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Musk, Xandão e a democracia

Musk cativa parte dos EUA, mas o país enfrenta desafios democráticos. Criticar é livre, mas desafiar ordens judiciais e incitar ódio é criminoso.

15/4/2024

Elon Musk e sua origem.

Quando abordo um tema polêmico procuro ser muito observadora de tentar entender os dois lados com e qual matriz sociológica cada um provém. Que experiências de vida cada interlocutor tem e como isso afeta sua percepção de (in)justo?

Nos Estados Unidos, a liberdade de expressão tem contornos muito mais amplos do que aqueles que conhecemos. Como muito dramaticamente representado no filme "O povo contra Larry Flint", a liberdade de expressão é um bem sem restrições (ou praticamente sem...).

Liberdade de expressão no Brasil

No Brasil, a liberdade está muito mais delineada e restrita. Da mesma forma que ao passo de a liberdade de expressão ser tutelada, também protegemos outros bens de importância paralela, superior ou que imponham restrições como o direito à imagem, atos que possam ser considerados discurso de ódio, violência racial e de gênero, etc. 

Então liberdade de expressão não é um bem absoluto e exige que o intérprete passe pelo crivo da proporcionalidade, razoabilidade e compatibilização. A relação à outros bens também presentes na nossa ordem jurídica precisam convergir e conviver.

Brasil X USA

O sistema americano é melhor do que o nosso ou o nosso melhor do que o deles? Não sabemos, nem podemos comparar. 

No Brasil, a atuação da Justiça está muito centrada nos excessos que as redes sociais podem ter ao desequilibrar o jogo democrático, ao denegrir a imagem pública, a propagar mentiras (fake news). A justiça eleitoral passou a enfrentar o desafio de ser pioneira na luta para que o poder das redes não subrepujasse a democracia brasileira ainda imatura. É muito ruim para qualquer sistema institucional precisar que o poder judiciário venha a se defender publicamente do desafio de um empresário contra as normas legais vigentes no país, e na tetantiva de minimizar a desequilibrada balança da democracia na sociedade de informação. 

Regulação das redes no Brasil 

A urgência de regulação das redes se mostra cada vez mais clara. O Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) prevê:

Art. 1º Esta lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação à matéria.

No mais, ainda traz:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

  1. Garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
  2.  Proteção da privacidade;
  3.  Proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
  4. Preservação e garantia da neutralidade de rede;
  5.  Preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
  6.  Responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
  7. Preservação da natureza participativa da rede;
  8. Liberdade dos modelos de negócios promovidos na  internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta lei.

Assim, seja o polêmico Musk ou qualquer outro do seguimento, é importante entender que no Brasil a Internet obedece princípios e objetivos claros. 

Hipocrisia 

No mais, a ausência de "democracia" não é problema para Musk que não ataca o rígido controle chinês sobre as redes nem a preservação de modelos tradicionais de organização social como os países maioria muçulmana. 

Há hipocrisia na sua pretensa revolta contra a "ditadura judicial" do Brasil. O TSE, nas resoluções publicadas em fevereiro de 2024, após as audiências públicas de janeiro e mais de 850 questionamentos sobre as minutas, buscou garantir que a atuação dos partidos e candidatos se parassem por regras mínimas de ética política. E principalmente, pela paridade de armas entre os concorrentes que vivem num mãos com fossos de desigualdades imensos. 

Não defendo a ditadura do judiciário, nem acredito que seu protagonismo nesse momento histórico seja prejudicial à democracia brasileira. Mas considero que a posição de Musk não é adequada para um gestor de uma multinacional, cujos próprios acionistas já cogitaram afastá-lo de suas funções diante das polêmicas que provoca, uso de drogas e problemas graves de desequilíbrio emocional. 

O que concluo! 

As provocações de Musk ressoa agradáveis a uma parcela que pensa ser norte-americana, mas se esquecem que lá também estão também numa grande encruzilhada democrática. 

Criticar uma autoridade instituída é liberdade de expressão, porém descumprimir ordens judiciais e tentar subverter a ordem institucional e incitar ódio e descrédito nas instituições é sim crime. 

Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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