Com a publicação da lei 14.811/24, o Código Penal incluiu os delitos de bullying e cyberbullying. A lei também transformou crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em hediondos, como a indução à automutilação e o sequestro. Neste contexto, as instituições de ensino de todo o país ganharam um aliado efetivo no combate a essas práticas que afetam, além de estudantes, também professores e outros profissionais do ensino.
A Lei é um importante passo para resolver e acompanhar as alterações e problemáticas sociais, que humilham, ameaçam e ofendem de forma contínua. Isso porque, o bullying - prática corriqueira - principalmente em ambientes escolares - é um problema crônico que afeta grande parte da população. O termo tem origem na língua inglesa1 , também foi adotado no Brasil, e define o ato de dominar pessoas de maneira vexatória, frequente e habitual.
Em que pese se tratar de um problema social antigo e de amplo conhecimento por parte das instituições educacionais e, muitas vezes, até dos próprios pais e responsáveis, a solução para extinguir (ou, ao menos, reduzir) tal prática e seus problemas decorrentes parece ser um objetivo de difícil alcance.
Do ponto de vista legal, inicialmente a conduta foi abordada pela lei Federal 13.185/15 que referiu-se ao bullying como "intimidação sistemática", estabelecendo definições sobre o conceito e classificações de intimidação sistemática/bullying (art. 1º, §1º, art. 2º, incisos I a VIII e art. 3º) e definindo parâmetros importantes visando o combate a tal prática.
Com o advento da legislação, foi instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, que fixou diretrizes para o Poder Público, por meio do Ministério da Educação, secretarias estaduais e municipais de educação, bem como de outros órgãos e também aos entes privados, como estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações recreativas. O Programa estabelece uma série de objetivos (art. 4º) que devem ser observados, tais como implementar e disseminar campanhas de conscientização, instituir práticas de conduta e orientação de familiares, dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores, dentre outros.
Contudo, é inegável que as alterações trazidas pela lei 14.811/24 demonstram a preocupação do Estado em punir mais severamente condutas como a intimidação sistemática virtual (cyberbullying) e o próprio bullying - aplacando o sentimento e sensação de impunidade presentes anteriormente na sociedade.
Apesar de estabelecer diretrizes e programas importantes, as providências de cunho socioeducativo previstas na Lei nº 13.185/15, infelizmente, não foram suficientes para tratar do assunto de maneira eficiente, se fazendo necessária uma ação repressiva por parte do Estado com o advento das novas alterações trazidas pela Lei nº 14.811/2024.
Contudo, em que pese a importância da Lei nº 13.185/15, pouca efetividade se viu no combate à prática do bullying no Brasil em quase dez anos, desde sua promulgação. Em uma pesquisa realizada pelo Senado Federal, 6,7 milhões de estudantes alegaram ter sofrido algum tipo de violência na escola em um período de 12 meses, entre 2022 e 2023[2]. Ainda de acordo com o mesmo levantamento, 52% dos entrevistados com faixa etária entre 16 e 29 anos disseram que já sofreram bullying no ambiente escolar, enquanto o número de pessoas com 60 anos ou mais cai para 19%.
De acordo com as alterações legislativas implementadas pela lei Federal 14.811/24, a prática da intimidação sistemática (bullying) passou a ser enquadrada como crime, previsto no art. 146-A do Código Penal. Segundo o texto legal, intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais, pode ser punido com multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Outra atualização importante foi a inclusão do parágrafo único no mesmo art. 146-A, o qual prevê, além da multa, pena de reclusão de dois a quatro anos caso o crime seja praticado por meio da internet, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real (cyberbullying).
Ainda em relação ao bullying e cyberbullying, a nova Lei também reforçou diretrizes anteriormente elencadas na lei 13.185/15, reiterando o dever de observância por parte do Poder Público, mais especificamente do Poder Executivo municipal e do Distrito Federal, em cooperação federativa com os Estados e a União, com a participação da comunidade escolar.
Importante destacar que, o bullying, na maioria das vezes, ocorre justamente em ambiente escolar. Desta forma, ao incluir a conduta no Código Penal, a prática se equipara a uma infração penal quando o autor for menor de idade. Logo, existe a possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas para o agressor, que podem ser cursos profissionalizantes, admoestação verbal, internação, entre outras.
Neste ponto impende esclarecer que, como na maioria dos casos os autores e vítimas do bullying ou cyberbullying são crianças e adolescentes, eles podem acabar sendo estigmatizados em razão de sanções judiciais, de modo que as penas podem não trazer o resultado esperado pela própria Lei.
Assim, é importante destacar que, para além das alterações que criminalizaram os dois delitos, é importante observar - em paralelo -, a necessária implementação de políticas públicas capazes de estabelecer proteção às crianças e adolescentes. É necessário promover a construção educacional e cultural para combater o bullying ou cyberbullying.
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1 https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/07/04/pesquisa-do-datasenado-revela-que-quase-8-milhoes-de-estudantes-sofreram-violencia-na-escola#:~:text=Pessoas%20de%2016%20a%2029,mais%2C%20cai%20para%2019%25.
2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Bullying