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Não-binários nas eleições: onde se encaixa quem não se enquadra?

As questões de gênero ainda exigirão da sociedade e das instituições um processo relativamente longo de letramento de gênero para que possamos reconhecer a multiplicidade de formas de ser do sujeito no mundo.

10/2/2024

Segundo o Art. 10, § 3°, "o número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo".   

Mas o que de fato isso significa?

O entendimento atual decorre da provocação feita pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN), Consulta 0604054-58/17, ela fez cinco perguntas naquele momento:

  1. Se a expressão “cada sexo” do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições se refere aos sexos biológicos ou aos gêneros;
  2. Se a determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo” se refere ao nome civil ou ao nome social;
  3. Se as urnas eletrônicas podem mostrar os nomes civis dos candidatos;
  4. Se a expressão “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade” se aplica à identidade de gênero;
  5. E se os nomes sociais, mesmo os equiparados aos apelidos de que trata o artigo 12 da Lei das Eleições, podem ser usados nas candidaturas majoritárias e proporcionais, ou se apenas às proporcionais.

No voto do Relator Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, respondeu às perguntas da seguinte forma:

  1. “A expressão ‘cada sexo’ mencionada no artigo 10, parágrafo 3º, da lei 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina. Para tanto, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo artigo 91, caput, da Lei das Eleições, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos na Resolução TSE 21.538/03 e demais normas de regência”;
  2. “A expressão contida no artigo 12, caput, da lei 9.504/97, de que o candidato deve ‘indicar seu nome completo’ no pedido de registro candidatura, refere-se ao nome civil, constante do cadastro eleitoral, por ser imprescindível ao exame das negativas exigidas no pedido de registro de candidatura, o qual deverá ser restrito ao âmbito interno da Justiça Eleitoral, enquanto o nome social deverá ser utilizado nas divulgações públicas”;
  3. “É possível o uso exclusivo do nome social nas urnas eletrônicas, observados os parâmetros do artigo 12 da lei 9.504/97, que permite o registro do ‘prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se  estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente’”;
  4. “A expressão ‘não estabeleça dúvida quanto à sua identidade’, prevista no caput do artigo 12 da lei 9.504/97, refere-se à identificação do(a) candidato(a) conforme seja conhecido(a), inclusive quanto à identidade de gênero”;
  5. “O nome social poderá ser utilizado tanto nas candidaturas proporcionais como nas majoritárias, haja vista que o artigo 11 da lei 9.504/97, ao estabelecer o rol de dados e documentos que devem instruir o pedido de registro, não faz nenhuma distinção nesse sentido”.

Os não -binários nas eleições 

Apesar da decisão ser muito avançada para os padrões de uma sociedade conservadora e patriarcal, ela ainda não deu conta de um fenômeno antigo, mas que tem o debate renovado: o não-binário. 

No aspecto biológico, pode ser que algumas pessoas por condição de formação embrionária tenha os dois sexos  de nascimento, o que, em geral, a medicina e a decisão dos pais podem determinar a definição que terão prioridade. Nesse caso, cirurgias de conformação (com formação de genitalia masculina ou feminina) e hormônios são usados no indivíduo ainda criança. De certa forma, não sei até o vai o poder familiar nesse processo, mas o pais tem o poder de determinar o sexo biológico dos filhos.

Noutros casos, os sujeitos preferem não informar qual gênero se identificam por nao se indeficarem com nenhum dos dois grupos. (Lembremos que os transgêneros se identificam com o gênero que é o biológico). Nesse caso, são os não-binarios, os intersexos e os agêneros a que me refiro. Para esse grupo, não considero que a resposta da consulta seja satisfatória. 

Eles não se classificam em nenhum grupo: masculino ou feminino. O sistema eleitoral ainda é pautado pelo binarismo, o que não me parece o melhor caminho. Não sabemos qual a resposta que o TSE daria para aqueles não-binários que pretendão ser candidatos e se haveria a preservação da obrigatoriedade de que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFEC  fosse aplicado também para esse grupo. 

Letramento de gênero 

As questões de gênero ainda exigirão da sociedade e das instituições um processo relativamente longo de letramento de gênero para que possamos reconhecer a multiplicidade de formas de ser do sujeito no mundo. 

Porém, para fins legais e eleitorais  considero que a legislação exige a diversidade de gênero na proporção de 70 a 30% mínimos, e que os não binários se encontram representados, inclusive para fins de financiamento de campanha.  É importante ainda ressaltar que esses candidatos devem ser contemplados na divisão de recursos e no tempo de rádio e TV, na proporção de sua representação. 

Rosa Maria Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, professora universitária, Servidora pública, Escritório Rosa Freitas Advocacia em Direito público, palestrante e autora do livro Direito Eleitoral para Vereador.

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