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Responsabilidade pela posição e omissão imprópria

Aumento alarmante de casos de omissão imprópria nas Cortes Superiores alerta para a responsabilidade penal de dirigentes empresariais, destacando a importância da estrutura organizacional e do cumprimento de deveres.

11/6/2024

A coluna de hoje aborda a posição de garantidor, levando em conta o fato de que as autoridades se valem, cada vez mais, da omissão imprópria para atribuição de responsabilidade penal.

O aumento do recurso à omissão imprópria foi constatado empiricamente por Alexis Brito e João Victor Morais1,  que apontam para uma expansão no volume de tais casos nas Cortes Superiores, que alcança 650% desde a década de 1980 à de 2010, sendo que, do total de acórdãos analisados, 56% versam sobre crimes cometidos em contextos empresariais:

 

Gráfico de Alexis Brito e João Victor Morais referente ao número de casos envolvendo crimes omissivos impróprios.2

A posição de garantidor vem sendo a pedra fundante para a responsabilidade penal dos dirigentes empresariais, tendência que enseja um alerta sobre a relevância em uma consciente estruturação organizacional da empresa e sobre o cumprimento de deveres assumidos pelos seus administradores. Em especial porque, ainda que se questionem os diversos desvios no uso da técnica, é legítima a responsabilidade penal por omissão imprópria desde que respeite os pressupostos e limites estabelecidos legalmente.

Claro que, em muitos casos, o instituto vem sendo instrumentalizado incorretamente para a imputação da prática de ilícitos penais à dirigentes pela mera posição no organograma corporativo: a nova, mas não contemporânea, forma de responsabilidade penal objetiva, isto é, quando a mera condição de dirigente torna-se elemento (i)legitimo para responder um inquérito, procedimento ou processo criminal.

Com isso, quer-se dizer que a mera prova documental (e.g. um contrato social, um organograma empresarial ou uma normativa interna que aponte o dirigente em uma posição de liderança) passa a ser, indevidamente, considerada como meio apto a fundamentar a condenação penal, com penas que vão de poucos meses de detenção até vários anos de reclusão.

Antes do mais, é preciso conceituar: afinal o que é uma omissão imprópria? Enquanto uma das técnicas de responsabilização de dirigentes empresariais, a omissão imprópria diz respeito à “responsabilização de um agente por um tipo penal que, por sua descrição, a princípio, realizar-se-ia por uma ação, atribuindo o resultado ao sujeito em função de uma omissão, quando ‘o omitente devia e podia agir para evitar o resultado’ (art. 13 do Código Penal)”3.

A omissão imprópria, como visto, encontra-se no art. 13 do Código Penal, onde em seu §2° prescreve que “[a] omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado” e elenca como fontes do dever de agir, que fundamenta a posição de garantidor, três hipóteses, considerando ser garantidor aquele que “tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância” (alínea “a”), “de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado” (alínea “b”), e/ou “com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado” (alínea “c”).

Em uma simplificação para fins didáticos (apesar do risco de toda simplificação), por meio da omissão imprópria o ordenamento torna punível, de modo equiparável ao cometimento comissivo de um ilícito, a inércia da pessoa que podia e devia agir para impedir um resultado. O impacto dessa equiparação é de extrema relevância, vejamos:

Um cidadão que, retornando para casa, assiste inerte enquanto gradualmente perde os sinais de vida e então morre um operário, que se acidentou em uma obra próxima a casa do primeiro cidadão, pode eventualmente responder pelo crime de omissão de socorro (pena de 1 a 6 meses).

O responsável pela segurança do trabalho na obra, que possuía deveres especiais de garantidor, exercendo a função de proteção em relação aos seus funcionários, se comprovada a omissão de deveres de agir para impedir a morte do funcionário, pode, eventualmente, ser responsabilizado por homicídio em função de sua inércia (pena 06 a 20 anos).

A questão assume uma sensibilidade ainda maior quando se tem em vista a figura do dirigente empresarial, que possui sob seu âmbito de organização empreitadas de grande complexidade e risco.

Ocupar, portanto, uma posição de garantidor implica em um relevante incremento de responsabilidade, que não deve ser menosprezado pelos dirigentes empresariais. É preciso que cada profissional compreenda os deveres que lhe incumbem ao assumir determinada função, bem como clareza acerca de quais os poderes para agir possui, de modo a adotar uma postura consciente sobre a necessidade de rápida adoção de medidas diante da constatação de riscos.

Por essa razão, é necessário, no âmbito empresarial, valorizar uma cultura de integridade, ciente dos desafios do Direito Penal Econômico, buscando examinar os riscos do negócio sob a perspectiva penal e não somente os riscos tradicionalmente calculados pelos juristas do Direito Civil, voltados para as repercussões patrimoniais.

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1 BRITO, Alexis Couto de; MORAIS, João Victor Macêdo de. A omissão imprópria nos tribunais superiores. In: BRITO, Alexis Couto de; MARTINS, Fernanda Rocha (orgs.). A dogmática penal e os tribunais superiores. Londrina: Editora Thoth, 2023. p. 109-118.

2 BRITO, Alexis Couto de; MORAIS, João Victor Macêdo de. A omissão imprópria nos tribunais superiores. In: BRITO, Alexis Couto de; MARTINS, Fernanda Rocha (orgs.). A dogmática penal e os tribunais superiores. Londrina: Editora Thoth, 2023. p. 114.

3 PINTO, Felipe Martins; BRENER, Paula. Responsabilização de gestores pela mera posição na hierarquia corporativa: tipo objetivo e tipo subjetivo na expansão do direito penal empresarial, p. In: Organizado por Marcelo Azevedo e Bruno Malta. Direito do ambiente em perspectiva. Belo Horizonte, São Paulo: Editora D’Plácido, 2020, p. 516.

Felipe Martins Pinto
Graduado, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal de Minas Gerais. Presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil. Advogado criminalista e sócio do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Paula Brener
Graduada, Mestre e Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância de pesquisa na Humboldt Universität (Berlim). Professora no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC/MG. Advogada criminalista e sócia do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Ana Luíza Rodarte Bueno
Graduada e Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do conselho científico, consultivo e fiscal do Instituto de Ciências Penais. Advogada criminalista no escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Gabriella Martins Damasceno
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Libertas - Observatório de Ciências Criminais da UFMG. Advogada criminalista no escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Rodrigo Leonardo Vítor Xavier
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiário do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

Rebeca Correia
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Monitora em Processo Penal II da Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiária do escritório Felipe Martins Pinto Sociedade de Advogados.

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