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Possibilidade de penhora salarial para pagamento de dívidas não alimentares

A penhora salarial para dívidas não alimentares, destacando a flexibilização do STJ frente à proteção exagerada do salário, visando efetivar a execução de obrigações financeiras.

26/9/2024

É cediço na lei processual e no Código Civil que o salário pode ser alvo de penhora para pagamento de verbas alimentares, advindas de obrigações para pagamento de prestação alimentícia, ou, caso o salário (em sentido amplo) ultrapasse 50 salários-mínimos (R$ 70.600,00), conforme previsto no art. 833, §2º do CPC.

A intenção do legislador aqui é conferir eficácia ao princípio da dignidade humana e garantir a sobrevivência básica do devedor e de sua família.

Ocorre que tal proteção, ao longo dos anos, tem se mostrado exagerada e servindo de fuga para devedores no cumprimento de suas obrigações, visto que a benesse trazida pelo CPC é muito abrangente, considerando que o valor de R$ 70.600,00 é elevado para o padrão de renda brasileiro.

Em função disso, o STJ vem abrandando tal regra processual e permitindo a penhora de percentuais de salário dos executados, visando o cumprimento de suas obrigações contratuais e processuais. Claro, a solicitação de penhora salarial deve ser considerada como um dos últimos recursos em um processo de execução, quando todos – ou quase todos – os meios executivos típicos e atípicos tenham se esgotado, não restando alternativa ao exequente a não ser apelar para penhora de verba de caráter alimentar.

Atualmente, fazendo prova nos autos de que aquele percentual penhorado não levará os executados a uma condição indigna de vida, o STJ (AgInt no REsp 1937739/SP, rel. ministro Antonio Carlos Ferreira) e diversos tribunais pelo país, visando que se cumpram os princípios da efetividade da execução, do interesse do credor e da duração razoável do processo, têm deferido a penhora salarial.

Isto porque a simples negativa de penhora de tal verba gerará quase que automaticamente o perdão de dívidas judiciais de até 50 salários-mínimos de qualquer natureza, o que, a longo prazo, poderá gerar uma grave crise de crédito, aumentando o custo do dinheiro e inviabilizando importantes fatores econômicos.

Em especial, há de se ressaltar os contratos de mútuo para empréstimo bancário, com garantia de descontos consignados em folha de pagamento. Sabe-se que o empréstimo consignado é uma modalidade de empréstimo onde o cliente bancário, ao buscar crédito mais barato, oferece como garantia um desconto realizado de forma automática em folha de pagamento.

Ocorre que, mesmo em casos em que os empréstimos são realizados para funcionários públicos com altos salários, por vezes os bancos não conseguem realizar os descontos acertados com seus clientes, devido à falta de margem consignável ou mesmo por má-fé dos contratantes, o que ocasiona a judicialização para cobrança dos empréstimos. Em que pese, à primeira vista, tratar-se de clientes “saudáveis” financeiramente, o que se vê na realidade é que a “blindagem” feita pela lei, ao impedir, em um primeiro momento, a penhorabilidade de quaisquer valores abaixo de 50 salários-mínimos, leva quase a uma moratória judicial de dívidas de baixo valor – independente se bancárias ou não. Por esse motivo, demonstra-se imprescindível a mudança de paradigma dos tribunais quanto à relativização da penhorabilidade de salário.

Nesse cenário, é importante ressaltar que o Tribunal de Justiça do DF já consolidou entendimento sobre a possibilidade de penhora de percentual de salário para pagamento de dívidas não alimentares. Nessa linha, em caso patrocinado por QCA (AGRAVO DE INSTRUMENTO 0750663-37.2023.8.07.0000, Acórdão 1836030), o TJDF deferiu a penhora de percentual de verba salarial para pagamento de dívida contraída junta a instituição financeira. A decisão deixou clara a relativização da penhora e a situação que ela pode ocorrer, quando afirmou que: “A jurisprudência tem admitido a relativização da impenhorabilidade da verba de natureza alimentar, prevista no art. 833, IV, do CPC, desde que preservada a dignidade do devedor e de sua família. Precedentes do STJ e desta Corte”.

Em virtude desse precedente, no processo 0712624-87.2022.8.07.0005, com atuação da equipe de recuperação de crédito de Queiroz Cavalcanti, a juíza de 1º grau, verificando que haviam se esgotado todos os meios para dar efetividade a ao cumprimento de sentença/execução, deferiu penhora 15% dos rendimentos líquidos do executado. Em importante explicação, a magistrada fez consignar na decisão os motivos da constrição:  No presente feito, é inequívoco que a penhora de parte dos vencimentos do primeiro executado é imprescindível ao adimplemento da dívida. Isso porque já foram deferidas diligências nos sistemas informatizados visando encontrar valores ou bens passíveis de penhora, sendo certo que tais diligências se mostraram infrutíferas, tanto que o feito foi suspenso pela inexistência de bens passíveis de penhora. E não é menos importante observar que o crédito exequendo foi constituído há mais de anos, e o exequente ainda não viu satisfeita a obrigação. Com efeito, restando cabalmente demonstrado o esgotamento de todas as diligências com vistas à satisfação integral do crédito exequendo, a par do expressivo lapso do inadimplemento, e por entender que a penhora de 15% do salário do devedor não é capaz de comprometer sua subsistência digna e de sua família, vislumbro caracterizada situação excepcional a ensejar flexibilização da regra do art. 833, inciso IV, do CPC. Gizadas estas considerações e desnecessárias outras tantas, DEFIRO o pedido do credor e determino a penhora de 15% dos rendimentos líquidos do executado.

Em caso análogo, em processo advindo do Tribunal de Justiça de MG e levado ao STJ, também restou demonstrada a mudança da jurisprudência, como o julgamento do EREsp 1582475/MG, quando o STJ mais uma vez que: “ Os rendimentos do devedor são, em regra, impenhoráveis (CPC, art. 833, IV). Todavia, o STJ firmou entendimento no sentido de que a regra geral da impenhorabilidade de salários pode ser relativizada, com observância de percentual que assegure a dignidade do devedor e de sua família”.

Diante desse contexto, resta clara a importância da mudança de paradigma para que se possa dar pujança e efetividade aos processos de execução, visando a melhora na prestação jurisdicional, o que ocasionará, por via indireta, a melhora na oferta de crédito e seu barateamento.

Pedro Henrique de Queirós Tartaruga
Advogado sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia - atuante em recuperação estratégica de crédito - especialista em Direito empresarial e Civil pela Universidade federal de Pernambuco.

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