A lei 14.230/21 promoveu importantes alterações na LIA - Lei de Improbidade Administrativa, entre elas, a regra segundo a qual, nas ações e nos acordos regidos por esta lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas.
Entretanto, no âmbito de alguns tribunais, especialmente o TJ/SP, algumas câmaras têm interpretado a regra prevista no art. 23-B da lei de improbidade de forma equivocada, ao se aplicar o entendimento de que a isenção no adiantamento de custas só serviria para os autores da demanda.
A título de exemplo, a 10ª câmara de Direito Público do TJ/SP entendeu que a previsão do art. 23-B caput só se aplica aos autores, justificando que o STF, no julgamento da ADI 7.043 manteve a ação civil de improbidade dentro da categoria de ações civis públicas ao fazer menção expressa ao inciso III e aos § 1º do art. 129 da Constituição Federal:
(...) por estar dentro do microssistema coletivo, lembrada ainda a natureza dos diretos tutelados pela LIA de combate à corrupção/de defesa dos interesses da coletividade quanto à probidade administrativa, e com vistas a buscar a máxima efetividade da tutela do patrimônio público, é que se deve compreender que apenas os autores, e não os réus, devem ser beneficiados com a previsão contida no art. 23-B, caput, da LIA (autos 1000480-50.2015.8.26.0352).
O entendimento do TJ/SP não merece guarida. Vejamos:
Do comando expresso previsto no art. 23-b e § 1º, da lei 8.429/92
Nos termos do art. 23-B da LIA, em todas as ações e acordos regidos pela lei, não haverá adiantamento de custas, preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas, não se fazendo separação ou opção legislativa para que a isenção inicial se referia a uma ou outra parte do polo da ação.
É o que diz o dispositivo do art. 23-B da lei 8.429/92:
Art. 23-B. Nas ações e nos acordos regidos por esta lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas.
Veja-se, a norma é clara ao dizer que nos acordos e ações, regulamentados pela lei 8.492/92, sem fazer qualquer distinção sobre propositura ou defesa, sobre polo ativo ou passivo. A aplicação, a ambas as partes, fica ainda mais nítida quando se faz a leitura do § 1º, o qual diz:
§ 1º No caso de procedência da ação, as custas e as demais despesas processuais serão pagas ao final.
Ora, a ação se a ação é procedente, pelo texto legal do parágrafo 1º, o requerido, que fez uso da prerrogativa do caput do art. 23-B e por isso não adiantou qualquer custa, preparo ou emolumento, passa a ser obrigado, ao final, e se condenado, a pagar os valores das despesas processuais que antes não foram pagas.
Isso só explica o óbvio, o § 1º quer dizer é que, as partes são isentas, inclusive o requerido, mas, quando a ação lhe é desfavorável, ou seja, é julgada procedente, a isenção termina e, assim, passa (o requerido) a ter que pagar o valor que antes não lhe fora exigido.
A hermenêutica que se deve fazer do art. 23 caput deve considerar a sistemática do direito administrativo sancionador e, mais do que nunca, a própria análise completa da lei 8.429/92, a entender o motivo do § 1º dizer que o requerido tem que pagar, ao final, as custas, quando perder a demanda. Se ele tem de pagar, quando perder a demanda, isso só ocorre pelo fato de antes não ter sido exigido o pagamento, dada a isenção no adiantamento, conforme regra do art. 23-B.
Da interpretação do art. 23-b e § 1º conforme os ditames do direito administrativo sancionador
A interpretação do art. 23-B e seu parágrafo 1º não pode deixar de considerar a sistemática do direito sancionador, no qual se insere o direito administrativo sancionador. Pela envergadura que tem uma ação de improbidade administrativa, pela interferência do Estado na vida dos demandados, a lei 14.230/21 inseriu uma regra, no art. 23-B, que dá uma espécie de folego àquele que tem contra si apontado um ato de improbidade.
O folego, vale dizer, a isenção de preparo, emolumentos e demais despesas processuais vai ao encontro do princípio da presunção de inocência no âmbito administrativo, permitindo, todavia, que o imputado pague ao final, se de fato julga-se que cometeu algum ato de improbidade.
É necessário, então, entender que a isenção do pagamento de despesas processuais não tem razão somente ao Ministério Público, mas também para todo aquele que tem contra si distribuída uma ação de improbidade administrativa
Da inaplicabilidade da lei de ação civil pública à lei de improbidade administrativa
Não se sustenta, também, o argumento que se vale da previsão contida na LACP - Lei da Ação Civil Pública, para justificar que somente os autores da LACP são isentos de custas e despesas processuais.
Isto porque, a lei 14.230/21 registrou em mais uma passagem (veja-se § 16, do art. 16, § 17, do art. 16 e Art. 17-D), que a LIA é uma coisa e a LACP é outra, separando o regramento de cada qual, determinando que o juiz converta a ação de improbidade em ação civil pública, quando entender existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes do polo passivo da ação de improbidade.
A LACP e a LIA, após a lei 14.230/21, foram separadas e cada qual adotou uma sistemática diferente, daí porque não se pode utilizar a LACP para tentar justificar uma restrição não incluída no art. 23-A da LIA quando os diplomas legais dizem respeito a sistemática totalmente diversas.
Assim, mais uma vez, a melhor compreensão é aquela na qual não se exige, para requerente e requerido, o adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas.