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O STF e a “Pejotização”: Decisões recentes da Suprema Corte sinalizam mudanças no modelo clássico de vínculo empregatício

Ainda que não tenha havido uma decisão do Plenário da Suprema Corte sobre o tema, as várias decisões recentes, de ambas as Turmas do Tribunal, representam uma quebra de paradigma em face do modelo tradicional de vínculo empregatício construído ao longo dos anos pela doutrina e justiça laborais.

27/10/2023

A contratação de profissionais liberais por intermédio da criação de pessoa jurídica, fenômeno conhecido como “pejotização”, vem, há muito, sendo objeto de estudo por parte da doutrina trabalhista. A noção de que a questão já se encontrava pacificada, a partir do entendimento majoritário da Justiça do Trabalho, no sentido de que a contratação nesse formato seria fraudulenta, enfrenta alterações na posição recente do STF, que, com esteio nos princípios da livre iniciativa e da autonomia das vontades, vem reformando decisões dos TRTs que reconhecem a natureza empregatícia desse tipo de relação.

“Pejotização”, termo que carrega certa conotação de fraude, usualmente corresponde a uma forma de assunção de mão-de-obra por meio da contratação de pessoa jurídica em substituição ao contrato de trabalho. A Justiça do Trabalho firmou entendimento no sentido de que, se estiverem presentes, na relação entre prestador e tomador de serviços, os elementos da onerosidade, habitualidade, pessoalidade, subordinação e assunção dos riscos da atividade exclusivamente pelo contratante (arts. 2º e 3º da CLT), pouco importa a roupagem dada pelas partes, tratando-se de um verdadeiro vínculo empregatício.

Ainda no esteio da jurisprudência trabalhista pacífica, é irrelevante se o profissional anuiu com tal forma de contratação, uma vez que a sua manifestação de vontade não possuiria força vinculativa quando entrasse em rota de colisão com a legislação protetiva trabalhista, a qual possui força cogente, sob pena de negar a própria essência do Direito do Trabalho, que tem como princípios basilares os da proteção e da indisponibilidade. Todavia, o referido paradigma começou a se modificar quando, ao julgar o Recurso Extraordinário 958252, o STF definiu como tese de repercussão geral (tema 725) que “(...) é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Apesar de a discussão, naquela ação, cingir-se à constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, alguns Ministros do Supremo, de ambas as Turmas, vêm utilizando a tese em questão para validar a contratação de trabalhador por intermédio de pessoa jurídica individual por ele criada apenas para tal fim (“pejotização”), mesmo que o Tribunal Regional do Trabalho prolator da decisão tenha consignado que estariam presentes os requisitos previstos no art. 3º da CLT para a configuração do contrato de emprego, e não meramente de trabalho.

O fundamento presente nessas decisões é o de que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (art. 7º da Constituição), sendo conferida liberdade aos agentes econômicos para eleger suas estratégias empresariais dentro dos postulados da livre iniciativa. Os acórdãos cassados pelo Supremo trataram do reconhecimento de vínculo empregatício de pessoas ditas hipersuficientes, ou seja, trabalhadores portadores de diploma de ensino superior e de renda elevada, tendo a Suprema Corte entendido que seriam indivíduos capazes de fazer uma escolha esclarecida acerca das suas contratações.

Para definir o que é uma pessoa hipersuficiente, aplica-se o art. 507-A da CLT, que atribui tal condição àqueles que, além do diploma superior, perceberem remuneração equivalente a duas vezes o teto da previdência social (R$ 15.014,98 em 2023). É possível citar, a título de exemplo, as Reclamações Constitucionais - RCL 59836, 39.351 e 47.843, nas quais a Primeira Turma do STF decidiu que “(...) no que diz respeito à controvérsia acerca da licitude da “terceirização” da atividade-fim através de contratos de prestação de serviços profissionais por meio de pessoas jurídicas ou sob a forma autônoma, a chamada “pejotização”, essa Corte já se manifestou no sentido de inexistir qualquer irregularidade na referida contratação, concluindo, assim, pela licitude da “terceirização” por “pejotização”.

Ao votar na RCL 47.843, o ministro Luís Roberto Barroso também defendeu que a opção pela “pejotização” é uma forma válida de os empregados buscarem uma tributação mais benéfica.

Conclusivamente, ainda que não tenha havido uma decisão do Plenário da Suprema Corte sobre o tema, as várias decisões recentes, de ambas as Turmas do Tribunal, representam uma quebra de paradigma em face do modelo tradicional de vínculo empregatício construído ao longo dos anos pela doutrina e justiça laborais. Em decorrência da força hierárquica de que gozam as decisões proferidas pelo STF, a “pejotização” passa a ser um modelo menos inseguro de contratação, desde que seguidos os parâmetros delineados, mormente que o profissional contratado seja portador de diploma superior e possua padrão remuneratório elevado, o que o credencia a fazer uma escolha esclarecida acerca do seu modelo de vinculação.

Moisés Campelo
Membro do Serur Advogados.

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