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Base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal do imóvel para fins de IPTU

Ainda em vigor a alteração e o alargamento da base de cálculo do ITCMD pelo decreto estadual 55.002/09, o Fisco estadual vem procedendo inúmeras investidas no sentido de autuar os contribuintes que se utilizam da base de cálculo do IPTU para fins de ITCMD.

27/10/2023

Sabe-se que é da competência dos Estados a instituição do imposto sobre a transmissão de bens por sucessão hereditária (causa mortis) – ITCM – e por doação – ITCD – de bens imóveis, exatamente como dispõe o artigo 155 da Constituição Federal.

O Governo do Estado de São Paulo, agindo como determina a Constituição, instituiu o ITCMD e definiu a sua base de cálculo no artigo 13, inciso I, da lei Estadual 10.705/00, considerando que, no caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior ao fixado para o lançamento do IPTU para imóvel urbano ou direito a ele relativo; ao valor total do imóvel declarado pelo contribuinte para efeito de lançamento do ITR para imóvel rural ou direito a ele relativo.

O Código Tributário Nacional - CTN, por sua vez, no artigo 38 estabelece que a base de cálculo para fins de ITCMD é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Portanto, pela leitura combinada do art. 38 do CTN e do art. 13, inciso I, da lei Estadual 10.705/00, tem-se que a base de cálculo do imposto deve ser o valor de mercado do bem, nunca inferior ao valor mencionado no IPTU.

Assim, no que concerne à base de cálculo do ITCMD, a lei instituiu como sendo o valor venal do bem ou direito transmitido, o valor de mercado do bem ou direito na data da transferência ou da abertura da sucessão (artigo 9°, caput, e § 1º). Na prática, o que buscou a Fazenda Estadual, foi adotar o valor venal do IPTU para o cálculo do ITCMD como regra e, eventualmente, utilizar valor de mercado superior, naqueles casos em que é procedida a avaliação administrativa do imóvel, ou até mesmo judicial, por ocasião do inventário de bens.

Entretanto, com a entrada em vigor do decreto Estadual 55.002/09, a base de cálculo do ITCMD passou a ser definida como o valor venal de referência do imposto sobre transmissão de bens imóveis - ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso “I”. Ficou ressalvada a possibilidade de instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo pela Autoridade Fiscal, se for o caso de dúvida ou entendimento diverso entre Fisco e contribuinte. Nestes termos, o Decreto incorreu em inúmeros vícios de constitucionalidade, uma vez que procedeu verdadeira alteração da base de cálculo do tributo por meio de Decreto, em flagrante violação ao Princípio da Legalidade e da Anterioridade (art. 150, incisos I, e III, alínea "b", da CF), bem como o artigo 97, inciso II, § 1º, do CTN.

Do ponto de vista prático, verifica-se que a apuração do valor de referência do ITBI no município de SP tem se mostrado em descompasso com o ordenamento constitucional e legal vigente, apresentando valores venais muito superiores àqueles encontrados para o cálculo do valor venal do IPTU, resultando na majoração do valor final do tributo suportado pelo contribuinte.

A despeito de o valor venal do imóvel ser a base de cálculo de ambos os tributos, curiosamente a Fazenda Municipal utiliza-se de formas distintas para apurar as bases de cálculo de dois tributos de sua competência, a saber, o IPTU e o ITBI, e que são idênticas.

No IPTU, cumprindo os comandos da lei Municipal 10.235/86, verifica-se que a Municipalidade edita a lei que estabelece a Planta Genérica de Valores da cidade, utilizada como base de cálculo do imposto referido, e que longe de conter o valor preciso de cada imóvel da cidade, traz comandos genéricos que se aplicam a todos eles. Tais normativas permitem a apuração individual do valor de cada um deles, por meio da fixação de coeficientes que guardam relação com as características do imóvel, além de considerar fatores outros, como o preço das transações e ofertas de mercado, as características da região em que situado o imóvel, locações, dentre outros.

Neste quadro ademais, a apuração do valor venal para fins de IPTU privilegia e adota procedimento administrativo para a apuração do real valor venal do imóvel, prestigiando o devido processo legal, inclusive com publicação das PGVs para conhecimento e eventual impugnação dos contribuintes.

Já no ITBI, a Fazenda Municipal não adota os mesmos métodos democráticos estabelecidos pela lei 10.235/86, que ela própria editou para fins de IPTU. Para a incidência do ITBI e definição do valor de referência da base de cálculo deste tributo, a municipalidade editou o decreto 46.228/05, e posteriormente a lei Municipal 14.256/06, alterando as disposições da lei 11.154/91, e definindo a base de cálculo no artigo 7º, da lei 11.154/91, como sendo o valor da negociação à vista, em condições normais de mercado.

Para tanto, artigo 8º, § 1º, do decreto 46.228/05, determina a atualização periódica deste valor venal mediante pesquisa e coleta permanente, por amostragem, dos preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário, o que infirma concretamente que haja mera recomposição do valor nominal da base de cálculo do tributo em face da desvalorização da moeda. Já o procedimento estabelecido no 7ºA da lei 11.154/91 requer da Secretaria Municipal de Finanças que apenas torne públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município.

Assim, com tal artigo 7º, da lei 11.154/91 vigente para fins de ITBI, a Municipalidade determinou a avaliação específica de cada imóvel, de forma individualizada, com base exclusiva nas negociações do mercado imobiliário local, critério este que, como já exposto, é apenas um dos itens considerados para a fixação do valor venal do IPTU.

Contudo, para piorar a situação, a Municipalidade não permite ao contribuinte a possibilidade de oferecer impugnação adequada, na medida em que não há parâmetros transparentes para demonstrar a forma de apuração do valor. E, ademais, majora o valor de ITBI a pagar com base na atualização oriunda das pesquisas de mercado procedida pelo Conselho de Valores Imobiliários do Município, fundamentando-se essa majoração no artigo 8º, § 1º, do Decreto 46.228/05, o que fere os princípios da legalidade e anterioridade tributária e evidentemente segurança jurídica dos contribuintes.

Afora isso, o ITBI não incide sobre o "preço da venda", mas sobre um "preço de mercado", este último conceito distinto do primeiro em razão de inúmeras variáveis, tornando vago e impreciso o valor que vem sendo considerado pela Municipalidade para fins de ITBI e, ademais, para fins de ITCMD face às implicações da base de cálculo do ITBI na base de cálculo do ITCMD.

Assim, diante deste contexto e do ponto de vista normativo, o decreto Estadual 55.002/09, ao estabelecer que a base de cálculo para o ITCMD será o valor venal de referência do ITBI na forma e procedimento acima expostos, acabou por alterar a previsto na lei 10.705/00, ferindo o princípio da reserva legal constante no CTN e a regra de competência tributária na Constituição Federal. Procedeu à alteração da base de cálculo do ITCMD previsto na lei Estadual 10.705/00, substituindo o valor venal do IPTU como regra, e como piso mínimo, pelo valor venal de referência do ITBI, violando num só tempo os Princípios da Legalidade, da Anterioridade, da competência tributária e segurança jurídica.

Igualmente há inúmeros vícios constitucionais no procedimento de apuração da base de cálculo do ITBI – referência para a base de cálculo do ITCMD – uma vez que a Fazenda Municipal apura o valor de referência do ITBI, casuisticamente, em valor fixo e individual para cada imóvel, e ainda, possibilitando a sua majoração periódica independentemente da edição de lei, em idêntica violação aos princípios constitucionais tributários já mencionados.

Neste cenário, conclui-se que a autoridade coatora não pode exigir o recolhimento do ITCMD sobre a base de cálculo do valor venal de referência do ITBI, uma vez que, em assim procedendo, está em idêntica violação constitucional, restando inconstitucional todo o lançamento de ITCMD, realizado sob as mesmas bases do ITBI porque fere frontalmente mandamentos constitucional e legal, assim como potencialmente tributa sobre riqueza inexistente.

Todavia, ainda em vigor a alteração e o alargamento da base de cálculo do ITCMD pelo decreto Estadual 55.002/09, o Fisco estadual vem procedendo inúmeras investidas no sentido de autuar os contribuintes que se utilizam da base de cálculo do IPTU para fins de ITCMD. Diante destes cenários, a reação foi acionar o judiciário no sentido de buscar ali tutelar preventiva ou repressivamente o direito, garantindo que a inteligência dos Arts. 9º, § 1º, e 13, I, da lei 10.705/00 seja preservada, viabilizando por decisão judicial a possibilidade de se usar o valor venal do imóvel para fins de IPTU na definição da base de cálculo do ITCMD.

O judiciário por seu turno tem correspondido a esta demanda. São os exemplos:

REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – AÇÃO EM QUE OS IMPETRANTES VISAM O AFASTAMENTO DA EXIGIBILIDADE DO RECOLHIMENTO DO ITCMD NOS TERMOS DO DECRETO ESTADUAL 55.002/09 – SENTENÇA QUE CONCEDEU A SEGURANÇA – A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DEVE SER O VALOR VENAL DO IMÓVEL PARA FINS DE IPTU – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 9º, § 1º, E 13, I, DA LEI 10.705/00 – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE SP ROVIDO. (TJSP; REMESSA NECESSÁRIA CÍVE L 1003440-46.2020.8.26.0079; RE LATOR (A): EDUARDO GOUVÊA; ÓRGÃO JULGADOR: 7ª CÂMARA DE DIRE ITO PÚBL ICO; FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBL ICA/ACIDENT E S - 14ª VARA DE FAZENDA PÚBL ICA; DATA DO JULGAMENTO: 25/2/21; DATA DE REGI S TRO: 25/2/21)

MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOS TO SOBRE TRANSMI S SÃO CAUSA MORT I S E DOAÇÃO DE QUAI SQUER BENS OU DIRE ITOS - ITCMD. BAS E DE CÁLCULO QUE DEVE CORRESPONDER AO VALOR VENAL PARA FINS DE COBRANÇA DO IPTU. INTELIGÊNCIA DO ART. 38 DO CTN E ARTS . 9º E 13 DA LEI 10.705/00. IMPOSSIBILIDADE DE S E MAJORAR TRIBUTO POR MEIO DA ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO PROMOVIDA PELO DECRETO 55.002/09. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE O FI SCO, POR ME IO DE PROCEDIMENTO ADMINI S TRAT IVO E RE SPE ITANDO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DE FE SA, APURAR O CORRE TO VALOR, CASO NÃO CONCORDE COM O VALOR DECLARADO OU ATRIBUÍDO AO BEM. PRECEDENT E S. SENTENÇA MANT IDA. REME S SA NECESSÁRIA CONHECIDA E NÃO PROVIDA, COM OBSE RVAÇÃO. (TJSP; REME S SA NECE S SÁRIA CÍVE L 1038182-78.2020.8.26.0053; RE LATOR (A): VE RA ANGRI SANI; ÓRGÃO JULGADOR: 2ª CÂMARA DE DIRE ITO PÚBL ICO; FORO CENT RAL – FAZENDA PÚBL ICA/ACIDENT E S - 15ª VARA DA FAZENDA PÚBL ICA; DATA DO JULGAMENTO: 24/2/21; DATA DE REGI S TRO: 24/2/21)

MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS URBANOS POR SUCESSÃO HEREDITÁRIA. PRETENSÃO A QUE SE RECONHEÇA A REGULARIDADE DO CÁLCULO DO ITCMD EFETUADO COM BAS E NO VALOR VENAL ADOTADO PARA LANÇAMENTO DO IPTU. EXIGÊNCIA FISCAL BASEADA NO DECRETO ESTADUAL 55.002/09. INADMISSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DA BASE TRIBUTÁVEL QUE EQUIVALE À MAJORAÇÃO DO TRIBUTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. TESE QUE ESTÁ EM CONSONÂNCIA COM PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO OFICIAL NÃO PROVIDO. (TJ/SP; REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 1005260-55.2020.8.26.0482; RELATOR (A): ANTONIO CARLOS VILLEN; ÓRGÃO JULGADOR: 10ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO; FORO DE PRESIDENTE PRUDENTE - VARA DA FAZENDA PÚBLICA; DATA DO JULGAMENTO: 17/12/20; DATA DE REGISTRO: 17/12/20)

Assim, afim de combater a alteração e alargamento de referida base de cálculo pelo decreto Estadual 55.002/09, recomendamos que se verifique se o ITCMD foi recolhido sobre valor venal de referência do ITBI (não sobre o valor venal lançado pelo IPTU, exatamente como está expresso no texto do artigo 13, inciso I, da lei Estadual 10.705/00) e, em caso positivo, entre em contato com profissionais tributaristas qualificados afim de que seja avaliada a possibilidade e viabilidade de se recuperar os valores eventualmente recolhidos a maior ou impedir que haja a obrigação de aplicar base de cálculo maior que a devida, consignando nos autos o valor controvertido até final solução da controvérsia.

Florence Cronemberger Haret Drago
Pós-doutora pela USP. Sócia fiscal do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

Beatriz Correia Santana Almeida
Advogada do escritório Nogueira, Haret, Melo e Maroli Advogados (NHM Advogados).

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