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Defensoria Pública e a proteção às crianças e aos adolescentes

A Defensoria Pública, vê-se, tem desempenhado papel fundamental para a promoção de direitos das crianças e dos adolescentes e na construção de horizontes para implementação de um Estatuto que, efetivamente, garanta a infância – e o sonho - a todos os meninos e todas as meninas do Brasil.

26/10/2023

Fruto de grande mobilização social e considerado uma das legislações mais avançadas do mundo no que concerne aos Direitos Humanos, e uma das primeiras a trazer, para uma lei específica, os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou, em julho, 33 anos. 

Não há dúvidas dos avanços conquistados, mas não se pode olvidar de que ainda temos muito a caminhar para garantir os direitos das infâncias e adolescências em nosso país. Pesquisa lançada no mês de fevereiro, pelo UNICEF, aponta que, pelo menos, 32 milhões de meninas e meninos vivem na pobreza no Brasil1. São crianças e adolescentes sem acesso a uma renda mínima, vivendo em moradias precárias, sem alimentação adequada, explorados pelo trabalho infantil. 

No que diz respeito à educação, entre 2019 e 2022, também segundo dados do UNICEF, “a proporção de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler e escrever dobrou, passando de 20% para 40%”2. Chamam à atenção, ainda, as taxas relativas ao abandono escolar: no ano de 2022, 6,5% dos estudantes do ensino médio na rede pública deixaram a escola3. Adolescentes e jovens que, por fatores como necessidade de trabalhar, gravidez, ausência de vagas nas localidades em que vivem, dentre outros, acabam não concluindo essa etapa do ensino.  

Além de não garantir acesso a direitos, falha-se na proteção das meninas e dos meninos em relação à violência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, diferentes formas de violência contra quem possui entre 0 e 17 anos de idade cresceram no ano de 2022, a exemplo dos estupros, maus-tratos, abandono de incapaz e lesão corporal4.     

As mortes violentas intencionais, por sua vez, embora tenham apresentado queda em relação a 2021, chegaram a quase 2489 em 2022, sendo 361 mortes decorrentes de intervenção policial. Os dados do Anuário apontam, ainda, que 8 em cada 10 mortes violentas de adolescentes vitimam negros no Brasil, demonstrando a questão racial como parte da problemática que envolve a violência. Os meninos que driblaram “a morte que se morre” “de fome um pouco por dia”, estão tendo suas vidas interrompidas, inclusive pela mão do Estado, “antes dos vinte” anos de idade, no país que traz em sua Constituição a “prioridade absoluta” para as infâncias.  

Tal contexto evidencia a necessidade, urgente, de maior investimento em ações em âmbitos municipal, estadual e federal para garantir que toda e cada criança e adolescente tenha acesso pleno a seus direitos fundamentais, conforme previstos no art. 227, da Carta Magna, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente em seu art. 4º. É preciso, também, o fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos, como instituído na Resolução 113/2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, para que possa defender e controlar a efetivação desses direitos. 

A Defensoria Pública, seguindo seu múnus constitucional de promover e proteger Direitos Humanos, integra o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, atuando judicial e extrajudicialmente, de modo individual e coletivo, nos planos nacional e internacional, na defesa dos interesses das infâncias e das adolescências do país, em todas as suas diversidades e pluralidades, como disposto no art. 134, da Constituição da República de 1988, e no art. 4º, da lei Complementar 80/94. 

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, aliás, determina, no art. 141, que “é garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública”.  E o acesso à Defensoria Pública e à Justiça só pode ser garantido se a criança e o adolescente, sujeitos de direitos que são, tiverem seus olhares e suas vontades efetivamente considerados por aqueles responsáveis por decidir os assuntos a eles relacionados, como previsto, de modo inovador, na Convenção sobre Direitos da Criança, de 1989, em seu artigo 12. Afinal, “de que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem?”5

É dever e compromisso das Defensoras e dos Defensores Públicos cuidar para que as vozes de todas as crianças e de todos os adolescentes sejam ouvidas e, repita-se, consideradas, na promoção e defesa de seus direitos; nas formulações de políticas públicas, nas discussões das temáticas e nas demandas judiciais e extrajudiciais que envolvam seus interesses.  É papel das Defensorias Públicas atuar para que não falte a infância a nenhum menino e nenhuma menina do Brasil e engajar-se para que o sonho não lhes seja em “conta medida”. 

Nesse sentido é que as Defensorias integram conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes e de Direitos Humanos, comitês que tratam das primeiras infâncias, comitês de prevenção e combate à tortura, comitês de proteção de crianças vítimas de violência; é porta de entrada de programas de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte. Realizam e participam de audiências públicas, reuniões e discussões com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, sociedade civil; fazem requisições, expedem recomendações, além, como já se disse, do ingresso com ações individuais e coletivas das mais diversas, a exemplo de segurança alimentar, matrículas em creches e escolas, atendimento à saúde e fornecimento de medicamentos.  

É no cumprimento de suas atribuições constitucionais que a Defensoria Pública realiza o acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de acolhimento familiar ou institucional, proporcionando a reintegração de crianças e adolescentes às famílias naturais, quando assim se mostra possível e adequado; atua, e deve atuar, no atendimento integral às crianças e aos adolescentes vítimas de violência. A respeito dessa atividade, aponte-se, decidiu, recentemente, a Sexta Turma do STJ, reiterando, a relatora, Ministra Laurita Vaz, em seu voto, entendimento de que o papel da Defensoria não se restringe à defesa dos hipossuficientes econômicos e que os “necessitados” não são apenas os economicamente vulneráveis, mas também os “social e juridicamente vulneráveis”6.    

Não se restringe aos hipossuficientes econômicos e não se limita a manifestações em processos judiciais. Nem poderia. Tal como o artista, Defensoras e Defensores têm “de ir aonde o povo está”. E assim tem sido nos bairros vulnerabilizados, nas comunidades remanescentes de quilombos, ribeirinhas e indígenas7, nas unidades socioeducativas. 

A presença da Defensoria Pública nas unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação e semiliberdade, para escuta dos meninos e das meninas, inspeções, diálogos com trabalhadores da socioeducação,  e a articulação com organizações da sociedade civil, destaque-se, foram essenciais para o Habeas Corpus 143.988/ES, “um dos julgados mais importantes sobre direitos de crianças e adolescentes nas últimas décadas”8, em que, dentre outros pontos, o STF determinou “que as unidades de execução de medida socioeducativa de internação de adolescentes não ultrapassem a capacidade projetada de internação prevista para cada unidade”9, reconhecendo os direitos fundamentais dos adolescentes e jovens privados de liberdade – brasileiros e brasileiras de tudo negligenciados, e reafirmando o caráter pedagógico das medidas socioeducativas.  

A Defensoria Pública, vê-se, tem desempenhado papel fundamental para a promoção de direitos das crianças e dos adolescentes e na construção de horizontes para implementação de um Estatuto que, efetivamente, garanta a infância – e o sonho - a todos os meninos e todas as meninas do Brasil.

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1 Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/ha-32-milhoes-de-criancas-eadolescentes-na-pobreza-no-brasil-alerta-unicef - acesso em 09/10/23

2 Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/pobreza-multidimensional-nainfancia-diminui-mas-analfabetismo-aumenta-no-brasil - acesso em 14/10/23

3 Disponível em: https://dash-service.azurewebsites.net/?prj=brazil&page=childeducation&lang=pt#participation – acesso em 14/10/23

4 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/08/anuario-2023-texto-09-oaumento-da-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-no-brasil-em-2022.pdf - acesso em 15/10/23

5 COUTO, M. O Fio das Missangas. São Paulo: Cia das Letras, 2009. p. 131 8 COUTO, M. Op.Cit.. p. 112

6 Para maiores informações, vale consultar STJ, RMS 70679/MG, Sexta Turma, Min Laurita Vaz, Julg. 26/9/23

Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/27320-Primeiro-Defensoria-em-Acao-na-Aldeiaacontece-na-Mata-Verde-Bonita - acesso em 19/10/23

Disponível em: https://alana.org.br/superlotacao-socioeducativo/ - acesso em 19/10/23

Disponível em:  https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753732203 – acesso em 19/10/23

Camila Dória Ferreira
Formada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduada em Direito pela Unisul. Defensora Pública do Estado do Espírito Santo desde 2013; integrante do Núcleo Especializado da Infância e Juventude desde 2015. Coordenadora da Comissão da Infância e Juventude da ANADEP. Membra da Comissão de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente do CONDEGE.

Adriana Peres Marques dos Santos
Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Defensora Pública do Estado do Espírito Santo desde 2014; Coordenadora da Infância e Juventude desde 2020. Membra da Comissão de Infância e Juventude da ANADEP. Membra da Comissão de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente do CONDEGE.

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