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Entenda o procedimento da recuperação extrajudicial utilizado pelas Casas Bahia

O anúncio da Recuperação Extrajudicial das Casas Bahia levantou uma onda de comentários e discussões a respeito desta modalidade de reestruturação e como ela pode ser uma opção para as empresas que não buscam o pedido de Recuperação Judicial como saída da crise.

19/6/2024

Ao final do mês passado a popular empresa de móveis Casas Bahia, noticiou que celebrou acordo de recuperação extrajudicial junto aos seus principais credores, Banco do Brasil e Banco Bradesco. De se destacar sua a vantagem do acordo, tendo em vista que, segundo a matéria da Valor1, a dívida que chegou aos exorbitantes R$4,1 bilhões em valores atualizados, foi alongada para o pagamento em 72 meses, além da carência de 24 meses para a realização do pagamento de juros.

O anúncio da recuperação extrajudicial da empresa levantou uma onda de comentários e discussões a respeito desta modalidade de reestruturação e como ela pode ser uma opção para as empresas que não buscam o pedido de recuperação judicial como forma de reestruturação.

Em um viés simplificado pode-se dizer que a recuperação extrajudicial é de fato um meio célere, menos custoso e também confiável de resolução das crises e recuperação dos lucros, tendo em vista que, a partir deste mecanismo as partes podem realizar acordos que priorizam os interesses da empresa recuperanda, amoldando seus débitos para condizerem com seu faturamento.

Nas palavras de Nadime Meinberg Geraige2, mestre em direito civil pala USP a recuperação extrajudicial é:

“(...) é ferramenta introduzida pela lei 11.101/05, de menor complexidade e destinada a sanear a crise econômico-financeiro de menor gravidade e de forma preventiva. No capitulo VI (arts. 161 e 167) da lei de falência e recuperação empresarial encontram-se as disposições referentes a recuperação extrajudicial.”

A escolha da empresa pela recuperação extrajudicial só é possível quando há um planejamento realizado pelos executivos da sociedade. Isso porque, “timing” é essencial quando o assunto é reestruturação, sendo requisito legal para o pedido a aderência de mais de 50% dos credores ao plano de pagamento (art. 163 da LFRE).3

Além do mais, a questão de prazos trazida na Lei 11.101/05 esclarece que em caso de a empresa pedir novamente pela recuperação extrajudicial deve-se ter passado apenas dois anos a contar do pedido anterior, como exposto no art. 161, §3º da lei 11.101/054, diferente da recuperação judicial que é de cinco anos como previsto no art. 30 da lei 11.101/05.5

Portanto, no momento de crise é importante para a empresa analisar cuidadosamente qual procedimento seguir, se a recuperação judicial ou se a recuperação extrajudicial, conforme será explorado a seguir.  

O primeiro ponto de divergência entre os dois procedimentos se refere ao pagamento antecipado das dívidas, pois segundo o art. 49 da lei 11.101/056 as dívidas que compõe a recuperação judicial são todas aquelas existentes até a data do pedido de recuperação, ainda que não vencidas. Ou seja, caso houver outras parcelas da dívida depois do pedido de recuperação judicial estas são antecipadas para serem negociadas junto ao plano de recuperação judicial.

Em contrapartida a recuperação extrajudicial, não possui tal previsão e a luz do art. 161, § 2ª da LREF7 são consideradas as dívidas anteriores que venceram, já as que não venceram ainda não serão negociadas, serão tratadas na RE apenas as parcelas que venceram não havendo vencimento antecipado. Dessa maneira, conforme elucida o ex-juiz Marcelo Barbosa Sacramone8, este fenômeno é uma espécie limitação da RE, leia-se:

“A recuperação extrajudicial é modo pelo qual o empresário procura sua crise econômico-financeira. Como poderá submeter apenas uma parte dos credores do devedor, não poderia ser por ele utilizada para beneficiar alguns poucos credores em detrimento de todos os demais, por isso, a primeira limitação ao plano de recuperação extrajudicial é que não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas ou assegurar aos credores a ele sujeitos tratamento mais benéfico ou favorável do que ao demais credores.”

Ou seja, em breve análise, seria o melhor caminho para uma empresa em crise com diversas parcelas atrasadas e demais outras parcelas por vir dentre vários credores, escolher o caminho da recuperação extrajudicial, que não antecipa dívidas, ou seria melhor se planejar para aderir ao caminho da recuperação judicial que prevê este mecanismo? Uma pergunta que só pode ser respondida em profunda análise de caso a caso.

Já o segundo fenômeno a ser analisado é referente a alienação judicial de filiais ou unidades isoladas do devedor após o pedido de reestruturação da empresa, quanto ao que é previsto no art. 60 da lei de recuperação judicial9, a alienação na RJ deve ser ordenada pelo juiz, sempre seguindo ao disposto no art. 14210 de mesma lei, por outro lado a lei permite que na RE não haja permissão do juiz para realizar tal feito, como exposto no art. 16611, o trespasse da recuperação extrajudicial também é realizado nas formas do art. 142.

O grande ponto a ser explorado aqui é o da sucessão de arrematantes com a alienação judicial, em casos de RJ a lei é clara no parágrafo único do art. 6012 quando diz “O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei.”

Ou seja, todas as dívidas que haviam sobre o bem não atingem o novo proprietário, entretanto, quando tratamos da recuperação extrajudicial, a lei é implícita ao tratar de tal assunto, assim, determina-se por carência de entendimento da própria lei a aplicação do art. 1.146 do Código Civil13 e do art. 133 do CTN14, ou seja, se entende que há sucessão de arrematantes ao novo proprietário. Destaca Sacramone sobre o assunto:

“A mingua de qualquer exceção determinada pela lei, aplicam-se o art. 1.146 do Código Civil, que impõe a responsabilidade ao adquirente pelos débitos contabilizados ao alienante, a art. 133 do CTN, que determina que o adquirente que continuar a exploração do estabelecimento empresarial responderá pelos tributos relativos a este.”

Nesta senda, a alienação de bens do ativo patrimonial do empresário que poderia ser uma maneira de recuperação da empresa, acaba se tornando complexa, tendo em vista que, caso o bem a ser alienado tiver muitos dispêndios econômicos e dívidas, a ninguém se torna interessante adquirir sua propriedade.

Logo, em conclusão a escolha entre a recuperação extrajudicial e a recuperação judicial deve ser realizada de forma especializada e pormenorizada nos termos da lei 11.101/05 e do ordenamento jurídico, de maneira que, seja realizada uma análise profunda da empresa como um todo, priorizando a compreensão da dívida total em sua complexidade.

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1 Ana Luiza Tieghi. 2024. Casas Bahia Reestrutura Dívida de R$4,1 bi. Valor B4. 29/05/2024.

2 Geraige. Nadime. Falência E Recuperação Judicial e Extrajudicial: Recuperação Extrajudicial e as Alterações da Lei 14.112/2020. 1º Ed. Bom Retiro – São Paulo. Quartier Latin. 2022.

3 Art. 163, LRFE, O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial.

4 Art. 161, §3º, O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.

5 Art. 30, Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.

6 Art. 49, Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

7 Art. 161, §2º, O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.

8 Sacramone. Marcelo. Comentários À Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2ª Ed. São Paulo. Saraiva jur. 2021.

9 Art. 60, Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

10 Art. 142, A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades.

11 Art. 166, Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.

12 Art. 60, par. único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.

13 Art. 1.146, CC, O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

14 Art. 133, CTN, A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato.

Heloisa Nogueira
Advogada formada pela PUC-Campinas, consultora empresarial em reestruturação, com especialização em Análise Econômica de direito Internacional pela Universidade de Augsburg - Alemanha, membro do grupo de estudos em Recuperação Judical da OAB/CAMPINAS.

Thamara Maria de Godoi Belinatti
Colaboradora do escritório NCLAW - Nogueira e Chiteco Jr. Sociedade de Advogados, estudante de direito na Pontíficia Universidade Católica de Campinas

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