Nessa semana aconteceu mais um capítulo da batalha judicial em relação aos cursos de Medicina no país, discussão judicial que está ancorada na Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC 81, no STF, cuja relatoria é do Ministro Gilmar Mendes. Em agosto desse ano, o Ministro Gilmar acatou o pedido formulado em sede de Medida Cautelar, reconhecendo a constitucionalidade das autorizações de cursos exclusivamente em função da lei 12.871/13, que institui o Programa Mais Médicos, e afastando outras regras de autorização. No entanto, ao conceder a medida, o Ministro Gilmar resguardou os novos cursos já autorizados por portaria do Ministério da Educação e que foram originados de decisões judiciais que afastaram a aplicação exclusiva da lei do Mais Médicos.
Da mesma forma, em sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes resguardou a tramitação dos processos administrativos pendentes, que foram instaurados por força de decisão judicial, desde que ultrapassem a fase inicial de análise documental no MEC e que cumprissem aos critérios previsos na lei do Mais Médicos. O processo teve o julgamento iniciado em 25 de agosto e encontra-se suspenso em virtude pedido de vistas do Ministro André Mendonça.
No dia 4 de outubro, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior - SERES, do MEC, publicou o Edital de Chamamento Público 1/23, que objetiva a seleção de propostas apresentadas por instituições de ensino para autorização de funcionamento de cursos de Medicina. O edital pré-selecionou 116 regiões de saúde para a destinação das vagas dos cursos de Medicina.
Justificando o cumprimento da Medida Cautelar concedida na ADC 81, a SERES publicou, no dia 23 de outubro, a Portaria 397/23, que cria um padrão decisório para o processamento de pedidos de autorização de novos cursos de Medicina, instaurados por força de decisão judicial. Em meio a vários regramentos para decisão, a SERES estabeleceu uma regra que indefere sumariamente os pedidos administrativos, instaurados por força de decisão judicial, que tenham sido solicitados em regiões diversas daquelas previstas no novo Edital. A partir da publicação da portaria, a SERES determinou que o INEP cancelasse todas as avaliações que seriam realizadas, inclusive aquelas que já estavam previstas para iniciar no dia seguinte à publicação da portaria, justificando que essas avaliações não estariam contempladas no novo Edital.
Algumas entidades representativas de instituições de ensino reportaram esse fato ao ministro Gilmar, pedindo providências para que a sua Cautelar fosse respeitada. Segundo o que alegam, a decisão do Ministro está sendo descumprida pela SERES, eis que a decisão do Ministro determina a tramitação dos processos administrativos que tivessem ultrapassado a fase de análise documental inicial e que as instâncias técnicas decisórias observassem se o Município e o novo curso de Medicina, objeto da das ações judiciais, atenderiam aos critérios previstos na Lei do Mais Médicos. A decisão do Ministro, segundo as instituições, não estabelecia a necessidade de que os municípios estivessem pré-selecionado por um edital, pois sequer existia Edital publicado na data do ajuizamento dos processos e nem da concessão da Medida Cautelar.
Longe de concesso em relação a esse novo capítulo, parece haver certa lógica na argumentação das instituições de ensino, conforme petição encaminhada ao Ministro Gilmar, pois a decisão do Ministro parece ser clara no sentido de garantir a tramitação dos processos administrativos e que o MEC verificasse se o município e o novo curso de medicina atenderiam a alguns critérios previstos na Lei do Mais Médicos. Na época da concessão da Medida Cautelar realmente não existia Edital e, muito menos, a pré-seleção de municípios. Nesse sentido, antes de fazer o edital e até mesmo de pré-selecionar as cidades, o MEC já sabia quais eram as localidades para as quais havia decisão judicial, o que, dentro do seu entender, lhe daria um cheque em branco para encerrar todos os processos administrativos em trâmite.
Na prática, ao publicar a Portaria 397/23, o MEC cria um mecanismo que esvazia o julgamento da ADC 81, pois, ao estabelecer a pré-seleção de municípios após a concessão da Medida Cautelar como critério decisório, o MEC teria a faculdade de encerrar todos os processos administrativos, inclusive aqueles que já passaram por avaliações, sem a necessidade de que o STF conclua o julgamento da ADC, o que parecia não ser a intenção da decisão do Ministro Gilmar. Ao fazer esse procedimento, regulamentando uma decisão do STF, esta Secretaria do MEC instituiu o curioso fenômeno da chuva que vai de baixo para cima, em alusão ao ato normativo que suplantaria a decisão de uma suprema corte. É mais um capítulo que, dependendo de seus desdobramentos, pode implicar no encerramento da novela.