Diante da importância do assunto referente ao controle de constitucionalidade e sua relação com a valorização dos precedentes no Brasil, faz-se necessária uma análise especifica sobre a inter-relação entre os institutos e a decorrente objetivação de decisões concretas. Nessa linha, observa-se um sistema dicotômico, sendo o controle difuso, como regra, incidental e o concentrado, principal. Todavia, a problemática processual surgiu quando o controle concentrado foi aceito na forma incidental ou prejudicial com efeitos erga omnes, vinculantes e ex-tunc. Destarte, 'pôde-se notar uma tendência a ampliação dos efeitos da decisão e uma espécie de tentativa de equivalência dos controles difuso e concentrado. Nessa toada, para alguns juristas, pode parecer inconstitucional e anulável tal medida, para outros deveria haver uma modulação de efeitos vinculantes para se evitar insegurança jurídica.
Nessa linha de discussão, é importante mencionar que os ideais inovadores do Novo Código de Processo Civil - NCPC de 2015, nos artigos 525, 535, e 988, supervalorizaram os precedentes, descrevendo-os como uma espécie de jurisprudência estável, íntegra e coerente. Por conseguinte, a vinculação abrange as decisões em Incidentes de resoluções de demandas repetitivas - IRDR, Incidentes de assunção de competência - IAC, Recursos extraordinários - RExt e Recursos especiais - RES em matéria constitucional, enunciados de súmulas do STF e do STJ e os julgados do pleno e do órgão especial. Entretanto, o primeiro entrave a ser exposto é sobre o caráter infraconstitucional da expansividade das decisões em casos concretos, uma vez que a Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) determina apenas dois casos de vinculação: Súmulas vinculantes - SV e decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Ou seja, o NCPC teria o condão de trazer novos casos de decisões vinculadas, ultrapassando a competência federal? Explicando melhor, a hipótese em destaque seria de interpretação mais específica em detrimento da geral constitucional?
Outrossim, uma outra sujeição surgiu com os efeitos cascata da vinculação de precedentes no Brasil, pois observou-se o aumento das Reclamações constitucionais para tentar barrar decisões anacrônicas em IRDR, IAC, REXT E RE. Nesse prisma, a priori, a Reclamação surgiu para preservar a competência do tribunal em temas de repercussão geral, com esgotamento das instâncias ordinárias. Portanto, para alguns doutrinadores como Pedro Lenza, o NCPC, nos artigos supracitados, ostenta certa inconstitucionalidade e deveriam ser revistos pelo STF, evitando-se, nesse caso, um excesso de Reclamações.
Finalmente, chega-se ao cerne da discussão deste texto: os efeitos gerados pelas decisões em controle abstrato de caráter incidental de abrangência erga omnes, vinculante e ex-tunc. Para exemplificar tal tratativa, faz-se mister descrever a ADI 4.029, referente a Medida provisória MP 336/07, que estipulava a criação da autarquia Instituto Chico Mendes da conservação da biodiversidade. Nesse viés, destacou-se que havia um vício formal na aprovação unipessoal, uma vez que era necessário um parecer da comissão mista, de acordo com o artigo nº 62 da CRFB/88. Nesse diapasão, quando da declaração de inconstitucionalidade, percebeu-se que havia muitas decisões semelhantes em matéria de MP que deveriam ter o mesmo efeito conglobante. Destarte, houve a necessidade e se estabelecer os efeitos erga omnes, vinculantes e ex-tunc do controle abstrato para a tratativa supracitada.
Nessa linha de discussão, a objetivação das decisões em controle difuso, denominada por muitos juristas de abstrativização do controle de constitucionalidade incidental, ainda gera muita discussão entre os ministros do STF. De acordo com o ministro do STF Dias Toffoli, “A distinção entre o controle difuso e o concentrado é irrelevante, independendo da resolução do Senado Federal. A distinção restritiva entre precedentes em controle incidental e concentrado não é compatível com a intenção do legislador. Ou seja, deve-se valorizar os precedentes entre os órgãos do judiciário”. Nessa toada, pode-se inferir que os efeitos descritos acima são decorrentes da própria decisão judicial, para se evitar quaisquer arbitrariedades e ações discricionárias oriundas de outros poderes. Conquanto, nem mesmo a CRFB/88 se refere ao que acontece se o STF negar os efeitos extensivos do controle concentrado a uma decisão incidental em controle difuso de necessidade protetiva geral, deixando uma lacuna de resoluções para o Senado Federal.
Para contrapor tal discussão, o ex-ministro do STF Marco Aurelio descreve que “O afastamento da decisão do Senado federal do artigo nº 52 da CRFB/88, em controle de constitucionalidade, vai contra a harmonia dos poderes, sendo um provimento de cunho constitutivo e não declaratório”. Além disso, segundo ele, “o Senado Federal não é um verdadeiro diário oficial que simplesmente deve publicar decisões”. Consequentemente, diante do exposto, ainda não há um consenso de aplicabilidade taxativa dos efeitos e da vinculação de decisões em controle de constitucionalidade difuso. Entretanto, em relação ao alargamento da utilização de precedentes, muitos juristas acreditam que houve efetividade e aumento da celeridade processual com a sua utilização. Ou seja, gradativamente, o common law e o civil law tem encontrado uma espécie de compatibilidade para se adaptar às demandas vanguardistas da sociedade.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado federal: Centro Gráfico, 1988.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 13 ed. rev. atual. Ampl, São Paulo: Saraiva, 2009.
MELLO, Marco Aurélio. Coletânea temática de jurisprudência – Ed. 2018
Novo Código de Processo Civil - Lei Nº 13.105/2015 Conteúdo Jurídico, Brasília-DF:
TOFFOLI, José et al. Controle Concentrado de Constitucionalidade no STF – Ed. 2023.Editora sobredireito. 2023
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/22085456).