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A constitucionalidade das cláusulas pétreas implícitas

Uma dissertação dobre a versatilidade de se expandir a imutabilidade de artigos constitucionais com a finalidade de evitar retrocesso social.

30/1/2023

Após a Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se um paradigma de proteção da dignidade da pessoa humana, com o intuito de coibir as atrocidades ocorridas nos conflitos. Nesse diapasão, as Cartas Magnas das nações foram, gradativamente, abrangendo direitos fundamentais e sociais. Por conseguinte, grande parte dos juristas começou a questionar a mutabilidade das constituições para evitar retrocessos sociais. Ou seja, deveria haver um mecanismo específico para petrificar a Carta Magna de determinado país para gerar a segurança jurídica, com efeitos erga omnes. Assim, foram aprovadas as cláusulas pétreas, instituídas pelo poder constituinte originário, permitindo a ação reformista. com ressalvas ao núcleo essencial do Direito.

Outrossim, especificamente no Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu Artigo 60, inciso 4º, o rol de cláusulas pétreas explícitas como:  a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Contudo, é cediço que este rol explícito coaduna com um leque restrito de possibilidades em relação aos 250 artigos inseridos na Constituição. Consequentemente, foi necessária a aceitação, pelos doutrinadores, da relativização do rol das cláusulas pétreas, com inclusão equiparada de direitos fundamentais denominadas de cláusulas pétreas implícitas. Nessa perspectiva, para se exemplificar, pode-se equiparar às cláusulas pétreas o artigo 150 da Constituição Federal, que se refere às limitações ao poder de tributar, vinculando as garantias individuais do cidadão contribuinte.

Nesse contexto, é notória a importância do Direito tributário na blindagem da Constituição, uma vez que são imprescindíveis as imunidades para que permaneçam intactas as relações jurídicas individuais e coletivas. Explicando melhor, quando se declara a imunidade de um partido político, fundação, ou entidade sindical, por exemplo, está, na verdade, protegendo o pluralismo político e a democracia, considerados cláusulas pétreas. Além disso, a imunidade do artigo 150 da Constituição está presente no acesso à cultura, à educação e à informação (direitos e garantias individuais), protegendo da tributação os livros, os jornais, as obras, entre outros. Destarte, infere-se que, mesmo não estando especificados no rol de cláusulas pétreas explícitas, podem ser consideradas cláusulas pétreas implícitas, sem prejuízo da imutabilidade descrita pelo poder constituinte originário.

Todavia, muitos juristas destacam que os direitos sociais dos artigos 6º ao 11º não foram incluídos nesse rol supracitado e alegam perigo de retrocesso social para com a sociedade brasileira, uma vez que foram promulgadas Emendas Constitucionais questionáveis como a Reforma Trabalhista de 2017 e a Reforma da Previdência de 2019. Nessa toada, após muitas propostas de Ações de Inconstitucionalidades (ADI), estima-se que muitos artigos foram julgados inconstitucionais, pois geravam prejuízo aos trabalhadores hipossuficientes com visível retrocesso social.

Nessa linha de argumentação, há ainda uma cláusula pétrea implícita no Direito Penal denominada inimputabilidade etária, que protege a dignidade da criança e do adolescente. Segundo a Carta Magna de 1988, no artigo 228 “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". Ou seja, a irresponsabilidade penal é uma garantia positiva de liberdade, além de ser uma garantia negativa do Estado que é impedido da persecução penal do menor em juízo. Nesse contexto, no Congresso Nacional, já ocorreram várias tentativas de Emenda Constitucional com a finalidade de retirar a inimputabilidade etária da Constituição, todavia a cláusula pétrea implícita continua intacta.

Finalmente, como já foi citado anteriormente, a forma federativa do Estado é uma cláusula pétrea explicita, entretanto, a forma republicana de Governo não. Nesse prisma, o legislador determinou que poderia haver plebiscitos para se averiguar a possibilidade de ser o Brasil uma república ou monarquia. Destarte, o Estado Democrático de Direito mantém o núcleo essencial da participação da população, sem perder a soberania da República Federativa brasileira,

Diante do exposto, há uma linha tênue na hermenêutica da Constituição em relação às cláusulas pétreas implícitas e explícitas, uma vez que deve haver um equilíbrio ao se engessar mudanças nos Direitos Fundamentais. Em outras palavras, se houver aumento de cláusulas pétreas, pode ocorrer risco das normas não se adaptarem as mudanças axiológicas da sociedade, gerando atraso social para o coletivo.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT 15 e TRT 6 de 2022 e estuda pós graduação na Damásio.

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