Conhecido por muitos como um “manicômio fiscal”, o Brasil tem um dos sistemas tributários mais complexos e ineficientes do mundo. Desde sua criação, junto com a Constituição Federal de 1988, já tivemos mais de 300 mil novas normas tributárias implementadas e somos o campeão mundial em tempo de serviço trabalhado para pagar impostos, equivalente a 1500 horas por ano.
O desenho tributário brasileiro explica boa parte do mau desempenho produtivo do país nas últimas décadas, impactando diretamente no crescimentoeconômico. Todo esse embrolho acarreta insegurança jurídica, custos administrativos, desigualdade social, aumento nos gastos públicos, afasta investimentos, deixa um mercado de capitais mais enxuto e principalmente, cria margem para sonegação e crimes fiscais. Para se ter ideia, estudo realizado pelo INSPER mostra que o contencioso administrativo e judicial brasileiro na área tributária equivale a aproximadamente 75% do PIB1, 260x mais que a média da OCDE2 e 380x mais que a média da américa latina.
Diante desse cenário, há anos se cogita uma reforma do sistema tributário nacional, de forma que, desde a Constituição de 1988, três Propostas de Emenda à Constituição (PECs 175/95, 31/07 e 233/08) foram aprovadas em Comissão Especial, mas nenhuma sequer chegou a ser apreciada pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
Após anos de amadurecimento, em 2019, duas PECs foram apresentadas na Câmara, a PEC 45/19 e a PEC 110/19 e, desde então, um grupo de trabalho criado para tratar da reforma tributária realizou diversas audiências públicas e seminários, possibilitando a discussão da temática e a colheita de contribuições de toda a sociedade.
Durante uma audiência pública promovida pelo grupo de trabalho em 4/4/23, a Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, destacou a necessidade de aprovar uma reforma tributária e recordou que a complexidade de nosso sistema tributário acarreta sonegação de R$ 500 bilhões de por ano.
Em 6/6/23, o grupo de trabalho apresentou relatório3, tendo analisado as PECs 45/19 e 110/19, as quais em diversos pontos se assemelham, traçando diretrizes para a elaboração de um substitutivo da PEC 45/19 que será apresentado para votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
Previsto para ser votado pelo Plenário ainda no primeiro semestre, antes do recesso parlamentar, o projeto de reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos sobre consumo de bens e serviços (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um único imposto sobre bens e serviços (IBS).
Para melhor compreensão do projeto, precisamos entender que o tema tributário sempre contempla duas grandes questões: quanto cobrar e como cobrar. Para tanto, o valor referente a alíquota cobrada é uma discussão legítima envolvendo cada nação, suas características endógenas e modelos econômicos. Por outro lado, o “como” cobrar é uma questão mais complicada, de forma que temos doisgrandes tipos de tributos principais, o tributo pela renda e pelo consumo.
Ao falarmos de tributos pela renda, é quase unanimidade que quem ganha mais, paga maior alíquota, ou seja, ocorre de forma progressiva. Já o imposto pelo consumo, no caso brasileiro, é considerado bastante peculiar, divergindo dos países que fazem parte da OCDE. O modelo atual leva as empresas a escolherem tecnologias inferiores e métodos e organizações menos eficientes para obterem benefícios tributários que as “brechas” do sistema permitem, com espaço, inclusive, para cometimento de sonegação e crimes fiscais.
Portanto, o projeto do novo modelo tributário contempla um imposto geral sobre o consumo cobrado sobre o valor agregado, modelo que é adotado quase no mundo todo. O IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) é calculado com base no valor adicionado em cada etapa da cadeia de produção e distribuição, desde a matéria-prima até o produto final, sendo descontado as etapas anteriores. Ele tem a principal função de não distorção dos preços relativos de mercado, ou seja, produzir o que determinado país não faz bem, utilizar tecnologias eficientes etc. Para isso, é cobrado uma alíquota única, independente do produto ou serviço da cadeia produtiva. Esse sistema extingue, entre outros, a percepção de que a utilização de métodos menos eficientes leva a ter benefícios fiscais.
Ademais, ao substituir todos os normativos referentes aos cinco tributos até então existentes, por uma única estrutura de gestão e arrecadação, implicará em simplificação do sistema tributário nacional, sendo uma alternativa maiseconômica e eficiente, contribuindo para o combate à sonegação tributária.
Outrossim, a proposta prevê o recolhimento automático do imposto aos cofres públicos no ato do pagamento do bem ou serviço, no chamado split payment. A medida traz maior transparência ao consumidor, uma vez que saberá o exato valor do imposto em cada produto e serviço, reduzindo, por consequência, as chances de sonegação.
Isso posto, tendo em vista que o Sistema Tributário Nacional Previsto está previsto dentro da Constituição Federal, entre os artigos 145 e 162, só pode ser alterado através de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), modalidade que demanda votação em dois turnos, em cada Casa do Congresso, e aprovação por três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49). Para início da tramitação, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, pretende colocar o texto em votação no Plenário da Câmara dos Deputados ainda na primeira semana de julho.