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Comissão especial de impeachment e o dilema da proporcionalidade

Os procedimentos de impedimento por crime de responsabilidade geram controvérsias, especialmente na formação da comissão especial, conforme a lei 1.079/50. A Suprema Corte e casos estaduais como Dilma Rousseff e Suely Campos ajudaram a esclarecer o rito e a competência para as indicações.

30/8/2024

Os procedimentos de impedimento por crime de responsabilidade têm tomado grande proporção no cenário nacional, sobretudo pelas controvérsias relacionadas ao rito e suas respectivas peculiaridades. Dentro desse rito, a formação da comissão especial se mostra como a principal causadora de celeumas, já que muitos regimentos internos se limitam, apenas, a dispor do procedimento fazendo mera remissão à legislação nacional e, a Lei 1.079/50, que regula tal procedimento, impõe que a denúncia será “despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.” (art. 19).

A interpretação desse dispositivo ainda causa muitas controvérsias. Isso porque os precedentes possuem espaços de conformação que a legislação deixou em aberto e, por se tratar de matéria interna da Casa Legislativa, tem atraído a atenção sobre a segurança de fato na formação de tais comissões que possam garantir o devido processo constitucional.

O caso Dilma Rousseff v. Congresso Nacional (ADF 378) levou a Suprema Corte a delinear a espinha dorsal do rito do processo de impedimento, que assentou a competência das indicações e eleição da Comissão Especial. Aos Estados, com lógica ligeiramente distinta, tivemos dois casos emblemáticos: Suely Campos v. ALE/RR (ADI 5895/RR) e Wilson Witzel v. ALE/RJ (Rcl 2358/RJ).

No primeiro caso, a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade de boa parte do Regimento Interno, considerando que se adotou, à época, a técnica legislativa de simplesmente reproduzir o que estava disposto na legislação nacional e as premissas estabelecidas pelo STF na ADPF 378. No segundo caso, houve um avanço no tratamento sobre a proporcionalidade e, aqui, é o que mais nos interessa, considerando que esse postulado é o núcleo essencial do devido processo de deflagração e julgamento, pois será essa comissão que irá emitir parecer concluindo se a denúncia será ou não objeto de deliberação.

A obediência à proporcionalidade advém do próprio texto constitucional, determinando-se que “cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.” (Art. 58, § 1º). Como visto, a Lei 1.079/50 também reproduziu tal perspectiva.

No julgamento da Rcl 2358/RJ, votado por maioria, evidenciou-se que a Assembleia Legislativa do Estado adotou o rito de compor a comissão a partir de uma única indicação por cada líder partidário. Ou seja, a lógica de proporcionalidade adotada, na ocasião, seria de que o princípio estaria obedecido com a indicação de um parlamentar por partido.

Isso seria o ideal de proporcionalidade a garantir o devido processo legal em procedimento tão importante à República e à Federação?

A maioria dos ministros, ao se debruçarem sobre o caso, encaminharam seus entendimentos no sentido de que tal matéria, até então nunca discutida, poderia ser estruturada da forma estabelecida pela Presidência da Assembleia, sob o principal argumento de que “não houve irresignação por parte de nenhum dos partidos políticos representados na Assembleia Legislativa.” (p. 7. Voto Ministro Alexandre de Moraes). Logo, destacou-se que a opção política realizada pela Assembleia Legislativa observou o consenso dos partidos políticos, tornando-se matéria interna incapaz de ser atingida pelo Tribunal.

A abertura normativa do que seja proporcional nos parece, ainda, algo a ser melhor trabalhado, até porque o julgamento acima citado não avançou em pontos relevantes, considerando que lá, na ALE/RJ, quando da formação da Comissão Especial, havia um consenso político-partidário na proprocionalização.

Não obstante, devido a densidade do instituto do impeachment, é preciso compreender como a proporcionalidade na composição dos órgãos é decisiva à obediência constitucional, pois a garantia da higidez normativa deve ser marcante em relação ao seu procedimento.

O prestígio da formação de comissões - com proporção das forças partidárias integrantes no Parlamento - encontra estrita correlação com a vontade popular. Se “todo poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, CRFB) que o exerce por meio de mandatos eletivos populares, nada mais lógico de que se busque resguardar, em cada comissão, o espelho dessa vontade.

É justamente por isso, que a representatividade popular, capaz de sufragar um mandato, deve respeitar a proporção das forças partidárias no parlamento, devendo a composição de comissões especiais de impedimento refletir a densidade de cada partido. Não nos parece adequado, portanto, que um partido com maior representação tenha o mesmo peso de voto e manifestação que um partido com menor representatividade.

No que pese o precedente que aceitou a composição formada por um único representante de cada partido, a referida medida se legitimou, tão somente, pela autocontenção da Suprema Corte de, naquele caso, reconhecer que havia consenso dos partidos.

Daí a relevância de que as forças político-partidárias, dentro da sua representativa, sedimentem instrumentos de conformação para garantir o peso de cada agremiação pelo quantitativo de parlamentares que representam a vontade popular na Casa Legislativa.

Portanto, a opção política deve buscar formatos possíveis da composição da Comissão Especial que sejam capazes de atender a garantia constitucional da proporcionalidade, tendo os partidos políticos - e parlamentares - papel fundamental na garantia do devido rito constitucional.

Herick Feijó
Advogado, mestre em Cidadania e Direitos Humanos, especialista em Direito Público e ex-membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais (CFOAB).

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