneira de freiar os impactos de ações ilícitas da especulação financeira.

Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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