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Em briga de marido e mulher não se mete a colher ou seria mais uma mentira?

O ditado popular "em briga de marido e mulher não se mete a colher", a responsabilidade de todos na segurança pública e a obrigação de intervir em casos de violência doméstica.

1/4/2024

Durante anos algumas inverdades passaram a ser clichês, uma delas é "em briga de marido e mulher não se mete a colher", será?

Bem, em se tratando do Poder Público na verdade ocorre o contrário, pois se nesse caso de "briga de marido e mulher" se a mulher sofrer o crime de lesão corporal ou o crime de violência psicológica, o marido necessariamente responderá criminalmente, pois ambos crimes são de ação penal pública incondicionada a representação, não cabendo ao agente público "escolher" se deverá ou não tomar as providências cabíveis para que o agressor responda na esfera penal.

Mas e os vizinhos, não devem meter a colher?

Vamos ler o que diz o caput do artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil, a carta magna da nação:

"A segurança pública, dever do Estado, direito E RESPONSABILIDADE DE TODOS"

Ficou claro que todos os cidadãos possuem responsabilidade quando se trata de segurança pública, ou seja, mais uma vez deve-se sim meter a colher, mas e se um vizinho presenciar uma "briga de casal" - outro clichê - e nada fizer mesmo percebendo que a mulher foi ferida? Tal vizinho poderá responder pelo crime de omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal:

"Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou À PESSOA inválida ou FERIDA, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; OU NÃO PEDIR, NESSES CASOS, O SOCORRO DA AUTORIDADE PÚBLICA:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte."

Não restam dúvidas de que o vizinho deverá sim "meter a colher" ligando para 190. 

É importante informar ainda que no estado do Rio de Janeiro há uma lei que determina que os trabalhadores de um condomínio avisem a polícia em casos de violência doméstica, Lei nº. 9.014, de 18 de setembro de 2020:

“DISPÕE SOBRE A COMUNICAÇÃO DE OCORRÊNCIAS OU DE INDÍCIOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NAS DEPENDÊNCIAS DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS, NA FORMA QUE MENCIONA.

GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º As ocorrências ou indícios de ocorrência de casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou pessoas idosas, constatados em unidades condominiais ou demais dependências de condomínios residenciais, serão comunicados aos síndicos ou outros administradores condominiais devidamente constituídos, que acionarão imediatamente a autoridade policial ou o órgão de segurança especializado.

Parágrafo único. No caso de ocorrência ou indícios de ocorrência de violência contra crianças e/ou adolescentes, a comunicação de que trata o caput deste artigo deverá ser encaminhada ao respectivo Conselho Tutelar, com vistas à proteção das eventuais vítimas, sem prejuízo das demais autoridades.

Art. 2º A comunicação à autoridade condominial deverá ser feita por telefone ou pessoalmente, nos casos de ocorrência em andamento, e por escrito, nas demais hipóteses, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a ciência do fato, contendo informações que possam contribuir para a identificação da possível vítima e de seu agressor.

Art. 3º Fica autorizada a criação de meios de comunicação interna pelos condomínios, com vistas ao recebimento de denúncias sobre violência doméstica ocorrida nas dependências de suas unidades ou de suas áreas coletivas, garantido, quando necessário ou solicitado, o anonimato do condômino que fizer a notificação do fato à autoridade condominial.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, em 18 de setembro de 2020.”

A mentira de que em briga de marido e mulher não se mete a colher não se adequa a realidade social em que vivemos, não só por uma questão legal, mas principalmente pelo fato de ser totalmente imoral qualquer violência as mulheres.

Wagner Luís da Fonseca e Silva
Bacharel em Direito, aprovado no XXIII exame de habilitação da OAB. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Gênero e Direito pela EMERJ.

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