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O instituto da menagem no Direito Processual Penal Militar

A reformulação do Código de Processo Penal Militar, para os mesmos moldes do Código de Processo Penal comum [afinal, o direito processual penal é um só], distinguindo-o, apenas naquelas questões próprias da índole castrense se faz mais que necessária.

26/4/2023

Nos termos do art. 263, do Código de Processo Penal Militar, a menagem poderá ser concedida pelo juiz, nos crimes cujo máximo da pena privativa da liberdade não exceda a quatro anos1 [critério objetivo], tendo-se, porém, em atenção a natureza do crime e os antecedentes do acusado [critérios subjetivos]. O artigo seguinte complementa asseverando 02 (duas) hipóteses de local de cumprimento para o militar: 1) a menagem a militar, que poderá efetuar-se no lugar em que residia quando ocorreu o crime ou seja sede do juízo que o estiver apurando, ou; 2) atendido o seu posto ou graduação, ser cumprida em quartel, navio, acampamento, ou em estabelecimento ou sede de órgão militar. Por outro lado, a menagem a civil será no lugar da sede do juízo, ou em lugar sujeito à administração militar, se assim o entender necessário a autoridade que a conceder.

A audiência prévia do Ministério Público2 é essencial nos casos de menagem (art. 264, § 1º). Já a autoridade militar deve ser ouvida a respeito da conveniência da concessão de menagem em local sob administração militar (art. 264, § 2º), por conveniência da disciplina, óbvio.

Nos termos do art. 265, será cassada a menagem àquele que se retirar do lugar para o qual foi ela concedida, ou faltar, sem causa justificada, a qualquer ato judicial para que tenha sido intimado ou a que deva comparecer independentemente de intimação especial.

O art. 266 prevê o quartel por menagem ao insubmisso, independentemente de decisão judicial (que chamaremos de menagem natural), podendo, entretanto, ser cassada pela autoridade militar, por conveniência de disciplina. Neste ponto, cabe assinalar que a autoridade militar somente poderá cassar a menagem natural, decorrente da apresentação ou captura do insubmisso, e não aquela que foi concedida pelo Conselho de Justiça, que é quem pode revogá-la (Lei 8.457/1992, art. 28, II).

Por fim, importa assinalar que a menagem cessa com a sentença condenatória, ainda que não tenha passado em julgado (art. 267), menagem concedida em residência ou cidade não será levada em conta no cumprimento da pena (art. 268), sendo vedada a concessão da menagem ao reincidente (art. 269).

A melhor compreensão do instituto da menagem enseja conhecer sua evolução histórica, definir sua natureza, saber quem pode concedê-la e quando e, por fim, verificar sua eficácia e utilidade atualmente.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MENAGEM

Ao início da República, Raphael Corrêa da Silva – que era monarquista, assim se referiu em obra específica, na qual retrata a interposição de petição e o indeferimento pelo juízo do pedido de menagem que sofreu, quando acusado de crime de rebelião. A petição foi publicada na Revista da Faculdade de São Paulo, por desejo de seu Diretor, o Dr. Pedro Lessa [a grafia é a original]: 

“Ter por prisão sua casa ou sua cidade é ainda direito vigente. Não se diga que a Ordenação, Livro V, título 120 e os posteriores alvarás estão, quanto a isso, derogados; pois a única parte derogada é a que se refere aos fidalgos de solar, ou assentados nos livros de nobreza, aos cavalleiros fidalgos ou confirmados, e aos cavalleiros das ordens militares, visto que só estes fundavam seus privilegios em nascimento, fóros de nobreza, ordens honorificas . O art. 72, § 2º, da Constituição da Republica, diz:

 «A Republlca não admitte privilegio de nascimento, desconhece os fóros de nobreza e extingue as ordens honorificas existentes e todas as suas prerogativas e regalias, bem como os titulos nobiliarchicos e de Conselho.»

A Constituição da Republica supprimio umas classes de cidadãos que gozavam de umas tantas prerogativas. Ora, é claro que, não existindo mais os sujeitos em quem essas regalias se radicavam, ellas desvaneceram.

Não foi tanto que se houvesse revogado, em parte, a Ordenação, mas foi propriamente que desappareceu uma porção daquelles sujeitos, para quem dicta Ordenação legislava.

Como quer que se encare pela theoria o nosso assumpto, na pratica é verdade que o citado texto da Constituição nada diz relativamente aos officiaes militares, aos desembargadores, aos doctores em leis, em canones, ou medicina, e, portanto, está claríssima a intenção de manter em vigor a Ordenação, na parte que não foi attingida pela disposição constitucional.

É principio corrente de hermeneutica que, referindo-se a lei nova a uma enumeração contida na lei antiga, quiz abranger a parte que enumerou e não a parte que deixou de enumerar”3.

O autor referiu, ainda – e lá se vão 120 anos, que pelo Direito Régio4, a nobreza provinha de quatro fontes: ciência, milícia, emprego e privilégio propriamente dito. A última era emanada da graça ou favor do príncipe, ou então herdada, mas as outras eram conquistadas ou adquiridas. Lembrou ainda que a Constituição do Império, art. 179, § XVI, assim dispôs; «Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencial e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública». Ao defender o instituto da menagem – que ele pretendia receber e não lhe foi concedido pela Justiça, afirmava não ser a menagem contrária à índole republicana, e que, naqueles últimos tempos, não passava talvez um só ano sem que se realizassem algumas prisões desta espécie na classe dos militares. E afirmava, se a milícia, sem estranheza alguma, goza dessas prerrogativas, sendo em toda a hipótese muito mais rigorosas as leis da vida militar, muito mais cerrados os vínculos da disciplina, não havia para que se descontinuasse às pessoas da ordem civil uma praxe liberal instituída já pela civilização pagã e sancionada pela sabedoria de tantos séculos cristãos5.

Cerca de 50 (cinquenta) anos antes desse episódio, Thomaz Alves Junior, estabelecendo um paralelo entre prisão e menagem, lecionava que ‘a Constituição [era a do Império], firmando o princípio de que ninguém pode ser preso sem culpa formada, salvo o caso de flagrante delito, excluiu, desde logo o caso das ordenanças militares, estabelecido como necessário à disciplina do Exército (...) os oficiais e cadetes podem ser presos antes do Conselho de Guerra, gozando do favor da menagem, favor de estar em uma cidade ou praça, favor que só compete ao Governo conceder’6.

Logo após a Proclamação da República, iremos encontrar no Regulamento Processual Criminal Militar de 1.895, a previsão de concessão de menagem aos militares e aos paisanos sujeitos a processo e julgamento no foro militar, que poderiam livrar-se soltos nos crimes, cujo máximo da pena de prisão fosse menor de quatro anos (art. 129). Dito regulamento, em seu art. 34, § 3º, asseverava que, aos ministros e secretários de Estado dos Negócios da Guerra ou da Marinha, exercendo a suprema polícia militar, em nome do Presidente da República, competia conceder menagem.

A previsão se manteve no decreto 14.450, de 30 de outubro de 1920 -Código de Organização Judiciária e Processo Militar, estabelecendo, no entanto, competência ao auditor e ao Conselho de Justiça Militar (artigos 40 e 41).

A previsão da menagem se repetiria com os mesmos requisitos no decreto 15.365, de 1922 - Código de Organização Judiciária e Processo Penal Militar, com competência deferida aos auditores se o crime já estivesse devidamente classificado, ouvido o Ministério Público (art. 52, alínea ‘h’) e ao Conselho de Justiça se decretada a prisão preventiva do denunciado (art. 53, alínea ‘c’).

Idêntica previsão se encontrava nos artigos 92 e 93, do decreto 17.231-A, de 26 de fevereiro de 1926 - Código da Justiça Militar. Em 1938, com a edição do decreto-lei 925, veio a lume o Código de Justiça Militar, prevendo a menagem como competência do Conselho de Justiça (art. 94), naqueles crimes cujo máximo da pena fosse inferior a quatro anos. O Decreto-Lei 1.003, de 21.10.1969 – lei de Organização Judiciária Militar, previu a menagem como competência dos Conselhos Permanentes e Especiais de Justiça (art. 43, IV), competência esta mantida na lei 8.457/1992 – lei de Organização da Justiça Militar da União (art. 28, II).

NATUREZA JURÍDICA DA MENAGEM

Consideramos de extrema importância, levar em consideração as várias reformas do Código de Processo Penal – CPP, para tentar definir a natureza da menagem no processo penal militar.

Para Ronaldo Roth, sob o direto comando do art. 5°, inciso LXVI, da Carta Magna ("Ninguém será levado à prisão ou nela será mantido, quando a lei admita a liberdade provisória, com ou sem fiança"), por ser a menagem-liberdade verdadeira liberdade provisória, ela é um direito subjetivo do preso, amparada por "Habeas Corpus". Aqui não há de se olvidar a estreita relação, já mencionada, da menagem com a fiança, instituto este que o legislador procurou no âmbito castrense substituir pela menagem. Nesse sentido vale a assertiva já mencionada de Homero Prates, de forma que se a menagem não é fiança, não há como negar ser a mesma liberdade provisória sem fiança.7.

Mais à frente - mas ainda anterior à reforma do código de processo penal comum em 2008-2009, e da própria lei Anticrime em 2019, Roth já considerava a menagem como um sucedâneo da prisão provisória no âmbito da legislação militar que se constitui em instituto de dupla face jurídica, dependendo da forma como o Juiz a aplique ou conceda: a) é menagem-prisão quando for restrita ao cumprimento no quartel ou em residência; b) é menagem-liberdade quando for restrita à cidade8.

Cid Sabelli, discordando da natureza híbrida que alguns autores dão à menagem, mesclando características de liberdade provisória qualificada e de prisão preventiva mitigada, conclui ser a menagem ser uma espécie de prisão provisória cujo cumprimento é menos rigoroso .

Em entendimento mais recente, Enio Rossetto, lembrou que o Capítulo III, do CPPM, que trata das providências que recaem sobre pessoas, do Título XIII, das medidas preventivas e assecuratórias, deveria receber o acréscimo de uma Seção de medidas cautelares diversas da prisão, deixando a prisão preventiva como solução de ultima ratio, determinada quando não fosse cabível sua substituição por outra medida cautelar. A prisão preventiva, espécie do gênero "prisão cautelar de natureza processual", ficaria reservada aos casos excepcionais, decretada nos casos de necessidade, para garantir a ordem pública, a regular instrução do processo ou assegurar a eficácia da decisão final, pois sujeita a pessoa ao cárcere sem estar com a culpa formada.

No ponto, prossegue o autor, urge reconhecer que o CPPM oferece a menagem, de reduzido alcance e eficácia.10

MENAGEM OU PRISÃO ESPECIAL?

Considerando que a menagem tem previsão expressa apenas na legislação militar, pode-se afirmar que ela difere da prisão especial, conquanto esta seja, tanto quanto a menagem, uma deferência dada pela lei a certas categorias de pessoas. Afinal, os dois institutos estão tratados em tópicos diversos no CPPM, o que, aparentemente afasta a identidade.

Por prisão especial entende-se o direito que têm certas pessoas, em razão da profissão ou função, de permanecerem em ambiente distinto dos presos comuns, quando condenados, até o trânsito em julgado da sentença. A menagem também é uma deferência da prisão em um ambiente distinto, com maior liberdade, ou menor restrição dela.

Por outro lado, o direito à prisão especial não se limita apenas aos relacionados no art. 242 do diploma processual castrense ou no art. 295 do CPP.

A chamada lei de Imprensa11, em seu art. 66, estabelece que o jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido preso antes da sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades.

O parágrafo único do citado art. 66 diz que a pena de prisão de jornalista será cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crimes comuns e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário, ficando difícil de saber que local é este.

Por sala decente deverá entender-se, na ausência de explicação da lei de Imprensa, a cela individual que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, dotada de salubridade e área mínima de 6m2, conforme os art. 88 e parágrafo único e 104 da lei da Execução Penal13.

Também os vigilantes bancários, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória por crimes decorrentes de ato de serviço, de acordo com o art. 19, inc. III, da lei Federal 7.102, de 20.06.1983.

O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará aos cidadãos que a exerçam, o direito à prisão especial, nos termos dos arts. 295, inc. X e 437, do Código de Processo Penal .

O Estatuto da Criança e do Adolescente14 assegurou aos membros do Conselho Tutelar idêntico benefício, em seu art. 135.

Assim, sem discutir o mérito de tais concessões, percebe-se que o direito à prisão especial se tornou cada vez mais comum; a exceção tende a ser regra, quase sendo possível perguntar-se, por ser mais fácil de responder, quem não tem direito a tal distinção15.

Abaixo, mostraremos o quadro comparativo do tratamento dado à prisão especial pelos dois códigos de processo penal:

PRISÃO ESPECIAL – CPPM

PRISÃO ESPECIAL – CPP

Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou à prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível.

a) os ministros de Estado;

b) os governadores ou interventores de Estado ou territórios, o Prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de polícia;

c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados;

d) os cidadãos inscritos no livro de mérito das ordens militares e civis reconhecidos em lei;

e) os magistrados;

f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, inclusive os da reserva remunerada ou não e os reformados;

g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional;

h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional;

i) os ministros do Tribunal de Contas;

j) os ministros de confissão religiosa.

Parágrafo único. A prisão de praças especiais e a de graduados atenderá aos respectivos graus de hierarquia.

 

Art. 295.  Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;          (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";

V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;           (Redação dada pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.           (Redação dada pela Lei nº 5.126, de 20.9.1966)

§ 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.           (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.           (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.           (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 4o O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.           (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

§ 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.           (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

Art. 296.  Os inferiores e praças de pré, onde for possível, serão recolhidos à prisão, em estabelecimentos militares, de acordo com os respectivos regulamentos.

 

Veremos que os dois diplomas processuais se referem aos . A Comissão Permanente do Livro do Mérito, ou simplesmente Livro do Mérito, é uma ordem honorífica brasileira destinada aos civis nacionais. Configura-se, no entanto, de maneira sui generis, pois em vez de insígnias, são expedidos aos galardoados diplomas, cujos nomes são inscritos no Livro do Mérito, muito aos moldes do Livro de Aço dos Heróis da Pátria16.

Com relação à prisão especial concedida os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República (inciso VII, do art. 295, do CPP), o Plenário do Supremo Tribunal declarou que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal [não foi recepcionado]. Na sessão virtual encerrada em 31.3.2023, o colegiado seguiu o entendimento do relator, ministro Alexandre de Moraes, para quem não há justificativa razoável, com fundamento na Constituição Federal, para a distinção de tratamento com base no grau de instrução acadêmica. O tema foi analisado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 295, inciso VII, do CPP, que prevê esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Segundo a PGR, a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma “a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação

Para além do código de processo penal militar ou comum, iremos encontrar deferência legal de forma de cumprimento de prisão aos membros do Ministério Público17, aos membros da Defensoria Pública18; aos membros do Poder Judiciário19  e, aos Advogados20.

Assim, não há como deixar de reconhecer que a menagem atualmente, é um instituto de natureza militar, apresentando-se na forma de menagem-prisão quando for restrita ao cumprimento no quartel ou em residência ou, de menagem-liberdade quando for restrita à cidade. É uma deferência para determinadas pessoas, uma homenagem àqueles que a recebem, na exata acepção da palavra.

Todavia, não é direito subjetivo do acusado como se possa pensar. A própria redação do art. 263 do CPPM deixa isso bem claro, visto prescrever que menagem poderá [faculdade] ser concedida pelo juiz, nos crimes cujo máximo da pena privativa da liberdade não exceda a quatro anos, tendo-se, porém, em atenção a natureza do crime e os antecedentes do acusado.

O termo , arcaico por natureza tinha, tinha durante o Império uma destinação geral a várias categorias de pessoas que incluía também os militares, e por isso se irresignou Raphael Correa da Silva contra o despacho denegatório ao seu pedido de concessão do benefício pretendido pelo juiz federal instrutor da causa, em 20.10.1902, sem parecer do promotor de justiça, é bom que se diga. Para ele, a menagem era cabível aos advogados [e ele era advogado e professor universitário], aos doutores em geral, se entendendo não só aos graduados em cânones ou direito civil, como aos que o fossem em teologia; aos professores, quer se tratassem dos lentes das Universidades, quer se tratassem dos mestres de artes; aos cargos públicos já que, conquanto à investidura científica ou profissional que conquistam os advogados, doutores e professores seja mais de vantagem individual, não há negar as vantagens públicas que frui a sociedade dos serviços daquelas pessoas21.

QUEM PODE CONCEDER A MENAGEM E QUANDO?

Pela lei de Organização da Justiça Militar da União [aplicável à Justiça Militar Estadual desde que não colida com a organização judiciária local], a concessão da menagem é de competência, em primeiro grau dos Conselhos de Justiça (art. 28, II) e, em segundo grau, do Superior Tribunal Militar (art. 6º, VIII)

Por sua vez, em relação ao momento de sua concessão, uma leitura atenta ao Código de Processo Penal Militar irá demonstrar o seguinte:  nos termos do parágrafo único, do art. 18, do CPPM, se entender necessário, o encarregado do inquérito solicitará, dentro do mesmo prazo ou sua prorrogação, justificando-a, a decretação da prisão preventiva ou de menagem, do indiciado.

Consoante o art. 464, do CPPM, com a redação dada pela lei 8.236/91, o insubmisso22 que se apresentar ou for capturado terá o direito ao quartel por menagem e será submetido à inspeção de saúde. Se incapaz, ficará isento do processo e da inclusão. Aqui, trata-se da menagem natural, que independe de decisão quanto à sua concessão pois é a lei que a confere.

Estando o processo no Superior Tribunal Militar [de competência originária ou em sede recursal], a competência será do ministro relator, cabendo recurso do despacho que conceder ou negar a menagem (CPPM, art. 491, alínea ‘e’).

Por fim, necessário lembrar o cabimento de recurso em sentido estrito, da decisão ou sentença que conceder ou negar a menagem (CPPM, art. 516, alínea ‘i’). Este recurso não se confunde com o recurso referido no parágrafo anterior, o recurso contra despacho do relator é o agravo interno, nos exatos termos do art. 112, V, do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar – RISTM.

DA EFICÁCIA E UTILIDADE DA MENAGEM NA ATUALIDADE

Enio Rossetto, quando afirmou que o Capítulo III, do CPPM, que trata das providências que recaem sobre pessoas, do Título XIII, das medidas preventivas e assecuratórias, deveria receber o acréscimo de uma Seção de medidas cautelares diversas da prisão, deixando a prisão preventiva como solução de ultima ratio, determinada quando não fosse cabível sua substituição por outra medida cautelar, reconheceu, todavia, que o CPPM oferece a menagem, de reduzido alcance e eficácia.23

Sua reflexão é procedente, principalmente em face das inúmeras alterações ocorridas no Código Penal e principalmente no Código de Processo Penal comum, assim como pela edição da Lei 13.491/2017, que trouxe a lume uma nova categoria de crime militar, os crimes militares por extensão, que não se encontram previstos no Código Penal Militar, mas se tornam militares desde que sejam cometidos em uma das hipóteses do inciso II, do art. 9º, do Código Penal Militar.

Em relação às outras medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, do Código de Processo Penal – CPP) – cujo exame de seu cabimento precede obrigatoriamente a decretação da prisão preventiva (§ 6º, art. 282), vejamos o que diz o art. 319, do CPP, com a redação que lhes deu a Lei 12. 403, de 2011:

“Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:   

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;            

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;   

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;          

IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;      

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;        

IX - monitoração eletrônica”.  

Anote-se que os §§ 1o, 2º e 3º foram revogados pela lei 12.403, de 2011, tendo sido incluído um § 4º, segundo o qual a fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.    

Já o art. 320 assevera que a proibição de se ausentar do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Pois bem, não se pode perder de vista que nos termos do art. 312, do CPP – com a redação que lhe deu a lei 13.964, de 2019, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, não apenas quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, mas também de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. 

Portanto, a menagem prevista no processo penal militar – de reduzido alcance e eficácia, é uma medida benéfica até certo ponto, cujo vocábulo que a identifica nada mais é do que um resquício da legislação militar de antanho, sequer se podendo tratá-la como fazendo parte da do processo penal castrense, principalmente em face do avanço sofrido pelo processo penal de modo geral.

Ora, o cumprimento de pena de prisão ou detenção somente em organização militar da respectiva Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha precedência hierárquica sobre o preso ou, na impossibilidade de cumprir esta disposição, em organização militar de outra Força cujo comandante, chefe ou diretor tenha a necessária precedência, o julgamento em foro especial nos crimes militares, assim como o procedimento a ser obedecido pela autoridade policial civil nos casos de flagrante delito de militares sob pena de responsabilidade, já se encontram previstos como prerrogativas dos militares nos artigos 73 e 74, da lei 6.880/80. O direito à prisão especial dos oficiais, constante do art. 242, alínea ‘f’, do CPPM também está repetido no art. 295, inciso V, do CPP. O das praças especiais e graduados, no parágrafo único do art. 242 da norma castrense. Nesse ponto, o art. 296, do Código de Processo Penal comum, ao prever que os inferiores e praças de pré, onde for possível, serão recolhidos à prisão, em estabelecimentos militares, de acordo com os respectivos regulamentos, estabeleceu uma distinção mais abrangente que atualmente não se sustenta, senão vejamos:

A redação do art. 296 do CPP data de 1941, e, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “praça-de-pré”. “Ant. Militar que não tinha patente de oficial”. (Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Folha de S. Paulo/Nova Fronteira, 1995. p. 522);

A expressão apareceu na constituição de 1.891, mantendo-se nesse nível até 1964, quando a Constituição Federal abandonou a expressão “praça-de-pré”. As praças-de-pré, entretanto, constituíam denominação antiga de todos aqueles que não eram oficiais, as praças, cujas graduações previstas eram, e ainda são, os subtenentes, os 1º, 2º, e 3º sargentos, o cabo e soldado.

A graduação diz respeito no seio militar àqueles que não são oficiais – as praças. Ex vi legis, – tão somente [art. 16, § 3º, da lei Federal 6.880/80, Estatuto dos Militares e, especificamente o art. 8º do dec.-lei 667/69, que reorganizou as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares], a graduação é o grau hierárquico das praças, sendo estas, o subtenente, o 1º, 2º, e 3º sargento, o cabo e o soldado. Logo, o soldado é graduado igualmente visto que a graduação corresponde ao lugar ocupado na escala hierárquica, que tem no soldado, o seu primeiro degrau24. Desnecessário perquirir sobre o termo inferiores.

Vale lembrar aos que militam na Justiça Militar, que devem atentar para a advertência feita pelo magistrado Rodrigo Foureaux quando lembrou que o Código de Processo Penal Militar data de 21.10.1969 e sofreu apenas 06 (seis) alterações, enquanto que o Código de Processo Penal Comum data de 03.10.1941 e passou por 57 alterações, o que demonstra o esquecimento, por parte do legislador, na legislação militar, sendo necessário aplicar institutos previstos para o processo penal comum no processo penal militar, até porque o CPPM autoriza no art. 3º, “a” a aplicação, nos casos omissos, da legislação processual penal comum25.

A reformulação do Código de Processo Penal Militar, para os mesmos moldes do Código de Processo Penal comum [afinal, o direito processual penal é um só], distinguindo-o, apenas naquelas questões próprias da índole castrense se faz mais que necessária. E isso implica em dar à menagem um tratamento mais condizente com a sociedade da qual o militar também é parte. Isso implica em aceitar naturalmente a aplicação das outras medidas cautelares diversas da prisão – como a fiança rejeitada sem razão pela Justiça Militar, e, claro, também do acordo de não persecução penal- ANPP, em que pese a edição da súmula 18 do Superior Tribunal Militar26, que não é vinculante, mas isso é assunto para outra oportunidade.

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1 Nesse sentido: STF, HC 135047, 2ª Turma, relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 27.09.2016, publicado em 13.10.2016, negado pela ausência do requisito objetivo exigido por ter sido a pena cominada ao delito superior a 4 anos

2 A falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação penal gera nulidade (CPP, art. 500, III, ‘e’)

3 SILVA, Raphael Corrêa da. Da Menagem e da Lesa Majestade, São Paulo: Escola Typographica Salesiana, 1903, pp. 9-10. A grafia do texto é a original.

4 Primeira fase do Direito Romano, que foi da Fundação de Roma (753 a.C) até a  República (510 a.C), onde o Direito era baseado nos costumes ( InfoEscola, Direito Romano - Direito - InfoEscola) acesso em 05.04.2023.

5 SILVA, Raphael Corrêa da. Da Menagem e da Lesa Majestade ............................... pp. 25-26.

6 JUNIOR, Thomaz Alves. Curso de Direito Militar, Rio de Janeiro: Franciso Luiz Pinto e Comp. Editores, 1866, p.136.

7 ROTH, Ronaldo João. A menagem, Revista Direito Militar nº 15, jan/fev de 1999, pp. 27-28.

8 ROTH, Ronaldo João. A liberdade provisória e a menagem no processo penal militar. DIREITO MILITAR – DOUTRINAS E APLICAÇÕES, São Paulo: Editora Elsevier, 2011, p.759

9 SABELLI, Cid. Processo Penal Militar – Da teoria à prática. São Paulo: Editora Suprema Cultura, 2008, p. 106.

10 ROSSETTO, Enio Luiz. Breves notas sobre o processo penal militar, Revista Direito Militar nº  148, Florianópolis, julho/agosto de 2021, p. 5.

11 Lei 5.250, de 09.02.1967, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação.

12 Lei 7.210, de 11.07.1984.

13 Dec.-lei 3.689, de 03.10.1941.

14 Lei 8.069, de 13.07.1990.

15 ASSIS, Jorge Cesar de. Lições de Direito para a Atividade Policial Militar, 5ª edição, 3ª tiragem, Curitiba: Juruá, 2002, pp.55-56.

16 Para saber mais, acesse Comissão Permanente do Livro do Mérito – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

17 LC 75/1993, art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: (...); II - processuais: (...); e) ser recolhido à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando sujeito a prisão antes da decisão final; e a dependência separada no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena – lei 8.625/93, art. 40. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica: (...); V - ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final.

18 LC 80/1994, Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União (...) II - ser recolhido a prisão especial ou a sala especial de Estado¬ Maior, com direito a privacidade e, após sentença condenatória transitada em julgado, ser recolhido em dependência separada, no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena, prerrogativas estendidas aos membros das Defensorias Públicas dos Estados pelo art. 128, inciso III.

19 LC 35/1979, art. 33 - São prerrogativas do magistrado: (...)    III - ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final. O art. 112, § 2º,  da LC 35, assevera que o exercício efetivo da função de Juiz de Paz constitui serviço público relevante e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento.

20 Lei 8.906/1994, art. 7º, são direitos do advogado: (...); V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar.  

21 SILVA, Raphael Corrêa da. Da Menagem e da Lesa Majestade ............................... pp. 13-15.

22 Insubmissão, CPM, art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação: Pena - impedimento, de três meses a um ano. Caso assimilado § 1º Na mesma pena incorre quem, dispensado temporariamente da incorporação, deixa de se apresentar, decorrido o prazo de licenciamento

23 ROSSETTO, Enio Luiz. Breves notas sobre o processo penal militar, Revista Direito Militar nº  148, Florianópolis, julho/agosto de 2021, p. 5.

24 ASSIS, Jorge Cesar de. Direito Militar – aspectos penais, processuais penais e administrativos, 4ª edição, Curitiba: Juruá, 2021, pp. 211-212

25 FOUREAUX, Rodrigo. O acordo de não persecução penal na Justiça Militar. Disponível em https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2020/01/29/O-acordo-de-n%C3%A3o-persecu%C3%A7%C3%A3o-penal-na-Justi%C3%A7a-Militar acesso em 30.04.2021.

26 STM, SÚMULA Nº 18 - (DJe n° 140, de 22.08.2022):"O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União".

Jorge Cesar de Assis
Advogado inscrito na OAB/PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da PMPR.

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