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Ilícitos eleitorais e a nova sistemática da Resolução -TSE 23.735/24: Três inovações importantes, em especial, assédio eleitoral no ambiente de trabalho

Os ilícitos eleitorais ganharam uma resolução própria: A 23.735/24. A resolução que não pode inovar na ordem jurídica traz a consolidação do entendimento do TSE sobre as condutas vedadas e cria providências importantes para a atuação de juízes, candidatos e partidos.

30/7/2024

Os ilícitos eleitorais ganharam uma resolução própria: A 23.735/24. A resolução que não pode inovar na ordem jurídica traz a consolidação do entendimento do TSE sobre as condutas vedadas e cria providências importantes para a atuação de juízes, candidatos e partidos.

Acredito que a função hermenêutica tenha sido sua base de sustentação, porém considerando que o tratamento dispensado em muitos aspectos vão muita além da função regulamentar.

Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre os seguintes ilícitos eleitorais:

  1. abuso de poder (Constituição Federal, art. 14, § 10; LC 64/90);
  2. fraude (Constituição Federal, art. 14, § 10);
  3. corrupção (Constituição Federal, art. 14, § 10);
  4. arrecadação e gasto ilícito de recursos de campanha (lei 9.504/ 97, art. 30-A);
  5. captação ilícita de sufrágio (lei 9.504/97, art. 41-A); e
  6. condutas vedadas às(aos) agentes públicas(os) em campanha (lei 9.504/97, arts. 73 a 76).

Em nada esse artigo inovou, porém o art. 2º prevê: O controle da desinformação que compromete a integridade do processo eleitoral será feito nos termos da legislação de regência e de resolução deste Tribunal Superior.

Outro aspecto foi a utilização dos institutos processuais das tutelas de urgência e evidência conforme o art. 5°.

Poderes dos juízes

No mais, aumenta os poderes do juízo eleitoral, já que

§ 1º A plausibilidade do direito será evidenciada por elementos que preencham o núcleo típico da conduta proibida pela legislação eleitoral, sendo irrelevante a demonstração de culpa ou dolo (Código de Processo Civil, art. 497, parágrafo único).

§ 2º Na análise do perigo de dano, será apontado o bem jurídico passível de ser afetado pela conduta, não se exigindo a demonstração da  efetiva ocorrência de dano (CPC, art. 497, parágrafo único).

Visão teleológica da norma

Mesmo que tente preservar a finalidade da administrar das eleições, que anda paralela a função de julgador, o TSE prescreve pela mínima intervenção e pela preservação do equilíbrio da disputa eleitoral. Além de que a concessão da tutela inibitória no curso da ação, não prejudica o exame da gravidade da conduta, no julgamento de mérito, para fins da condenação ou da dosimetria das sanções.

Três situações merecem destaquem por serem novas em que o abuso de poder econômico pode ocorrer:

  1. O uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa, com desinformação, falsidade, inverdade ou montagem, em prejuízo de adversária(o) ou em benefício de candidata(o) configura abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social (TSE, AIJEs 0601968-80 e 0601771-28, julgadas em 28/10/21);
  2. A utilização da internet, inclusive serviços de mensageria, para difundir informações falsas ou descontextualizadas em prejuízo de adversária(o) ou em benefício de candidata(o), ou a respeito do sistema eletrônico de votação e da Justiça Eleitoral, pode configurar uso indevido dos meios de comunicação e, pelas circunstâncias do caso, também abuso dos poderes político e econômico.
  3. O uso de estrutura empresarial para constranger ou coagir pessoas empregadas, funcionárias ou trabalhadoras, aproveitando-se de sua dependência econômica, com vistas à obtenção de vantagem eleitoral, pode configurar abuso do poder econômico.

Abuso de poder econômico do empregador

Esse terceiro aspecto encontra-se na perspectiva de coibir a prática de assédio moral eleitoral, que muito se aproxima de coação (art. 301, do Código Eleitoral) mas não se confunde porque seria uma situação mais branda em relação aquela. Porém, diante do aumento consideral de denúncias nas eleições de 2022 se mostrou como medida importante. Desta forma, além da punição na esfera trabalhista, a Eleitoral também receberá tais denúncias. O TSE visualiza que o empregador diante do poder diretivo e econômico que tem em face da vulnerabilidade do empregado também pode vir a praticar abuso de poder.

As medidas judiciais adequadas, além da representação ao Ministério Público Eleitoral e do Trabalho, também podem ser fundamentos para a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, como da Impugnação de Mandato Eletivo, com a aplicação da perda de votos e cassação do mandado e Inelegibilidade por oitos anos.

Coronelismo, enxada e voto

A questão do abuso do Poder econômico por empregadores não é assunto novo. Desde o livro Coronelismo, Enxada e Voto de Victor Nunes Leal, o poder econômico tem forte impacto sobre a dinâmica brasileira de eleições.

O autor traz o panorama do Brasil profundo, analfabeto e pré-democrático, bem como as características rurais daqueles tempos. Porém, nas eleições de 2022, o Ministério do Trabalho teve um crescente número de denúncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho. Conforme consta do relatório entregue ao presidente do TSE pelo MPT pelo então procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, o documento Assédio Eleitoral Eleições 2022 – Relatório de Atividades. O informativo foi elaborado pela Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, ligada ao MPT - Ministério Público do Trabalho. Consta no relatório a existência de Até o dia 6 de dezembro de 2022, tivemos 2,3 mil denúncias. Foram expedidas 1,4 mil recomendações, ajuizadas 80 ações civis públicas e 300 termos de ajuste de conduta. O Ministério Público do Trabalho continua trabalhando para que o assédio eleitoral seja punido.

O documento descreve o assédio eleitoral como “a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento associados a determinado pleito eleitoral, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho”.

Os números do MPT apontam que a região Sul apresentou o maior número de denúncias até o primeiro turno das eleições de 2022. Depois do dia 3 de outubro, se destacou a Sudeste (especialmente os estados de Minas Gerais e São Paulo), com 934 relatos contra 705 empresas ou pessoas investigadas, seguida pela Sul, com 690 denúncias, a Nordeste, com 413, a Centro-Oeste, com 198, e, por fim, a Norte, com 125.

Coronelismo urbano?

Um novo panorama do assédio eleitoral se dá contra trabalhadores urbanos, alfabetizados, a princípio, não precarizados (Carteira Assinada). Fora o deslocamento do Nordeste para as regiões com maior desenvolvimento industrial.

De forma sintomática o Brasil ainda não concluiu o processo de Ratificação da Convenções 190 da Organização Internacional do Trabalho.

Mas, a inovação introduzida na resolução, traz novos ares para a situação já que não somente incidência sobre o autor do ilícito de assédio, mas pode comprometer o próprio candidato.

O lamentável é que essas informações foram obscurecidas pelo debate concentrado em fake news e deepfakes e sabemos que a penetração do assédio é gigantesco e difícil de fiscalização.

As lojas Havan foram condenadas pela 3ª Turma  do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Havan S.A. contra o pagamento de indenização a um vendedor por assédio eleitoral. Entre as condutas relatadas no processo constam: camisas que remetiam ao candidato preferido do proprietário da empresa, obrigatoriedade de assistir às lives desse candidato, entre outros.

O fato das condutas serem punidas pela Justiça do Trabalho não obsta outras condenações nas esferas criminal e eleitoral.

Um longo caminho...

Um caminho longo para o amadurecimento institucional da democracia, principalmente, em tempos de crise econômica estrutural.

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TST. Ag-AIRR 195-85.2020.5.12.0046

LEAL, V. N. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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