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Decisão do STF sobre prisão automática após julgamento no Tribunal do Júri é equivocada

O STF decidiu pela prisão imediata após júri popular, gerando controvérsia por violar direitos constitucionais e tratados internacionais, como o Pacto de São José.

16/9/2024

No dia 12/9, o STF decidiu que condenados por júri popular devem ser presos imediatamente após o julgamento, impondo a execução da pena mesmo quando ainda houver possibilidade de recurso.

Referida decisão contraria a nossa sistemática processual e constitucional e causará danos à justiça.

A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, cláusula pétrea da nossa Carta Magna, é uma garantia das pessoas acusadas e não tem nenhuma relação com a cautelaridade da prisão preventiva: essa confusão conceitual, em vez de aprimorar o sistema jurídico, cria espaços para ilegalidades, o que aumentará a disfuncionalidade da nossa ordem jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, não existe previsão para prisão automática, lembrando que o direito de recorrer a instâncias superiores é garantido pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. In verbis: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior (artigo 8, 2, ‘h’).

Aliás, é do próprio Pacto de São José da Costa Rica a proibição de retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais: “Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista.” 

O direito de apelar de uma sentença penal condenatória – antes do início do efetivo cumprimento da pena – é um direito sagrado e há décadas vigora no Brasil, constituindo flagrante retrocesso ilegal vedá-lo sob a justificativa de que no Tribunal do Júri seria diferente. Essa é exatamente uma das situações de retrocesso proibido em matéria de direitos e garantias fundamentais.

Não bastasse isso, referida decisão criará dificuldades ao juízo presidente do Tribunal do Júri, ao se deparar com casos em que tenha havido prisão preventiva ou outra medida cautelar diversa da prisão no curso do processo, pois o juízo terá que fazer o papel do Juízo de execução para avaliar se a prisão automática fará sentido diante de medida cautelar anteriormente imposta. Ou aceitaremos que a pessoa condenada cumpra mais tempo de pena do que aquela que foi fixada na própria condenação?

Lamentavelmente, o Supremo tentou nivelar situações distintas, o que gerará problemas e injustiças, pois os casos não são todos iguais e nem sempre demandam a prisão em regime fechado.

José Carlos Abissamra Filho
Advogado criminalista, Doutor e Mestre pela PUCSP, foi diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) por quase uma década e é autor de, entre outros, Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais, livro lançado em agosto pela Juruá Editora.

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