É muito comum que mulheres ao serem vítimas de violência doméstica, em especial dos crimes de feminicídio tentado, cárcere privado, lesão corporal, crimes contra a dignidade sexual e crime de violência psicológica passem a ter extremo pavor dos acusados, não conseguindo nem mesmo ouvir o nome dos agressores. Muitas mulheres, ou por medo ou por vergonha, precisam ser motivadas por parentes ou amigos para que o acusado possa responder criminalmente, o que já é para elas um grande obstáculo, entretanto um obstáculo ainda maior virá naturalmente: estar frente a frente com o acusado na sala de audiência.
Diante desse novo contato, muitas mulheres, ao serem citadas a comparecerem na audiência, deixam de se fazerem presentes, o que beneficia o acusado, que ao não ser condenado passa a possuir a sensação de impunidade e volta a cometer crimes contra a mulher, mas então, o que fazer?
O Código de Processo Penal prevê que, em casos nos quais a vítima sente-se humilhada, com medo ou, de qualquer forma, constrangida, poderá então o juiz fazer a inquirição do réu por videoconferência. Caso não haja meios para a inquirição por videoconferência, o réu será somente retirado da sala de audiência, permanecendo o advogado ou defensor público de tal acusado.
Código de Processo Penal
Art. 217. “Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.”
É interessante que o juiz não agirá necessariamente por provocação, podendo ser por ofício, entretanto caso a mulher possua provas de que não há condições de estar na sala de audiência com o acusado, como um laudo de um psiquiatra ou um relatório de um psicólogo, poderá o advogado ou defensor público de tal mulher peticionar antes mesmo de a audiência começar, solicitando a não presença física do acusado. Poderá ainda ser feito o pedido mesmo que não haja qualquer prova e no momento da audiência, já que não há qualquer entrave jurídico a tal pedido.
Mas o fato de o acusado não se fazer presente na sala de audiência não seria uma violação ao princípio do contraditório e, consequentemente, à ampla defesa, princípios protegidos pela Carta Magna da Nação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988? O direito ao contraditório e a ampla defesa está previsto no art. 5º, LV da CF/88, sendo inclusive cláusula pétrea, como uma lei poderia impedir o acusado de estar presente na sala de audiência então?
Na verdade, os direitos fundamentais do acusado não estão sendo cerceados, “transformando-se a audiência em um tribunal de exceção”, pois o acusado é representado pelo advogado ou defensor público, conforme a parte final do art. 217 do CPP. A não presença de um advogado ou defensor público, sim, feriria direitos fundamentais, sendo inclusive a presença do advogado indispensável diante do artigo 133 da Constituição Federal.
Não vivemos mais em uma época na qual as mulheres eram vítimas dos mais diversos tipos de violência e tratava-se tal situação como algo “comum”, hoje é inadmissível que em qualquer local uma mulher seja intimidada, muito menos em um fórum. Como disse o grande Ruy Barbosa, “a força do direito deve superar o direito da força.”