Migalhas de Peso

O crime de violência psicológica como remédio jurídico a impunidade do art. 181 do CP

É inadmissível, em pleno século XXI, que mulheres ainda sejam vítimas de atos imorais de seus cônjuges e tais homens não possam ser punidos por força da lei.

6/9/2023

É, infelizmente, cada vez mais comum que cônjuges por ciúmes quebrem aparelhos de telefone celular de suas esposas, pois acreditam que tais estão conversando com homens através de redes sociais ou mesmo por ligações. Outros, também movidos pelo ciúme, subtraem presentes que a esposa recebeu de um ex-namorado, mesmo que estes presentes existam a mais tempo que o atual relacionamento.

Para uma pessoa ciumenta não importa se há ou não razão, se é que existe razão para o ciúme, o que importa é seguir os próprios instintos que, muitas vezes, confundem-se com o sentimento de posse e que tudo o que puder lembrar o antigo relacionamento de sua esposa deve ser destruído ou, no mínimo, escondido.

Apesar da existência do tipo penal do furto, usurpação, dano, apropriação indébita, estelionato, entre outros previstos no Título II do código Penal, caso o acusado de cometer tais crimes seja o esposo, filho neto ou o pai da vítima, tal acusado não pode ser penalizado por força do artigo 181 do Código Penal:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:           

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Há exceções para a não punibilidade, previstas no artigo 183 do Código Penal nos casos em que haja violência – Entende-se nesse caso somente por violência física, pois dentre os tipos de violência no artigo 7º da lei Maria da Penha está a violência patrimonial – ou grave ameaça, ou mesmo se o crime é cometido contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos.

Qual a consequência disso? Como todos sabem, a doutrina entende que crime é fato típico, ilícito (Ou antijurídico) e culpável, caso o acusado seja isento de pena será considerado inimputável, logo não haverá a culpabilidade e, por isso, o crime cometido por tais agentes contidos no caput do art. 181 do Código Penal... deixam de ser crimes.

A sensação de impunidade para homens ciumentos que quebram os pertences de sus esposas só aumentará, entretanto delegados poderão sim tipificar um crime, que é o da violência psicológica, em caso de o acusado ter cometido o ato com o intuito de causar mal a saúde mental da mulher em situação de vulnerabilidade (Pois sim, o crime de violência psicológica só pode ser cometido na forma dolosa, pela ausência da forma culposa no tipo penal).

Mas o que diz o ainda recente crime de violência psicológica?

Art. 147-B.  Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.

Todo esposo que quebra propositalmente os bens de seu cônjuge mulher, movido tal esposo pelo ciúme, tem a intenção de causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento, logo o crime de violência psicológica está caracterizado, mesmo que o acusado não possa responder pelos crimes de furto, usurpação, dano, apropriação indébita, estelionato, entre outros do Título II do Código Penal, responderá tal acusado pelo crime de violência psicológica.

Daí vem a pergunta: não seria analogia em “malam partem” o “direito penal do inimigo”?

Não há analogia, mas sim a aplicabilidade do tipo penal específico, já que o animus do agente não é o de somente danificar ou subtrair o bem da esposa, mas sim o fato gerador é o de causar dano a saúde mental da mulher, pois como fora dito, o acusado foi movido pelo ciúme.

É inadmissível, em pleno século XXI, que mulheres ainda sejam vítimas de atos imorais de seus cônjuges e tais homens não possam ser punidos por força da lei. Os fatos sociais mudam não só as leis, mas as doutrinas e as jurisprudências, e já passou da hora de termos uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres, uma sociedade sem violência.

Wagner Luís da Fonseca e Silva
Bacharel em Direito, aprovado no XXIII exame de habilitação da OAB. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Gênero e Direito pela EMERJ. Policial Militar.

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