1. INTRODUÇÃO
A esterilização é o procedimento cirúrgico que visa realizar a contracepção definitiva de homens e mulheres, sendo nos primeiros realizada por meio da vasectomia e, nas segundas, através da laqueadura tubária. É feita de modo voluntário quando os indivíduos decidem livremente pela realização do procedimento, situação que é atrelada à ideia de planejamento familiar.
A regulamentação do planejamento familiar se deu através da lei 9.263/96, a qual sofreu duras críticas ao longo de sua vigência, sobretudo quanto aos requisitos estipulados para a realização da esterilização voluntária. Em 2022, ela foi reformada pela lei 14.443, que trouxe grandes avanços na pauta da autonomia feminina e na diminuição da idade.
Nesse contexto, o presente artigo visa analisar a legislação brasileira acerca da esterilização voluntária a partir de seus aspectos sociais e jurídicos, partindo-se de um método dedutivo, mediante metodologia composta por levantamento bibliográfico, histórico, doutrinário e legislativo.
2. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ACERCA DA ESTERILIZAÇÃO VOLUNTÁRIA
Até o ano de 1988, a esterilização cirúrgica era proibida no Brasil pelo Código Penal e pelo então Código de Ética Médica, sendo que só poderia ser realizada em situações específicas de risco à vida. Por isso, durante muitos anos a prática foi realizada de forma clandestina (PAULA; FERREIRA; REQUEIJO, 2023, p. 5).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, as pautas que envolviam o planejamento familiar adentraram definitivamente no ordenamento jurídico nacional, uma vez que ela prevê:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).
Com a referida disposição, a Constituição elevou o planejamento familiar ao status de direito fundamental, limitando-o aos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (PEREIRA, 2019, p. 29)
Além disso, outros princípios que aduzem os objetivos constitucionais em torno do planejamento familiar são igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges (art. 226, § 5º); melhor interesse da criança e do adolescente (art. 227); plena igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º); e acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196) (PEREIRA, 2019, p. 31).
Importante destacar que a Constituição deu liberdade ao casal para a realização do planejamento familiar, afastando-se das tentativas contrárias aos direitos humanos de realizar controle de natalidade da população, e conferindo nesse direito o valor da autonomia.
Considerando que, na forma do art. 197 da Constituição Federal, o Estado tem o dever de regulamentar as políticas públicas da saúde, em 1996 foi promulgada a lei 9.263/96, a qual regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar (BRASIL, 1996).
Na referida lei, em observância ao disposto na Constituição, o planejamento familiar é considerado um direito do cidadão, sendo entendido como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (BRASIL, 1996). Ainda, a lei veda o seu uso como forma de controle demográfico.
É instituído o dever do SUS de prestar serviços em prol do planejamento familiar, os quais incluem: a assistência à concepção e contracepção; o atendimento pré-natal; a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato; o controle das doenças sexualmente transmissíveis; o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis (BRASIL, 1996).