Há poucos dias, a Americanas agitou o mercado de insolvência com um pedido preparatório e posterior pedido recuperação judicial, em meio a acusações de fraude e várias reviravoltas processuais dignas de folhetim mexicano.
Nem bem estávamos conseguindo acompanhar os desdobramentos do caso Americanas quando, na noite do último dia 1º de fevereiro, surge uma nova notícia para sacudir ainda mais o mercado de insolvência: a Oi S/A distribuiu um “pedido de tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de processo de recuperação judicial”, com vistas à obtenção de novo processo.
Para quem acompanha o mercado telecom – ou ao menos aquele que foi um dos maiores pedidos de recuperação judicial do país - a notícia não chega a ser exatamente uma surpresa.
Desde o início de janeiro era sabido que a Oi procurava alternativas para renegociar suas dívidas e que enfrentava resistência, principalmente, dos credores nacionais. A agência de classificação de risco Fitch Ratings, já no fim do ano, apontava que a Oi possuía dívida com valor de face de R$ 34 bilhões.
Embora a imprensa especializada já cogitasse um novo pedido de recuperação judicial, outras alternativas também eram aventadas, como a recuperação extrajudicial. Dizia-se, então, que a decisão e a tomada de providências ocorreriam em março, mas, ao que parece, a situação da empresa forçou a antecipação de uma medida que protegesse a companhia de seus credores.
A antecipação dos efeitos de um pedido de recuperação judicial é uma das novidades trazidas pela Lei nº 14.112/2020 que acrescentou ao art. 6º da lei 11.101/05 o parágrafo 12, que diz que “Observado o disposto no art. 300 da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”
O pedido, que foi distribuído por prevenção à 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro - onde tramitou a recuperação judicial distribuída em 2016 e encerrada em dezembro de 2022 - tem como objetivos principais a suspensão da exigibilidade de obrigações e dos efeitos de seu inadimplemento e a sustação dos efeitos de eventuais cláusulas de rescisão, retenção ou vencimento antecipado. Pedidos similares àqueles feitos pela Americanas com que, não por coincidência, compartilha a assessoria das mesmas bancas jurídicas.
Agora, credores e operadores do direito e discutem a possibilidade de a Oi pedir “uma RJ da RJ” e questionam a situação dos créditos que se sujeitaram à recuperação judicial anterior, encerrada há pouco mais de um mês.
Com a iminência do pedido, a primeira pergunta que ronda o público é se um segundo pedido de recuperação judicial é possível.
E sim, é.
Mas não é tão simples assim, já que a o art. 48 da lei 11.101/05 impõe requisitos mínimos que o devedor deve preencher para requerer a benesse. No caso de empresas que já tiveram a recuperação judicial concedida, o art. 48, II, da LRF diz que o postulante deve preencher o requisito de “não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial.”
Aliás, uma segunda recuperação judicial sequer é novidade. Em 2021 o Grupo Coesa – que engloba algumas das empresas que pertenceram ao Grupo OAS, que teve seu pedido de recuperação judicial proposto em 2015 e encerrado em 2020 - pediu recuperação judicial. Com isso, algumas empresas do grupo acabaram por figurar em seu segundo pedido.
No caso da Oi, no entanto, o termo a quo para a contagem do prazo de 5 anos tem gerado controvérsia. Enquanto no caso do Grupo Coesa a nova recuperação foi requerida passados mais de 5 anos do último plano aprovado, na recuperação judicial da Oi houve posterior aprovação de aditivo, homologado mais de dois anos após a sentença que concedeu a recuperação judicial.
Questiona-se, assim, se seria considerada a data da sentença que concedeu a recuperação judicial, homologando o primeiro plano aprovado, ou se seria considerada a data em que foi homologado o último aditivo aprovado pelos credores.
O prazo, se contado a partir da sentença que concedeu a recuperação judicial com a primeira aprovação, sequer foi alcançado já que, segundo ressalvado no pedido liminar a carência de 5 anos se encerraria no próximo dia 5 de fevereiro – daí uma das justificativas para o pedido de antecipação, ante à alegada urgência da medida.
Contudo, no caso da Oi foram apresentados aditivos após à concessão da recuperação judicial, sendo que o último aditivo foi homologado em 5 de outubro de 2020. Diante disso, muitos especialistas defendem que este seria o termo inicial da contagem do prazo de 5 anos - que não teria decorrido, encerrando-se apenas em outubro de 2025 – pois esse último aditivo representaria as obrigações em vigência da companhia.
Entre defesas e debates, fato que o artigo 48, II da LRF fala em “concessão” da recuperação judicial, sem qualquer ressalva à aprovação de posteriores aditivos.
E mais, o art. 58 da lei 11.101/05 diz que ocorrerá a “concessão”, quando não houver objeção ao plano de recuperação judicial, ou este for aprovado pela assembleia-geral de credores – mais uma vez, nenhuma menção à alteração do plano por meio de aditivos.
Daí já é possível depreender que, para o legislador “concessão” – inclusive para fins da contagem do prazo de 5 anos – é aquela que ocorre no momento da aprovação do primeiro plano de recuperação judicial, com a prolação da sentença de que tratam os arts. 58 e 59, § 1º, da LRF.
Embora não haja precedente específico para o caso de novo pedido de recuperação judicial, a Terceira Turma do STJ já reconheceu, por meio do REsp 1.853.347, que “A apresentação de aditivos ao plano de recuperação judicial pressupõe que o plano estava sendo cumprido e, por situações que somente se mostraram depois, teve que ser modificado, o que foi admitido pelos credores. Não há, assim, propriamente uma ruptura da fase de execução, motivo pelo qual inexiste justificativa para a modificação do termo inicial da contagem do prazo bienal para o encerramento da recuperação judicial.”
Esse entendimento, que foi utilizado, inclusive, na decisão que determinou o encerramento da primeira recuperação judicial e reforça a ideia de que o legislador e o Poder Judiciário entendem como “concessão” a homologação do primeiro plano de recuperação judicial. Obviamente, essa questão será objeto de discussão por parte dos credores e, a partir daí, novos entendimentos podem surgir.
E o debate não para por aí.
Credores e especialistas questionam se os credores concursais da primeira recuperação judicial sofreriam um “deságio sobre o deságio”, considerando-se aquele já aplicado no primeiro procedimento recuperacional – seriam, como algumas pessoas do mercado têm chamado, os “super concursais”.
A resposta, à luz da letra da lei, não é muito animadora para os credores. É sabido que o art. 59, caput, da lei 11.101/05 preconiza a novação dos créditos abrangidos pelo plano de recuperação judicial aprovado e a criação de um novo título executivo.
E a novação, consoante o art. 360, I, do Código Civil, cria uma nova dívida, com novas obrigações, que extingue e substitui as anteriores.
Sendo assim, tendo em conta que o art. 49 da LRF é cristalino ao dizer que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, a resposta a esse questionamento chega a ser até um pouco óbvia – na nova recuperação judicial serão incluídos os créditos novados pela recuperação judicial anterior, em suas novas configurações, sendo passíveis de sofrerem novo deságio.
E embora essa sujeição possa parecer “injusta” e “imoral” para alguns - dando uma sensação de institucionalização do calote, especialmente se considerado o exíguo lapso temporal entre o encerramento da primeira RJ e a distribuição da tutela cautelar antecedente - a verdade é que a legislação falimentar, tal como está hoje, fornece à companhia todas as ferramentas para executar tal manobra, por mais abusiva que ela possa parecer. E pior, deixa os magistrados sem margem para muitas ginásticas hermenêuticas.
Agora é esperar que, em meio à guerra que se formará entre os atores do processo, a questão chegue aos Tribunais Superiores formando jurisprudência sobre o assunto ou, quiçá, em um cenário mais otimista, que leve à alteração da lei 11.101/05 para limitar a utilização do instituto da recuperação judicial evitando a perpetuação do inadimplemento.