Migalhas de Peso

Pílulas sobre a guarda nidal

A jurisprudência admite abertamente essa modalidade de guarda, mas também – nem poderia - a impõe.

6/4/2023

Diante da separação dos genitores - decorra esta da dissolução da união estável ou do divórcio - a guarda dos filhos menores de idade pode ser conferida a ambos os genitores, ou a um só deles, isoladamente. 

 Quando a custódia dos filhos menores é outorgada conjuntamente aos dois genitores, tem-se a chamada guarda compartilhada, entendida esta como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º, do CC, com a redação da lei 11.698, de 13-6-2008).

Por outro lado, quando a custódia é confiada exclusivamente a um dos pais, tem-se a guarda unilateral. A guarda será deferida a tão somente um dos genitores quando apenas um deles revelar condições para exercê-la e, objetivamente, aptidão para propiciar aos filhos afeto, cuidados com a saúde e segurança da prole, bem como com a educação desta (art. 1.583, § 2º, I a III, do CC).

A guarda compartilhada, tal como regulada pela lei 11.698/08, visa, sem dúvida, a uma maior responsabilização e colaboração dos pais no dia a dia dos filhos, fazendo com que participem, em igualdade de condições, das decisões e tarefas atinentes à prole (acompanhamento dos estudos, condução às atividades escolares extracurriculares, às consultas médicas, às sessões de terapia, festas, escolha dos profissionais que a atenderão — médicos, terapeutas, professores — etc.).

A custódia compartilhada objetiva, em síntese, o rompimento do sistema tradicional em que os cuidados diários com os filhos ficavam relegados à mãe, remanescendo ao genitor direito às visitas e a obrigação de prover o respectivo sustento.

Comportando a guarda dupla modalidade — unilateral e compartilhada —, deve-se anotar que a escolha entre uma e outra compete aos genitores, e, consoante dispõe o art. 1.584, § 2º, do Código Civil, ante a falta de consenso destes quanto à forma do respectivo exercício, o juiz, sempre que possível1, deverá optar pela guarda compartilhada.

Não por outra razão, aliás, a guarda compartilhada não pode ser judicialmente impingida quando qualquer dos genitores dela decline ou a rejeite. Fica claro, assim, que ela jamais poderá ser imposta — ao contrário do que determina a lei — quando não houver acordo, entre os genitores, acerca da custódia2.

De todo modo, para o estabelecimento da guarda, a Lei do Divórcio dita algumas regras que deverão ser observadas pelos magistrados. Estas, no entanto, deverão ser aplicadas em estrita consonância com o objetivo primordial a ser buscado: o bem-estar da criança. Assim,

a) Se a separação ocorrer pela ruptura da vida em comum (§ 1º do art. 1.572 do CC), os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia se encontravam durante o tempo da dissolução fática.

b) Se a ruptura da vida em comum se der com os cônjuges morando sob o mesmo teto, deve ser aplicada a regra do art. 1.586 do CC. Deve assim o magistrado, em tais hipóteses, considerar o status quo vigente. É que, achando-se bem a criança, ela deverá permanecer sob a guarda de quem se encontra, pouco importando, sob esse aspecto, se essa pessoa é o pai, a mãe, os avós, um terceiro e assim por diante. Com efeito, o exercício da guarda durante determinado período e sob certas condições confere, àquele que a detém de fato, o direito de continuar a ter a criança sob o seu poder, porquanto qualquer modificação implicaria romper a normalidade da vida do infante, sob risco de desadaptação.

Deriva dessa circunstância - manter o status quo em que se encontra inserida a criança - um novo modelo de guarda que vem a cada dia adquirindo mais adeptos, principalmente nos países europeus e estados americanos: é a chamada guarda nidal. Trata-se de uma modalidade de custódia compartilhada em que a criança fica residindo no imóvel que até então abrigava a família, cabendo então aos pais se revezar para estar na companhia dos filhos. Ou seja, os genitores se retiram da residência comum, passam cada qual a morar em imóvel distinto e o período de convivência com os filhos são regulamente estabelecidos.

Cuida-se de modalidade que apresenta uma importantíssima vantagem para o filho já que minimiza em parte os efeitos traumáticos da ruptura da união dos genitores na medida em que o ambiente em que a criança sempre viveu permanecerá incólume.

Se o interesse a ser levado em conta por ocasião da fixação da guarda é o do menor, não há dúvida que é este aquele que se revela o mais vantajoso para o infante, protegendo-lhe mais eficazmente os seus interesses.

Para a criança, o sistema nidal evita o revezamento diário, semanal ou quinzenal de residências, mantendo-a em seu lar, em seu espaço, em seu ambiente, cercado de todos os seus pertences, materiais escolares, peças de vestuário, brinquedos, laptops etc. Preservam-se, assim, os seus hábitos, os quais se mostram tão importantes para sua formação.

Mas será que esse sistema se mostra sempre viável?

Em primeiro lugar, para que essa sistemática possa vingar é necessário que os genitores disponham de recursos suficientes para manter não só a respectiva moradia, como também para concorrer com o outro genitor para com a mantença daquela que serve de lar à prole. Sob esse aspecto também não se sustenta o argumento de que no regime nidal não haveria discussões em torno de outorga de pensão alimentícia pois caberia a cada qual dos genitores suportar as despesas do lar que viesse a abrigar os filhos enquanto nele lá estivesse. É que, como sempre ocorre, cada um dos pais deverá concorrer na medida de suas possibilidades para a mantença da prole. Sendo díspares os rendimentos de cada qual, será nessa proporção que a verba alimentar deverá ser estabelecida. É por demais evidente que na guarda nidal essa fixação deve sofrer temperamentos na medida em que ambos os genitores usufruirão do imóvel e dos eventuais serviços prestados e oferecidos no imóvel.

Em segundo lugar, o bem que se prestará de residência aos filhos e, em sistema de revezamento, aos genitores, deverá ser por esses últimos administrado. Regras deverão ser estabelecidas, executadas e observadas. Não poderá, sob esse aspecto, haver graves divergências entre os pais em seus períodos de ocupação. Cada um deles não pode ter a liberdade de impor as suas próprias normas como se em sua casa estivesse, mas, ao contrário, deverá ficar adstrito àquelas pré-estabelecidas com o ex-cônjuge. Por outro lado, a ausência de regras fixas e rígidas, e a não presença diuturna dos pais, poderá levar os filhos - dependendo da idade, por óbvio - a assumir a gestão da casa, comandando-a a seu bel prazer, independentemente da necessária maturidade.

Esse parece ser um ponto bastante sensível e que pode facilmente inviabilizar a nidação.

Em terceiro lugar, – ainda aspecto ligado ao anterior –, as partes terão que convencionar um orçamento e dentro deste se manter inclusive nas ocasiões em que permanecerem no imóvel, tendo o cuidado de não o ultrapassar.

Em quarto lugar, e como se já não houvesse dificuldades bastantes a superar para que o regramento pudesse vingar, – talvez a circunstância que venha a fulminar terminantemente a viabilidade do aninhamento tem-se na constituição de novas famílias pelos genitores. Dificilmente o genitor que contrai novas núpcias deixará a nova família para estar com a antiga prole por vários dias seguidos ou mesmo por uma semana. Parece-me que este será o fim da sistemática nidal. E ainda que fosse possível com ela prosseguir será que os filhos da primeira união não desejariam ter contato com aqueles advindos do segundo casamento ou união estável de um de seus genitores? Seria saudável alijá-los dessa convivência? Como seria por igual benfazejo referendar o afastamento periódico do genitor de parte de sua prole em prol daquela havia de outra união? As respostas que se impõem a esses questionamentos são por óbvio negativas.

A conclusão a que se chega é que a guarda nidal pode ser e é benéfica quando adotada de modo transitório logo após a separação dos genitores, minimizando assim e parcialmente, insista-se, os efeitos traumáticos decorrentes da ruptura havida na célula familiar, permitindo, assim, que a criança possa se adaptar à nova configuração. Mas está longe de ser uma sistemática que possa se mostrar incólume ao decorrer do tempo3.

A jurisprudência admite abertamente essa modalidade de guarda, mas também – nem poderia - a impõe. O quadro abaixo retrata o estágio atual do entendimento de nossos tribunais a respeito da nidação.

(Imagem: Arte Migalhas)

______________

1 A lei 13.058, de 22-12-2014, todavia, ao conferir nova redação ao art. 1.583, § 2º, determina que a custódia compartilhada deva ser, à falta de consenso entre os genitores, necessariamente imposta pelo juiz.

2 Em sentido contrário: “2. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 7. A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. (...). 10. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta — sempre que possível — como sua efetiva expressão” (STJ, REsp 1.251.000, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.08.2011).

3 A New Approach to Nesting in Family Law by Aylward Game AVS.I. 2018, Child Safety Divorce Family Law Blog in A Minuta.

Priscila Corrêa da Fonseca
Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica. Curso de Pós Graduação - Faculdade de Direito da USP. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Paulista de Direito.

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