A virada do ano de 2023 para 2024 marcou o fim das atividades como fonte de direito da Lei de Licitações que vigorava desde 1993.
Em três décadas de vigência, acompanhamos o nascimento de uma diversidade de legislações regulamentadoras nos âmbitos estaduais e municipais, além de normativos específicos para Administração Pública Indireta, todas tendo como esqueleto a lei nacional e geral de licitações, a apelidada 8666.
Nesse período, como cidadãos, fomos impactados com investigações - e seus desdobramentos - de atividades criminosas de lesão ao erário como fraudes à licitação, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, que nos rendeu uma crise multisetorial, financeira, política e reputacional.
Com a nova Lei de Licitações (14.133/21), em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024, os Programas de Integridade ganham maior destaque.
Para contratar obras, serviços ou fornecimento de materiais de grande vulto, o Licitante vencedor precisará evidenciar a implementação de um Programa de Integridade em até 6 meses da celebração do contrato.
A iniciativa é louvável. E as discussões se iniciam no pertinente questionamento sobre o que está caraterizado como “grande vulto”. Na dinâmica da legislação revogada, em grande vulto estão incluídos contratos de valor superior a R$200.000.000,00. E, seguindo-se nos questionamentos, vamos a consideração de que o teto de R$200 milhões possivelmente não é factível como critério para diversos pequenos municípios do Brasil. De pouco mais 5.500 municípios brasileiros, somente 41 superam 500 mil habitantes - o que já demonstra a potencialidade da contratação pública em uma licitação que supere R$200 milhões de reais (Dados IBGE 2023).
Se não aterrarmos a proporcionalidade desse teto limitador da exigência do Programa de Integridade à realidade dos municípios, corremos o risco de essa feliz exigência se tornar dispensável, uma mera liberalidade do Poder Público contratante.
Daí seguimos direto para um outro questionamento sobre o outro lado do balcão: quais ferramentas, preparo e pessoal serão destinados ao Ente Público para suportar a eficiente análise da completude do Programa de Integridade apresentado?
Não temos indicadores oficiais, mas tenho enorme curiosidade de saber quantos órgãos da administração direta e indireta em todas as suas instâncias implementaram e mantém um Programa de Integridade. Só mais uma pitada do tamanho do desafio, que devemos enfrentar.
E aumentando o protagonismo do Programa de Integridade, a nova lei de licitações prevê que a evidência de sua implementação passa a ser critério de desempate entre propostas.
Na mesma linha, a implementação forçada do Programa de Integridade pelo Órgão Público ao particular ou, até mesmo a exigência do aperfeiçoamento desse Programa, está listada como hipótese de sanção a infrações contra a administração pública.
Desde 2022, com o novo decreto Regulamentador (11.129) da Lei Anticorrupção (lei 12.846/13), Programas de Integridades já haviam ganhado um lugar de maior exposição no palco do Organizações, notadamente aquelas que têm o Poder Público como stakeholder.
Nesse normativo, mais voltado ao combate da corrupção, a evidência de implementação de um Programa de Integridade é critério redutor de eventual multa por infração, em um redutor maior se comprovada a anterioridade do Programa.
É hora de discutir as opacidades da legislação, mas com otimismo de que a adoção de novas boas práticas de compliance tanto por órgãos públicos quanto por organizações privadas é caminho de aumento de valor objetivo e subjetivo dos negócios brasileiros.