Migalhas de Peso

Quando a mídia condena antes do Judiciário: Há algo a se fazer?

A história favorece os narradores; mídia destaca condenações, ignorando absolvições. Estratégia de ataque vence, inocência é desprezada.

4/6/2024

Contexto

Zé Dirceu recentemente foi à mídia colocar sua irresignação sobre a perda do mandato de deputado federal e sua condenação que foi anulada pelo STF. Condenado politicamente, o ex-deputado, que foi cassado, indagou sobre o direito de ter seu mandato de volta ou qual seria a atuação política que pudesse corrigir os danos causados pela exposição política e midiática. Poderia seu mandato ser devolvido? A resposta é não! O tempo não volta e não há reparação para casos assim.

Dilma Rousseff também perdeu seu mandato por impecheament e depois foi declarada inocente. O próprio atual presidente Lula passou 580 dias preso em Curitiba. Também teve todos os processos anulados. 

Casos não faltam para ilustrar a situação de condenações políticas e midiática sem corresponde ou ainda posterior absolvição.

A injustiça da Justiça 

Um dos casos mais debatidos por nós advogados é o caso Dreyfus. Foi no dia 22/12/1894 que foi proferida a sentença, após um breve julgamento, feito em tribunal militar e à porta fechada, de prisão perpétua. Dreyfus foi acusado de passar documentos militares secretos ao exército alemão. Foi destituído da sua patente e enviado para a Ilha do Diabo, a prisão militar francesa na Guiana, onde viveu vários anos até à reabertura do processo, após o escândalo que rebentou junto da opinião pública francesa. 

O que isso nos ensina sobre judicialização da política?

Muito e como o poder judiciário, que também pode ser classificado como um poder contramajoritário pode ser usado para fins políticos. 

A própria existência de um processo em curso, muitas vezes sem mesmo uma condenação judicial, pode causar danos irreversíveis sobre os políticos e um julgamento e penalização midiática, sem a correspondente penalização judicial. 

Recentemente vi uma sentença de um juiz que diante da condenação midiática e de um processo não sentenciado (sendo que ele mesmo não era sequer competente), considerou que as acusações ainda não julgadas podiam ser usadas como instrumento político de ataque ao candidato e não eram fake news. 

O juiz no caso considerou que não havia fake news e que procedia as informações veiculadas por um de seus adversários políticos. Mas a questão não é se são falsas ou verdadeiras as acusações é que sem julgamento não há condenação, corolário do princípio da inocência. 

O vazio normativo é muito interessante: Não significa que seja informações mentirosas, porque são objeto de processo em curso; nem significa que seja verdade, ou verdade para o processo, porque ainda não houve julgamento. 

E enquanto o processo se arrasta por anos, aquele investigado amarga a detração da mídia e dos adversário, sem qualquer defesa viável. 

Questões...

A questão que me vem a mente é como diante de uma eventual absolvição do político (ou de pessoas, mesmo nao públicas) na esfera judicial pode o direito reparar os danos causados pela violência política travestida de processo? 

O quarto poder que se tornou todas as mídias instrumentaliza para condenações muitos mais severas que aquelas proferidas pela justiça. Mas a questão que me proponho é: Se a justiça depois de anos entender pela inocência como fazer? Seria viável limitar os ataques políticos de adversários ou ainda a condenação midiática enquanto o processo não se conclui? 

Até onde vai a liberdade de atacar com base em processos inclusos, ou ainda aqueles que depois de anos chegaram a conclusão de que não se comprovaram as acusações objetos dos processos? 

Violações à imagem 

Considero que a violência simbólica e  as consequências do uso e ataques com base em processos inconclusos são terríveis e difíceis de mensurar. 

Perder um mandato ou ter a vida política atravessada por um escândalo pode ser determinante para o fim de alguém. 

Não me parece razoável a liberdade de imprensa para condenar antes do Poder Judiciário. Devendo o judiciário sopesar como garantir a liberdade de imprensa e o direito às críticas políticas.

A presunção de inocência é direito fundamental, mas no mundo da condenação midiática ele tem pouca ou nenhuma serventia. 

Porém, recentemente o STF julgou que os jornalistas não podem ser assediados judicialmente e que somente em casos extremos pode haver a determinação por danos morais às vítimas das informações veiculadas (ADIn 6.792 E ADIn 7.055). Os ministros focaram suas análises em duas questões principais:

  1. Se, reconhecido o assédio judicial, as ações devem ser reunidas no foro de domicílio do réu;
  2. Como definir os limites da responsabilidade civil dos jornalistas em casos de danos morais.

A tese firmada foi:

  1. Constitui assédio judicial, comprometedor da liberdade de expressão, o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista, ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa;
  2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio;
  3. A responsabilidade civil de jornalistas, ou de órgãos de imprensa, somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).

O caso da Escola Parque voltou à tona e mostra como as inferências prévias e narrativas podem destruir vidas.

O bom jornalista deve buscar transmitir suas posições com isenção, a não ser óbvio que não estejam na função de informar, mas de comentar eventuais notícias de fatos revelados. O mesmo se deve aplicar a terceiros interessados que veiculam essas informações com fins eleitorais e pessoais. A execração pública e a violência política de gênero contra Dilma precisam servir de aprendizado moral.

Ministério Público e o Juiz-Hércules

O ministério Público brasileiro, diferente do americano, se acha isento. Mas o caso Dellagnol, e a perseguição judicial e política de Sérgio Moro ao então presidente Lula, mostrou que não há imparcialidade da justiça como acreditávamos.

Sou profundamente crítica aos juízes midiáticos e ao parquet quixotesco, aqueles que embevecido pelo clássico de Dworkin (autor que nutro profunda antipatia) acham que a tarefa hercúlea do magistrado o tornam esse semideus mitológico. 

Se o direito à informação por um lado é um bem coletivo e merece proteção, por outroa presunção de inocência é um direito fundamental. 

No tênue equilíbrio entre essas dois bens jurídicos, a imparcialidade do judiciário deveria ser o balizador, mas infelizmente a capacidade de julgar por vezes serve a cooptação de interesses e estamos diante de uma questão sem solução. Na filosofia, diríamos que é uma aporia.

Entre a fúria ministerial com os interesses da mídia em produzir notícias, a imagem  pessoal e a presunção de inocência não têm tanta importância. 

O que podemos concluir? 

O caso Dreyfus nos mostra que não é bem assim com apressada sanha condenatória. Os casos de Zé Dirceu e Dilma nos mostram que após danos irreparáveis à reputação política, os vencedores são de fato aqueles que contaram a história, mesmo que o futuro julgamento os inocente.

A mídia surfa na onda, dá muita visibilidade a condenações prévias e ignora as decisões finais e reais. 

Aos adversários restam os louros, usar o máximo da estratégia de ataque. O princípio da inocência não tem valor algum...

Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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