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A jurisdição administrativa tributária e os pequenos contribuintes

O artigo analisa a jurisdição administrativa tributária, destacando o limitado acesso de pequenos contribuintes a recursos, impactando a isonomia e sobrecarregando o poder judiciário.

30/8/2024

Muito comum se deparar nos noticiários especializados com informes sobre questões tributárias a respeito de diversos temas de grande envergadura e impacto social, porém quando o ponto central da discussão se refere a julgamentos em sede de contencioso administrativo o que mais se vê são cifras milionárias proveniente de grandes players situados em grandes centros, com as melhores assessorias para tanto.

Esse cenário, possivelmente, seja reflexo do que as próprias normas de regência dispõem ao tratar do sistema administrativo de jurisdição, onde seus recortes tendem a projetar o foco do contencioso em situações de maior representatividade econômica.

Em questões práticas é possível exemplificar as situações através de apontamentos legais, como no caso do Estado de São Paulo em que sua lei de regência1, no seu art. 462 que trata do piso mínimo de valores envolvidos para o manejo do recurso de ofício ao Tribunal de Impostos e Taxas, assim como no caso do art. 1123, do decreto 54.486/09 que coloca o corte no valor do auto de infração em 5.000 unidades fiscais do estado para interposição de recurso ordinário ao referido tribunal pelo contribuinte, o que no momento presente, exercício de 2023, ultrapassa a cifra de R$ 171 mil.

Não diferente disso era o caso do CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em que pese a publicação da Portaria MF 20, de 17/2/23, que trata a partir do seu art. 49, dos julgamentos dos processos relativos ao contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, através de turmas recursais, especializadas por matéria, que julgarão recursos a elas distribuídos, isso no intuito de implementar forma de harmonização da atividade jurisdicional administrativa.

Contudo, o recorte aqui adotado para fins de delineamento se dá pela reflexão quanto a existência de uma segmentação do contencioso, capaz de inviabilizar o acesso de uma significativa parcela de contribuintes, considerando que quase 1/34 do produto interno bruto brasileiro é proveniente dessa baixa casta, as micro e pequenas empresas.

E uma vez que o processo administrativo-tributário tem a função de autocontrole da Administração no exercício da competência tributária recebida pela Constituição Federal, mister fazê-la por inteiro, sem desprezo de certas irregularidades, ilegalidades e excessos, independentemente do montante envolvido.

Não se trata de sentimentos ou sensações de cunho meramente egoísticos, ou mesmo complexos psíquicos de quem seja cerceado do acesso, mas de se implementar uma análise mais criteriosa à luz do direito positivo, sobretudo porque referidas privações de acesso ao 2º grau, seja aos Tribunais Administrativos Tributários aqui referidos ou não, acaba por violar direitos fundamentais, como isonomia, duplo grau de jurisdição e a ampla defesa, assegurado pelo texto do art. 5º, LV, Constituição Federal5.

O grande valor do processo administrativo-tributário é justamente a possibilidade de remissão dos equívocos e excessos pela relação hierárquica proveniente do Direito Administrativo, de modo que não conceder a determinadas castas de sujeitos passivo o direito ao duplo grau de jurisdição coloca em xeque o próprio sistema do Estado de Direito, haja vista que essa distinção fere a isonomia, princípio implícito na Ordem Constitucional, presta de baliza para a realização das demais garantias, uma vez que não são capazes de se compatibilizar num ecossistema jurídico em descompasso na balança da justiça.

Sobre a igualdade, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 47) é certeira no sentido de que “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando (…) III - a norma atribui tratamento jurídico diferente em atenção a fator de discrimen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados (…)”.

Por isso o recorte ora realizado é de extrema relevância, afinal não somente pode se vulnerar referido princípio, mas também o duplo grau de jurisdição que, como ensina Rodrigo Dalla Pria (2020, p.650) é “o direito do jurisdicionado de, em face de erro ou de imprecisão do pronunciamento jurisdicional, reprovocar a atividade jurisdicional a fim de obter juízo de revisão da decisão exarada”.

Não obstante, é certo que as mencionadas imperfeições, quando não reconhecidas pela jurisdição administrativa acabam desaguando na seara judicial, impondo uma série de ônus que, em caso de êxito do contribuinte, virão a ser suportados pelo próprio ente tributante que, por sua vez, recairão sobre os cofres públicos na alocação de recursos para respectivas indenizações, como reembolso de despesas, honorários advocatícios sucumbenciais, dentre outros.

Outro aspecto relevante que aparece do universo das estatísticas e não se despreza é o volume de processos que, de acordo com o CNJ, na edição Justiça em números 2022 (p. 238), alcançou a taxa de congestionamento das varas exclusivas de execução fiscal ou fazenda pública no TJ/SP na ordem de 93%, no Rio de Janeiro 80% e, na média dos estados, 89%.

Isso significa uma sobrecarga de milhões de processos, tal como levantado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em notícia veiculada em 7/2/216, onde de acordo com a sua Corregedoria Geral, naquela oportunidade havia um acervo em 1º grau de 20.546.560 processos, dos quais 11.853.177 se tratava de execução fiscal.

Definitivamente, um colapso no sistema Judiciário que poderia ser amenizado se houvesse uma maior atenção na esfera administrativa, pois reflete (in)diretamente nos interesses do próprio ente mantenedor do orçamento público7.

E por assim ser, a segmentação exagerada da jurisdição administrativa tributária através do estabelecimento de recortes, como o caso do limite de alçada, viola direitos e garantias do jurisdicionado (contribuinte) de baixo poder econômico enquanto pequeno litigante, fazendo distinções indesejadas e, sobretudo, não facultadas pela norma referencial, além da própria geração de sobrecarga ao Poder Judiciário, o que tranca o andamento da prestação jurisdicional no todo, o que gera, em cascata, efeitos sobre toda a sociedade.

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1 Lei estadual de São Paulo nº 13.457/09

2 Artigo 46 - Da decisão contrária à Fazenda Pública do Estado no julgamento da defesa, em que o débito fiscal exigido na data da lavratura do auto de infração for superior a 20.000 (vinte mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, haverá recurso de ofício para o Tribunal de Impostos e Taxas.

3 Artigo 112 - Da decisão favorável à Fazenda Pública do Estado no julgamento da defesa, em que o débito fiscal exigido na data da lavratura do auto de infração seja superior a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, poderá o autuado, no prazo de 30 (trinta) dias, interpor recurso ordinário para o Tribunal de Impostos e Taxas..

4 Disponível em: https://agenciasebrae.com.br/dados/pequenos-negocios-aceleram-emprego-e-pib-no-pais/#:~:text=30%25%20do%20PIB%20brasileiro%20%C3%A9,atuava%20no%20setor%20de%20servi%C3%A7os.

5 Art.5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

6 Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=63248#:~:text=O%20total%20de%20processos%20distribu%C3%ADdos,(em%202019%20foram%20856.235).

7 Uma vez que o orçamento do Poder Judiciário é proveniente do Poder Executivo, os reflexos de gastos em sobrecarga do primeiro acabam desaguando no segundo enquanto seu mantenedor.

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Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2022 / Conselho Nacional de Justiça. – Brasília: CNJ, 2022.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. Ed. Malheiros. 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003

PRIA, Rodrigo Dalla. Direito processual tributário/ Rodrigo Dalla Pria. - 1. ed. - São Paulo: Noeses, 2020https://agenciasebrae.com.br/

Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/

Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/

Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/

Suez Roberto Colabardini Filho
Mestrando em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Processual Civil pela de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP). Graduado em Direito pela Fundação de Ensino Octávio Bastos, São João da Boa Vista (SP). Advogado.

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