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Formas de captação de investimento: Alternativas ao aporte de capital próprio

Conhecer e utilizar das possíveis formas de captação de investimentos é de suma importância à saúde do negócio.

25/7/2023

Poucos são os empresários que dominam as diversas formas de captação de investimentos, que hoje o mercado apresenta e que podem ser utilizadas como alternativas ao aporte de recursos próprios. Não se questiona que, a depender das circunstâncias, o aporte de recursos próprios se mostra a melhor alternativa, mas nem sempre o empresário possui tais recursos para investir no seu negócio.

Aumento de Capital Social

O investimento através de capital próprio, conhecido como equity, pode ser realizado como aumento de capital social, uma das formas mais comuns, em que o(s) sócio(s) que irá(ão) aportar os valores terá(ão) sua(s) participação(ões) aumentada(s), enquanto os demais sócios, desde que não exerçam seu direito de preferência no aumento de capital, ficarão com suas participações diluídas, de forma proporcional. Este aporte pode ocorrer em moeda corrente (entrega de dinheiro em espécie), por meio da capitalização dos lucros ou, ainda, através de bens ou direitos suscetíveis de avalição em dinheiro (transferência da titularidade de bens imóveis, por exemplo). Nestes casos, o empresário deve se atentar à tributação de possível ganho de capital, quando há diferença entre o valor declarado em seu imposto de renda e o valor indicado quando do aumento de capital social.

Capitalização dos Lucros

Quando capitalizados os lucros1, em que pese os sócios terem auferido um aumento patrimonial correspondente ao aumento do valor das ações/quotas bonificadas, esse aumento de capital não é tributado no imposto de renda.

Bonificação de Quotas/Ações

O aporte para aumento de capital social, em quaisquer das suas modalidades, pode ter apenas uma parte dos valores convertida em efetivo aumento de capital social, com a criação de novas ações/quotas, enquanto a outra fica reservada como ágio2 – o que nada mais é que a emissão de ações/quotas por um valor maior do que o valor nominal a elas atribuído (aquele previsto no Contrato Social).

Essa estratégia é possível em qualquer operação que prescinda o aumento de capital, mas que por algum motivo os demais sócios, apesar de não participarem do aumento, não acordarem em ter diluída sua participação. Nestes cenários, a diferença entre o valor total de emissão e o valor nominal das quotas/ações, é considerada como ágio, o qual, no caso de emissão de ações, ou seja, para as S/A’s, essa estratégia se torna ainda mais atrativa para este tipo societário, dado que não há incidência de tributos, contudo, nas LTDA’s, há controvérsias quanto à referida isenção tributária3, o que pode tornar essa estratégia não tão atrativa, mas ainda sim perfeitamente válida.

Mútuos Conversíveis

Outra forma, também comum, de equity são os mútuos, conversíveis ou não, que são as operações de empréstimos, em que certos valores são emprestados e posteriormente devolvidos, acrescidos de correção monetária e juros. Já os mútuos conversíveis são os empréstimos que permitem que, uma vez inadimplida a obrigação, os valores emprestados podem ser convertidos em aumento de capital social por aquele que os emprestou.

Quando realizados pelo(s) próprio(s) sócio(s), os mútuos devem sempre prever o retorno dos valores acrescidos de correção monetária e juros, para que a operação não seja confundida com um simples aporte para aumento de capital social ou, em casos mais extremos, com operações simuladas para disfarçar confusão patrimonial entre o patrimônio particular do sócio e o patrimônio da sociedade.

Os mútuos são, também, uma estratégia de captação de investimento de terceiros. O mutuante não, necessariamente, precisa ser sócio da sociedade (mutuária) e é comum que operações de investimentos de terceiros sejam formalizadas desta forma. Se conversíveis, quando inadimplida a obrigação de pagamento pela sociedade, o mutuante executa o contrato e ingressa no quadro societário.

Nestas operações, seja ser celebrado o contrato de mútuo com um sócio ou com terceiro, é crucial que se preveja o gatilho para execução da conversão dos valores emprestados em participação societária, bem como de qual modo isso será feito, com a indicação da forma de avaliação e eventual limite de participação que o mutuante poderá atingir.

Outro ponto de atenção se refere ao aspecto tributário destas operações, especialmente quanto à incidência ou não de IOF sobre essas operações, que dependerá de determinadas circunstâncias e, portanto, deve ser analisada caso a caso4, bem como quanto à incidência de tributos referentes aos rendimentos (juros) tidos pelo mutuante em razão do empréstimo realizado5.

Apesar de a conversão em participação ser uma segurança de retorno ao investidor e de fácil execução, uma vez ingressado no quadro societário, o mutuante passa a partilhar, também, os riscos do negócio. Não só dessa, mas de qualquer operação de investimento que implique, também, no ingresso no quadro societário fará com que o investidor assuma todos os direitos e deveres inerentes à qualidade de sócio e, em razão do compartilhamento dos resultados, poderá fazer com que os valores inicialmente investidos não sejam convertidos em renda ou até mesmo que o investidor, agora sócio, tenha que arcar com prejuízos.

Sociedade em Conta de Participação

Uma forma de investir e não ingressar no quadro societário da empresa em que se pretende é através da constituição de uma sociedade em conta de participação6, que será utilizada como uma espécie de ponte para o destino final dos valores. Neste tipo societário, tem-se a figura do sócio ostensivo, aquele que efetivamente administra a sociedade e os seus valores, e o sócio participante, que tem como obrigação apenas o aporte do valor combinado, que fica isento de quaisquer responsabilidades, inclusive da própria sociedade, as quais devem ser assumidas única e exclusivamente pelo sócio ostensivo. Além da separação das obrigações, esta operação é atrativa, pois os resultados da sociedade devem ser necessariamente repartidos entre os sócios, ostensivo e participante.

Em que pese ser utilizada, na maior parte das vezes, para operações de investimento com capital de terceiros, ela também pode ser utilizada para operações de equity, tendo em vista que os valores aportados pelo sócio participante não ficam sujeitos a juros, que decorreriam naturalmente de operações de empréstimos.

Opção de Compra

Outra alternativa é a opção de compra, operação em que se paga certo valor para, futuramente, cumpridos certos requisitos, aumentar a participação já tida ou ingressar no quadro societário. Quando do exercício da opção de compra, pagará o comprador, ainda, o valor correspondente à participação adquirida. O que se paga antecipadamente é para ter o direito de, no futuro, ter a opção de compra.

Sob a ótica tributária, a captação de investimento através de opção de compra será tributada quando do pagamento inicial, uma vez que os valores ingressam na sociedade como recebível e não como empréstimo, bem como quando do exercício, pois a diferença entre o valor inicialmente pago e o valor pago para efetiva aquisição da participação é considerado como ágio.

Equity Crowdfunding

Ainda, mais recentemente, a captação de investimentos através de plataformas online vitalizou, o chamado equity crowdfunding. Apesar do nome, esta forma de investimento visa a captação de recursos de terceiros e não dos próprios sócios. É uma operação realizada, como dito, por meio de uma plataforma online (sob a égide da instrução normativa da CVM 588/2017), na qual a sociedade oferece certa participação de seu capital em troca de investimentos.

A operação é similar à conhecida vaquinha online, mas com algumas diferenças, como o destino dos recursos, e a regulamentação, considerando que a vaquinha online não possui regulamentação própria, enquanto o equity crowdfunding é regulado pela CVM.

Para que uma sociedade capte investimentos através equity crowdfunding, deve preencher alguns requisitos, tais como: (i) a sociedade deve ser empresária7; (ii) ter receita bruta anual de até R$ 10.000.000,00; (iii) não estar listada como emissora de valores mobiliários; (iv) o investimento deve ser limitado a R$ 5.000.000,00; (v) a campanha de captação não pode durar mais de 180 (cento e oitenta) dias.

M&A, IPO e Franquias

Além de todas as formas de captação de investimentos acima listadas, outras formas, não convencionais, também são eficazes para o fomento do negócio. As operações de compra e venda de sociedades (M&A), abertura de capital na Bolsa de Valores, para o caso das sociedades anônimas, e a expansão da atividade através de franquias também se mostram estratégias eficientes, apesar de não usuais, para captação de investimentos.

Conhecer e utilizar das possíveis formas de captação de investimentos é de suma importância à saúde do negócio. Isso porque se mostram ótimas estratégias para afastar o endividamento precoce da sociedade e mitigar o bootstraping8, bem como para crescimento do negócio, através da captação de smart money9.

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1 A capitalização de juros consiste na reinversão dos lucros de uma empresa em sua própria operação, em vez de distribuí-los aos acionistas na forma de dividendos, aumentando o capital social e, consequentemente, o valor das quotas/ações.

2 As reservas de capital são constituídas de valores recebidos pela companhia e que não transitam pelo resultado como receitas, por se referirem a valores destinados a reforço de seu capital, sem terem como contrapartidas qualquer esforço da empresa em termos de entrega de bens ou de prestação de serviços. Constam como tais reservas o ágio na emissão de ações, a alienação de partes beneficiárias e de bônus de subscrição. Essas são transações de capital com os sócios. GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Manual de Contabilidade Societária. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 383-384.

3 Para saber mais, leia: ConJur - Carf analisa a tributação do ágio na emissão de ações e quotas

4 Incide IOF nas operações: realizadas por instituições financeiras ou factoring’s; entre pessoa física e pessoa jurídica ou entre pessoas jurídicas; que tenham movimentações de câmbio; que impliquem em transações de seguro feitas por seguradoras; relacionadas a valores ou títulos mobiliários; que envolvem ativo financeiro, ouro ou recurso cambial.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), por aplicação do artigo 19-E da lei 10.522/02, entendeu que o mero fluxo financeiro entre empresas do mesmo grupo econômico não corresponde a um “mútuo financeiro”, afastando a incidência de IOF/Crédito sobre a operação. No caso, a Turma entendeu que o ônus de comprovar que a natureza é de mútuo financeiro compete à fiscalização, que, para tanto, deve efetivamente auditar as operações e demonstrar que as características desse tipo de contrato estão presentes no caso concreto. Dessa forma, não basta a mera constatação de que houve fluxo financeiro entre a empresa autuada e as demais empresas do seu grupo econômico para que haja a incidência do IOF/Crédito, uma vez que tal situação ensejaria a tributação da operação por analogia, o que não é permitido em nosso ordenamento jurídico. Diante da ausência de comprovação, o CARF entendeu por cancelar a exigência de IOF/Crédito sobre as referidas operações de conta corrente. (Acórdão n. 3201-009.809)

5 Os juros sobre contratos de mútuo são tributados como aplicações financeiras de renda fixa. O tributo incidirá na data do pagamento ou crédito do rendimento, mediante retenção pelo mutuante, às alíquotas de: (i) 22,5% (vinte e dois e meio por cento) para aplicações com prazo de até 180 dias; (ii) 20% (vinte por cento) para aplicações com prazo entre 181 dias até 360 dias; (iii) 17,5% (dezessete e meio por cento) para aplicações com prazo entre 361 dias até 720 dias ou; (iv) 15% quinze por cento, para aplicações com prazo superior a 720 dias. (art. 1º da Lei nº 11.033/2004, e art. 46, incisos I a IV, c/c art. 47, inciso III, da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015)

6 Sociedade não personificada, que não possui registro em cartório ou junta comercial, mas que deve, obrigatoriamente, possuir um CNPJ (INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 2119/2022). Ressalvado, também, o fato de que o regime de tributação da sociedade em conta de participação será o mesmo da sócia ostensiva, bem como a impossibilidade da sócia ostensiva, sócia participante e a própria sociedade em conta de participação operarem pelo regime de tributação do Simples Nacional.

7 Sociedade empresária é aquela que exerce atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços, que pode operar sob a forma de sociedade em nome coletivo, sociedade limitada, sociedade em comandita simples e sociedade por ações.

8 O bootstraping consiste em iniciar um negócio somente com recursos próprios, sem investimentos de terceiros ou com pouquíssimo investimento de terceiros.

9 O smart money é o investimento que visa não só os valores que serão aportados, mas especialmente a bagagem que aquele determinado investidor pode trazer ao negócio, em razão de sua vasta e exitosa trajetória.

Leonardo Theon de Moraes
Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial e em Fusões e Aquisições pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor na graduação, MBA e Educação Executiva na FIPECAFI, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Presidente do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Sócio fundador do TM Associados.

Anna Paula Piovesan Pinheiro
Advogada, graduada em direito, com ênfase em direito civil, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2021), inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2021). Pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Autora de artigos. Membro do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Advogada do Departamento Consultivo no TM Associados.

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