Migalhas de Peso

O dilema do STJ na revisão das astreintes vencidas e consolidadas pelo trânsito em julgado

Toda astreinte deveria ser fixada com prazo inicial e final, momento que seria reavaliada sua manutenção (adequação e proporcionalidade).

9/5/2023

Todos nós ficamos impactados com aquelas situações absurdas em que a parte adota como objetivo da demanda não mais obter a tutela reclamada, mas sim as astreintes que se avolumam e se agigantam com o tempo. A matemática infame destas pessoas é simples: torcer para o incumprimento da decisão e assistir de camarote a multa diária imposta crescer dia após dia. Todo pensamento positivo é um só: haverá um momento em que o valor da multa passará para a estratosfera.

O resultado disso é que no final das contas haverá um abismo entre o valor amealhado com a astreinte e o valor da prestação principal descumprida; essa distância será tão grande que dificilmente será possível acreditar que aquela soma que se executa se refere a (esquecida) prestação principal descumprida. Uma megasena acumulada sem que a sorte seja o fator do prêmio. Neste momento dir-se-á, com propriedade, ser irrazoável e desproporcional o somatório das multas, ainda que seja fruto de uma recalcitrância do devedor.

Pois bem, com este discurso acima acho muito pouco crível que alguém discorde ser um “absurdo” que qualquer credor faça jus ao recebimento de astreintes estratosféricas nestas situações em que fique absolutamente revelado o descaso do credor com a (in) satisfação da obrigação principal por ele reclamada em juízo.

Tema dos mais sérios é, sem dúvida, a discussão sobre a possibilidade de ser revisto o valor consolidado das astreintes constante de título executivo judicial transitado em julgado, pois nestas hipóteses há, de um lado, (i) legitimar o vergonhoso enriquecimento sem causa e de outro (ii) permitir o problema da livre, leve e solta revisão das astreintes que fica sempre imune a qualquer regra de estabilização processual, seja ela qual for.

Nesta corda bamba está o Superior Tribunal de Justiça que sedimentou a posição de que poderá o juiz, no curso do cumprimento definitivo de sentença, de ofício ou a requerimento do executado, rever o valor da multa se entender que ela é desproporcional:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CABIMENTO. MÉRITO ANALISADO. VALOR ACUMULADO DAS ASTREINTES. REVISÃO A QUALQUER TEMPO. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU FORMAÇÃO DE COISA JULGADA. EXORBITÂNCIA CONFIGURADA. REVISÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS E PROVIDOS.

1. É dispensável a exata similitude fática entre os acórdãos paragonados, em se tratando de embargos de divergência que tragam debate acerca de interpretação de regra de direito processual, bastando o indispensável dissenso a respeito da solução da mesma questão de mérito de natureza processual controvertida.

2. O valor das astreintes, previstas no art. 461, caput e §§ 1º a 6º, do Código de Processo Civil de 1973, correspondente aos arts. 497, caput, 499, 500, 536, caput e § 1º, e 537, § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser revisto a qualquer tempo (CPC/1973, art. 461, § 6º; CPC/15, art. 537, § 1º), pois é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, e não enseja preclusão ou formação de coisa julgada.

3. Assim, sempre que o valor acumulado da multa devida à parte destinatária tornar-se irrisório ou exorbitante ou desnecessário, poderá o órgão julgador modificá-lo, até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para reduzir o valor total das astreintes, restabelecendo-o conforme fixado pelo d.Juízo singular.

(EAREsp 650.536/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 7/4/21, DJe de 3/8/21.)

A posição da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça citada acima repousa na premissa de que é possível a revisão das astreintes mesmo após o seu trânsito em julgado porque ela “não enseja preclusão ou formação de coisa julgada”. Isso tem sido reiterado com tranquilidade, como se observa no julgado mais recente:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. ASTREINTE. VALOR. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ).

2. Nos termos da Súmula 518/STJ, não cabe recurso especial fundado em alegada violação de texto de súmula.

3. É possível a revisão do valor da multa diária pelo descumprimento de decisão judicial a qualquer tempo, inclusive na fase de cumprimento de sentença, quando se mostrar irrisória ou exorbitante, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista que a decisão que comina as astreintes não faz coisa julgada material.

4. Na hipótese, é inviável a este Tribunal Superior rever o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias no tocante ao valor da multa cominatória sem a análise dos fatos e das provas dos autos, o que atrai a aplicação da Súmula 7/STJ.

5. Não é cabível a revisão das astreintes com base apenas na comparação do valor do encargo com a importância da obrigação principal.

6. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1.914.727/PE, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 5/12/22, DJe de 9/12/22.)

Assim, segundo o pretório excelso, admite-se que o órgão julgador possa revisar o valor da multa “até mesmo de ofício, adequando-o a patamar condizente com a finalidade da medida no caso concreto, ainda que sobre a quantia estabelecida já tenha havido explícita manifestação, mesmo que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença”.

O dilema mencionado no título deste singelo ensaio está no fato de que o texto do art. 537 do CPC que trata das astreintes, diz, de forma categórica:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

A priori, lendo o art. 537, §1º do CPC fica claro que, de ofício ou a requerimento, poderá o juiz excluir ou modificar o valor apenas a multa vincenda. O termo “vincenda” – o que ainda vai vencer, que está no futuro - não constou por acaso no dispositivo, já que nas diversas etapas legislativas de desenvolvimento do projeto do CPC o tema foi assim tratado:

No art. 522, §3º do PL n.º 8046:

O juiz poder, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou exclui-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Igualmente o Substitutivo da Câmara dos Deputados (nº 8.046, de 2010, na Câmara dos Deputados)

Art. 551.

(...)

1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou exclui-la sem eficácia retroativa, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento

Por se considerar que o texto acima estaria redundante – e de fato estaria - o texto consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil acabou por resgatar a redação original mantendo apenas permissão de modificação e exclusão das multas vincendas e assim retirando a expressão “sem eficácia retroativa”.

Nesta mesma linha o art. 522, §3º do projeto de lei 166/10 do Senado Federal

§ 3º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Esta opção do legislador – nas sucessivas etapas do processo legislativo – de manifestar-se no sentido de que apenas as multas vincendas poderiam ser modificadas ou excluídas se deu porque o art. 461 introduzido no CPC de 1973 pela lei 8.952 não tratava deste aspecto (§4º), nem mesmo na redação alterada pela lei 10.444/02 (§5º).

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela lei 8.952, de 13/12/94)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela lei 10.444, de 7/5/02)

Ante o lacônico silêncio do texto legal da legislação anterior, coube então à jurisprudência a tarefa de interpretar a esta questão de direito relativa à possibilidade de revisão das astreintes na fase de cumprimento definitivo da sentença.

Como pululavam casos de notório “enriquecimento sem causa” a orientação do STJ foi no sentido de que pelo fato de que a multa coercitiva tinha natureza processual (ato executivo coercitivo), provimento que poderia ser concedido até mesmo de ofício, então, ainda que tivesse transitado em julgado a decisão fixadora da multa [bem como a decisão favorável à pretensão principal do autor], ainda assim seria possível a sua revisão nas hipóteses em que ela fosse irrazoável ou desproporcional.

Segundo o STJ, antes da vigência do CPC de 2015:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - REVISÃO DE ASTREINTES - VALOR EXCESSIVO - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU OFENSA À COISA JULGADA - PRECEDENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INCONFORMISMO DO AGRAVADO.

1. É uníssona a jurisprudência desta Eg. Corte superior no sentido de que o valor da multa cominatória prevista no art. 461 do CPC, quando irrisório ou exorbitante, pode ser alterado pelo magistrado a qualquer tempo, não se revestindo da imutabilidade da coisa julgada, sendo insuscetível de preclusão, inclusive pro judicato.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EDcl no Ag n. 1.348.521/MS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe de 6/11/2015.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. REVISÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A COISA JULGADA. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. SÚMULA 410/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

1.- A jurisprudência desta Corte orienta que "o legislador concedeu ao juiz a prerrogativa de impor multa diária ao réu com vista a assegurar o adimplemento da obrigação de fazer (art. 461, caput, do CPC), bem como permitiu que o magistrado afaste ou altere, de ofício ou a requerimento da parte, o seu valor quando se tornar insuficiente ou excessiva, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não se observando a preclusão ou a coisa julgada, de modo a preservar a essência do instituto e a própria lógica da efetividade processual (art. 461, § 6º, do CPC)" (AgRg no AREsp 195.303/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 12/6/13).

2.- A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.349.790 / RJ, da Relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, confirmou o entendimento da Súmula 410 desta Corte, consignado que "a intimação do conteúdo da sentença, em nome do advogado, para o cumprimento da obrigação de pagar, realizada na forma do art. 475-J do CPC, não é suficiente para o início da fluência da multa cominatória voltada ao cumprimento da obrigação de fazer".

3.- O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.

4.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg nos EDcl no REsp 1.459.296/SP, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 19/8/14, DJe de 1/9/14.)

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSUAL CIVIL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. ASTREINTES. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.

1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. "Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível."

1.2. "A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada."

2. Caso concreto: Exclusão das astreintes.

3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1.333.988/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 9/4/14, DJe de 11/4/14.)

Entretanto, nada obstante a clara diretriz do STJ no enfrentamento do tema, isso não impediu que a regra acima pudesse ter [certeiras] exceções, considerando a existência de cognição, debate e contraditório sobre a multa na fase de conhecimento. Nesta hipótese de efetivo contraditório não seria possível a sua revisão na fase de cumprimento de sentença.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA DIÁRIA. EM REGRA, NÃO HÁ PRECLUSÃO PARA DISCUSSÃO DE SEU QUANTUM. QUESTÃO ANTERIORMENTE DECIDIDA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Como regra, o art. 461 do CPC permite que o magistrado reduza, de ofício ou a requerimento da parte, o valor da multa quando este se tornar insuficiente ou excessivo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não se observando a preclusão. Todavia, caso a questão já tenha sido decidida anteriormente dentro da mesma relação processual, torna-se inviável a sua reapreciação, configurando, nessa hipótese, a preclusão da matéria. Precedentes.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1.432.940/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/10/15, DJe de 13/11/15.)

Atualmente, como vimos, mesmo diante da literal expressão “vincenda” do art. 537, §1º a interpretação que lhe é dada pelo Superior Tribunal de Justiça é a mesma que se tinha antes do advento do CPC de 2015, ou seja, pela possibilidade de revisão da multa desproporcional, até mesmo de ofício fase de cumprimento definitivo de sentença, ou seja, é possível rever ao valor da multa mesmo que se trate de decisão transitada em julgado [“trânsito em julgado” da multa e também do pedido principal].

Sem discordar da natureza processual da multa coercitiva [ato executivo coercitivo], tampouco da sua natureza de ordem pública não penso que isso a torne imune a todas as estabilidades processuais, inclusive a relativa aos efeitos preclusivos da coisa julgada.

Basta uma rápida leitura nas fartas decisões do Superior Tribunal de Justiça para se perceber que tantas outras questões de ordem pública processuais que venham a ser conhecidas, debatidas e decididas se aquietam com a estabilidade da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Ademais, parece-nos cirúrgica a orientação do Min. Bellizze quando, em 2014, na decisão citada acima, antes do novo CPC e no calor da tese da revisão livre da astreinte no cumprimento definitivo de sentença, deixou claro que se houver contraditório efetivo e decisão posterior a respeito da multa e seu valor, é sinal de que estaremos diante de uma situação acobertada pela estabilidade da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Assim, por exemplo, se na fase cognitiva a parte se insurge contra a multa imposta demonstrando a sua desproporção e irrazoabilidade e esses aspectos são submetidos a um efetivo contraditório sendo então expressamente reconhecida a idoneidade da medida coercitiva, o seu valor, a sua periodicidade e a sua adequação para aquela hipótese, não nos parece que seja possível, na fase de cumprimento definitivo de sentença, trazer à baila a questão já expressamente enfrentada e decidida. Se no momento da execução definitiva o valor mostra-se exorbitante, isso não se dá por causa da execução, mas por uma construção paulatina em fase processual anterior.

Sem descurar o fato de que se de um lado existem situações realmente gritantes, verdadeiras megasenas judiciárias, por outro não nos parece que o caminho adequado seja criar um instituto processual “coringa” que indefectível a todas as regras do jogo e livre de qualquer estabilidade processual.

O problema, ao nosso ver, está na raiz, quando a multa nasce. Enquanto ele não for resolvido na sua origem, haverá que se equilibrar na corda bamba. Eis o dilema mencionado no título.

Para evitar este tipo de problema o magistrado deve fixar a multa diária definindo um prazo do início e do fim de sua incidência para o caso de descumprimento; prazo final este que fará com o que processo retorne concluso, e, enfim o juiz tenha o dever de reavaliar a manutenção da medida coercitiva ou quiçá um eventual acréscimo. Ao deferir uma multa coercitiva, de ofício ou a requerimento, é preciso que o magistrado avalie por quanto tempo ela teria o papel de coagir o cumprimento daquela específica obrigação.

Não parece crível que v.g. uma multa coercitiva de mil reais por dia de atraso de uma obrigação que normalmente se cumpre em uma hora possa ter algum papel coercitivo depois de meses de seu descumprimento.

Uma de duas: ou nunca teve um papel coercitivo ou perdeu este papel em algum momento desse período, daí porque deve o magistrado fixar prazo inicial e final da astreinte, para que em seguida [ao prazo final] os autos lhe sejam conclusos para uma reavaliação.

Mas, e se o magistrado não agir desta forma? E se ele fixar um prazo inicial, mas não um final, incidindo ad infinitum a multa para um réu/executado recalcitrante? Vamos aceitar isso como forma de “punir” o recalcitrante, afinal ele tem o “domínio do fato”, “ele que faz a opção de descumprir”?

Multa por coerção não pode fazer as vias de multa punitiva. Há diferenças ontológicas, teleológicas e de valores de uma e outra, basta uma leitura do CPC no art. 77 e ss. e 774 do CPC.

Multas coercitivas que se perpetuam no tempo, em algum momento deixaram de ter um papel coercitivo e deveriam ter sido revistas sob pena de funcionarem como forma ilegal de punição pela recalcitrância.

É muito importante que o devedor se valha de todos os remédios adequados para questionar todos os elementos da multa e que após o regular contraditório sobre ela o magistrado decida de forma fundamentada. Ao final do percurso procedimental ter-se-á uma decisão firme e estável sobre a astreinte com amplo debate e contraditório sobre o tema (adequação da medida, proporcionalidade do valor etc.)

Se por um lado não se deseja a absurdez ruborizante de hipóteses de manipulação do sistema para fins de enriquecimento ilícito transformando o Judiciário numa megasena, por outro lado também não se pode aceitar a criação de coringas processuais livres de qualquer regra preclusiva em benefício de devedores que, blefando com este coringa manga, optam deliberadamente por descumprir a decisão judicial, pois sabem que poderão questionar a qualquer tempo todos os termos da inadequada e desproporcional astreinte.

Toda astreinte deveria ser fixada com prazo inicial e final, momento que seria reavaliada sua manutenção (adequação e proporcionalidade). Não agindo desta forma o dilema continuará estourando na extremidade final do sistema jurídico onde qualquer caminho que se escolha trará insegurança jurídica.

Marcelo Abelha Rodrigues
Mestre e doutor em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorado em Direito Processual pela Universidade de Lisboa. Professor e sócio do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados.

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