Em julgamento concluído em 22/9/23, em Plenário Virtual, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, sendo acolhido o voto do Relator, Min. Dias Toffoli, fixou a seguinte tese no Tema 598 da repercussão geral:
“O deferimento de sequestro de rendas públicas para pagamento de precatório deve se restringir às hipóteses enumeradas taxativamente na Constituição Federal de 1988”
O tema dos precatórios é bastante complexo e de grande interesse da advocacia previdenciária, de sorte que teceremos algumas considerações a respeito dessa nova tese jurídica fixada.
O tema 598 se originou de um recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra decisão em que o TST - Tribunal Superior do Trabalho decidiu pela possibilidade de sequestro de verbas públicas para pagamento de crédito a portador de moléstia grave sem observância das regras dos precatórios.
O recurso foi estruturado a partir da argumentação de violação ao art. 100, § 2º, da Constituição Federal, pois a decisão impugnada estaria a violar a ordem cronológica de apresentação dos precatórios estabelecida naquele dispositivo constitucional, apesar da inegável relevância da necessidade de preservação da vida e da dignidade da pessoa humana, no caso concreto.
O primeiro tópico a ser destacado em relação ao Tema 598 do STF reside em registrar o fenômeno conhecido como objetivação do recurso extraordinário, onde o STF parte de um caso concreto e acaba fixando uma tese jurídica geral, situação que sempre merece alguma atenção:
“Segundo MANCUSO (2010, p. 441), o processo de objetivação dos recursos excepcionais é aquele em que sua carga eficacial é expandida para além do âmbito restrito das partes, inclusive com abstração dos aspectos fáticos e concretos da lide base.” (SERAU JR., Marco Aurélio; REIS, Silas Mendes. Manual dos Recursos Extraordinário e Especial, S. Paulo: Método, 2012, p. 146)
Em relação propriamente ao Tema 598, deve-se consignar que promove uma tese jurídica acertada em relação ao regime de taxatividade que caracteriza as possibilidades de sequestro de verba pública.
Como se sabe, todo o campo do Direito Público, e em particular o regime jurídico dos precatórios, são pautados pelo princípio da estrita legalidade, face suas importantes consequências para o modo de funcionamento da Administração Pública.
Desde a redação original do art. 100, § 2, da Constituição Federal, previa-se a possibilidade de sequestro de verbas públicas para fins de pagamento de precatórios, quando descumprida a ordem cronológica.
Atualmente, tal previsão foi deslocada para o § 6º do mesmo artigo 100, conforme redação dada pela Emenda Constitucional 62/09:
“§ 6º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.”
Deve-se ressaltar que a ordem cronológica, cuja quebra permite o sequestro de verbas públicas, foi modificada pela Emenda Constitucional 62/2009, e o tema é bem delineado no voto proferido pelo Relator no Tema 598:
Diante do exposto, no que se refere ao Tema 598 nº da Repercussão Geral, objeto do RE 840.435, é imperioso que, no caso de precatórios, o sequestro de verbas públicas, após o advento da EC nº 62/09 , seja deferido apenas quando não verificada a alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito ou demonstrada a quebra da ordem de preferência de pagamento , examinada a partir das seguintes balizas:
- ordem cronológica de pagamentos de débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei (art. 100, § 2º, da Constituição Federal), até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins de requisição de pequeno valor, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório;
- ordem cronológica de pagamentos de débitos de natureza alimentícia (art. 100, § 1º);
- ordem cronológica de pagamento de precatórios de débitos de natureza não alimentícia (art. 100, caput).
Essa ordem cronológica, por sua vez, foi levemente alterada pela Emenda Constitucional 114/21, que alterou o art. 107-A, § 8º, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
§ 8º Os pagamentos em virtude de sentença judiciária de que trata o art. 100 da Constituição Federal serão realizados na seguinte ordem:
- obrigações definidas em lei como de pequeno valor, previstas no § 3º do art. 100 da Constituição Federal;
- precatórios de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham no mínimo 60 anos de idade, ou sejam portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, até o valor equivalente ao triplo do montante fixado em lei como obrigação de pequeno valor;
- demais precatórios de natureza alimentícia até o valor equivalente ao triplo do montante fixado em lei como obrigação de pequeno valor;
- demais precatórios de natureza alimentícia além do valor previsto no inciso III deste parágrafo;
- demais precatórios.
No mais, também devem ser observadas as regras de ordem cronológica aplicáveis no âmbito das obrigações de pequeno valor, seja nos Juizados Especiais Federais, seja nos Juizados Especiais da Fazenda Pública:
Lei 10.259/01 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal):
“Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
§ 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).
§ 2º Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão”.
Lei 12.153/09 (Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios):
“Art. 13. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3º do art. 100 da Constituição Federal; ou
II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.
§ 1º Desatendida a requisição judicial, o juiz, imediatamente, determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão, dispensada a audiência da Fazenda Pública”.
O STF, apesar da sensibilidade relativa ao caso concreto, em que se debatia direito de pessoa portadora de doença grave, frisou a perspectiva de taxatividade das hipóteses de sequestro de verbas públicas para pagamento de precatórios, o que só ocorrerá tão somente quando for violada a ordem cronológica dos precatórios ou obrigações de pequeno valor, nos estritos termos do modelo constitucional delineado acima.