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Os contratos de locação comercial e o prazo máximo de renovação

As restrições legais à liberdade de contrato são necessárias para garantir que os contratos não violem considerações de política pública ou mesmo que disposições abusivas prejudiquem uma das partes.

17/4/2023

Ao celebrar um contrato de locação, é bastante comum que as partes estipulem o prazo inicial de duração, de acordo com as suas conveniências e levando em consideração todas as nuances que envolvem o negócio que será desenvolvido no local, prazo este que, igualmente, tem sido utilizado quando a intenção é renovar o contrato.

Todavia, as interpretações quanto ao disposto no artigo 51 da lei 8.245/91, que trata do prazo de renovação do contrato de locação, apresentam grande divergência, não sendo possível apenas através da simples leitura do referido dispositivo legal compreender exatamente qual seria o prazo de renovação.

O artigo 51 da lei 8.245/91, que dispõe sobre o prazo de renovação dos contratos de locação, tem sido objeto de diversas interpretações entre os operadores do direito. O próprio dispositivo legal carece de clareza, limitando-se a afirmar que, na locação de imóvel destinado à comercialização, o locatário terá o direito de renovar o contrato por igual período, desde que cumulativamente reúna determinadas condições2. No entanto, não há uma indicação clara de qual seria o período de renovação, levando a interpretações divergentes entre os operadores do direito3.

Alguns juristas sugeriram que o período de renovação deveria ser igual ao prazo inicial do arrendamento, enquanto outros argumentam que deveria ser mais curto ou mais longo, dependendo de alguns fatores. Além disso, anteriormente ao posicionamento atual do STJ faltavam orientações legais adicionais ou decisões judiciais para esclarecer o período de renovação, contribuindo ainda mais para a confusão em torno do assunto4.

Para além disso, existem outros fatores que podem dificultar a compreensão exata destes limites, pois há uma grande particularidade nestes contratos, considerando que as partes possuem a liberdade de estabelecer as regras segundo aquilo que julgam ser mais adequado, no que se incluem os prazos de duração.

O problema acaba surgindo quando há a necessidade de lançar mão da denominada ação renovatória, quando se busca a renovação judicial do contrato pelo mesmo prazo previsto inicialmente.

OS MOTIVOS DA CONTROVÉRSIA JUDICIAL LEVADA AO STJ

A discussão originou-se a partir do ajuizamento de uma ação na qual se pretendia a renovação do contrato pelo prazo de dez anos que havia sido inicialmente previsto para a locação. Houve a manutenção do entendimento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com base no fato de que as partes haviam definido o prazo livremente em contrato, o que levou a discussão ao Superior Tribunal de Justiça.

Isso significa que os termos de um contrato são determinados pelo acordo das partes envolvidas5. A interpretação de um termo em um contrato pode se tornar uma questão controversa se as partes discordarem sobre seu significado.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve seu entendimento com base no fato de as partes terem livremente definido a cláusula contratual6. A decisão do tribunal foi baseada no princípio de que o acordo das partes deve ser respeitado e que o tribunal não deve impor sua própria interpretação do termo. No entanto, esta decisão não foi o fim da controvérsia.

Assim, a disputa foi encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça, que foi incumbido de interpretar e resolver o litígio7.

NO QUE SE BASEOU O ENTENDIMENTO DO STJ PARA ALTERAR A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM?

Segundo a Relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi, “permitir a renovação por prazos maiores, de dez, quinze, vinte anos, poderia acabar contrariando a própria finalidade do instituto, dadas as sensíveis mudanças de conjuntura econômica, passíveis de ocorrer em tão longo período, além de outros fatores que possam ter influência na decisão das partes em renovar, ou não, o contrato”.

Portanto, segundo o entendimento do STJ, permitir períodos de renovação mais longos para os institutos pode ter desvantagens potenciais, incluindo mudanças econômicas e incertezas. Mudanças na situação econômica, que provavelmente ocorrerão por um longo período, podem impactar negativamente a estabilidade financeira do instituto8. O prazo máximo para renovação de um contrato de locação comercial, por exemplo, costuma ser de cinco anos, conforme estabelece a Lei 8.245/919.

Permitir a renovação por períodos mais longos, como dez, quinze ou vinte anos, pode levar à instabilidade financeira e, em última análise, prejudicar a missão e o propósito do instituto10. Como tal, é importante considerar os riscos potenciais associados a períodos de renovação mais longos e sopesá-los em relação aos benefícios.

Fatores externos também podem influenciar a capacidade do instituto de cumprir sua missão e propósito. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, tem mantido o entendimento de que cinco anos é um prazo razoável para renovação de contrato de locação comercial11. Os ministros destacaram que a renovação por períodos mais longos poderia ir contra o propósito do instituto12.

PRESERVAÇÃO DE DIREITOS DO LOCADOR

Ainda de acordo com a Ministra, o benefício disposto no decreto-lei 24.150/34 e na lei 8.245/9113, deve preservar os direitos do locador, de modo a evitar que as renovações por longos períodos de tempo impactem no direito de propriedade, quando então firmou o entendimento de que, independentemente das discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a extensão do prazo de renovação, a Súmula 178 do Supremo Tribunal Federal (STF)14 estabelece que cinco anos se mostra razoável para a renovação do contrato de locação comercial, que não obstante, poderá ser requerida novamente ao final do período.

A Súmula 178 do STF tem implicações significativas para os contratos de locação comercial, quando estabelece que cinco anos é um prazo razoável para a renovação dos contratos de arrendamento mercantil15. Isso significa que os inquilinos têm o direito à renovação de seu contrato de aluguel por mais cinco anos, e os proprietários são obrigados a conceder esse pedido16. O precedente é baseado no decreto 24.150 de 1934, e tem sido apoiado por jurisprudência selecionada17.

O precedente também permite a renovação ao final do prazo de cinco anos. Isso significa que os inquilinos podem continuar renovando seus contratos de locação por períodos adicionais de cinco anos, sujeitos às mesmas condições e obrigações do contrato de locação inicial18. No entanto, é importante observar que o precedente não estabelece um limite máximo para o número de vezes que um contrato de locação pode ser renovado.

O período razoável de renovação de cinco anos estabelecido pela Súmula 178 tem um impacto significativo nos contratos de arrendamento mercantil e nas relações inquilino-locador. Ele fornece aos inquilinos mais estabilidade e previsibilidade, permitindo que eles planejem seus negócios adequadamente. Os proprietários, por outro lado, podem estar preocupados com a perda potencial de renda se um inquilino decidir não renovar seu contrato de locação após o período de cinco anos. No geral, o precedente fornece uma estrutura para a renovação de contratos de arrendamento comercial que beneficia tanto inquilinos quanto proprietários.

CONCLUSÃO

Em última análise, muito embora a liberdade de contratar seja um princípio essencial da capacidade civil, não é um direito absoluto. As restrições legais limitam a liberdade de contratar quando o Estado intervém nas relações contratuais entre particulares, estabelecendo preceitos legais de ordem pública. Os limites à liberdade de iniciativa devem ser entendidos no contexto da defesa da livre concorrência e do papel do Estado como entidade promotora do desenvolvimento econômico e do bem-estar social19. Assim, as restrições legais à liberdade de contrato são necessárias para garantir que os contratos não violem considerações de política pública ou mesmo que disposições abusivas prejudiquem uma das partes.

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1 Brasil. Lei no 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 10 abr. 2023. 

2 Extingue-se também o direito à renovação para quem não propor a ação no prazo determinado. Embora o laço conjugal não seja exigido no contrato de locação de imóvel urbano, exceto quando o prazo do contrato for superior a 10 anos, ainda há muita incerteza sobre o prazo de renovação dos contratos de locação nos termos do artigo 51 da Lei 8.245/1991. Portanto, orientações legais adicionais ou decisões judiciais podem ser necessárias para esclarecer essa questão. Artigo 51 da Lei nº 8.245 de 18 de Outubro de 1991.

3 Lei 8245/91 Comentada (Lei do Inquilinato) - Direito Desenhado. Disponível em: https://direitodesenhado.com.br/lei-8245-comentada-lei-do-inquilinato/ Acesso em: 30 mar. 2023.

4 LOCAÇÃO e DESPEJO. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2847666. Acesso em: 30 mar. 2023.

5 Os contratos bancários e a jurisprudência do superior ... - CJF. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/pesquisas-do-cej/os-contratos-bancarios-e-a-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica/@@download/arquivo. Acesso em: 30 mar. 2023.

6 Súmula n. 380 - STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/sumstj/article/download/5553/5676 Acesso em: 30 mar. 2023.

7 Informativo STF :: STF - Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo940.htm. Acesso em: 30 mar. 2023.

8 STJ: Prazo máximo de renovação de aluguel comercial é de 5 .... Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/383007/stj-prazo-maximo-de-renovacao-de-aluguel-comercial-e-de-5- anos. Acesso em: 30 mar. 2023.

9 Prazo máximo para renovação de contrato de locação .... Disponível em: https://coimbrachaves.com.br/prazo- maximo-para-renovacao-de-contrato-de-locacao-comercial-e-de-5-anos/ Acesso em: 30 mar. 2023.

10 3.  STJ estipula prazo máximo de cinco anos para renovação .... Disponível em: https://waof.com.br/texto- blog/stj-estipula-prazo-maximo-de-cinco-anos-para-renovacao-compulsoria-de-aluguel-comercial. Acesso em: 30 mar. 2023.

11 Prazo máximo para renovação do contrato ... - Costa Monteiro. Disponível em: https://costamonteiro.adv.br/2023/03/14/prazo-maximo-para-renovacao-do-contrato-de-locacao-comercial-e-de- cinco-anos/ Acesso em: 30 mar. 2023.

12 STJ define máximo de cinco anos para renovação de... Disponível em: https://www.economicnewsbrasil.com.br/2023/03/15/stj-define-maximo-de-cinco-anos-para-renovacao-de- locacoes-comerciais/ Acesso em: 30 mar. 2023.

13Brasil. Lei no 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8245.htm#art90. Acesso em: 10 abr. 2023.

14 Súmula 178 – “Não excederá de cinco anos a renovação judicial de contrato de locação, fundada no Decreto 24.150, de 20-4-1934.”

15 STJ: Prazo máximo de renovação de aluguel comercial é de 5 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/383007/stj-prazo-maximo-de-renovacao-de-aluguel-comercial-e-de-5-.anos. Acesso em: 30 mar. 2023

16 STJ - Para a Terceira Turma do STJ o prazo máximo para ....https://andersonbarbosa1980.jusbrasil.com.br/noticias/1782336725/prazo-maximo-para-renovacao-do-contrato-de-locacao-comercial-e-de-cinco-anos Acesso em: em 23-04-11

17 Súmula 178 - Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=4207. Acesso em: 30 mar. 2023.

18 Prazo máximo para renovação do contrato de locação. Disponível em: https://www.cartoriomassote.com/news/prazo-maximo-para-renovacao-do-contrato-de-locacao-comercial-e-de- cinco-anos/. Acesso em: 30 mar. 2023.

19 Limitações ao exercício da liberdade de contratar à luz do. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c6bff625bdb03939. Acesso em: 30 mar. 2023.

 

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha
Advogado pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia.

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