Ao longo do tempo, diversas inovações surgiram para acompanhar as demandas dos esportes por uma competição mais justa e com melhores condições de desempenho para os próprios atletas. Nas últimas quatro Copas do Mundo, diversas inovações foram lançadas e, inclusive, aderidas a competições menores como resultado dos tamanhos efeitos positivos que trouxeram para esse esporte.
Ao se pensar no âmbito das patentes, muitos remetem imediatamente à proteção de tecnologias complexas principalmente relacionadas às áreas farmacêutica, de telecomunicações, biotecnologia, processos industriais, robótica, dentre outras. O que poucos não sabem é que até mesmo uma bola de futebol, aparentemente simples, pode envolver uma tecnologia tão inovadora que seja passível de proteção por patente de invenção.
Em 2010, a bola de futebol projetada para a Copa do Mundo da África do Sul causou inúmeras polêmicas e repercussões entre as sociedades esportivas e os próprios jogadores. A famosa bola “Jabulani”, que teve sua tecnologia patenteada pela empresa Adidas, foi concedida pelo Escritório Norte-Americano de patentes sob o número US 8,529,386, sendo que na referida patente, a Jabulani é descrita como uma bola com tecnologia capaz de aprimorar as propriedades de contato tanto entre a bola e a chuteira do jogador como também com o ar, trazendo mais precisão nos lances das partidas da competição mais esperada do mundo.
No entanto, apesar da tecnologia da Jabulani ter sido considerada patenteável em vista de atender aos requisitos de patenteabilidade do Escritório de patentes Norte-Americano, na prática, durante os jogos da Copa de 2010, os efeitos técnicos prometidos por essa tecnologia não foram alcançados e causaram grandes frustações aos jogadores da competição.
Neste sentido, vale ressaltar que o processamento da patente correspondente à tecnologia oferecida pela Jabulani não sofreu qualquer alteração, uma vez que os escritórios de patentes se responsabilizam estritamente pela análise de patenteabilidade da invenção, isto é, se ela cumpre com os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, foi implementada uma inovação bastante relevante conhecida como “tecnologia de linha de gol”. Esta tecnologia tinha como objetivo eliminar a inconsistência em análises críticas quanto a bola estar dentro ou fora do gol e foi um marco para o futebol, pois pela primeira vez árbitros teriam algum auxílio tecnológico para a tomada de decisões.
Dentre as tecnologias inicialmente licenciadas pela FIFA com este objetivo, podemos destacar a invenção apresentada patente alemã DE 102008052215.5 (Cairos-Adidas), em 17 de outubro de 2008, consistindo em uma bola com espuma em seu interior e um sensor de campo magnético, posicionado no centro de gravidade da bola para medir um campo magnético proveniente de emissores posicionados nas traves do gol.
Entretanto, devido aos altos custos associados à produção e problemas com sua precisão, esta não foi a tecnologia implementada para a Copa do Mundo de 2014. Em seu lugar, utilizou-se uma outra tecnologia, também licenciada pela FIFA, conhecida como GoalControl 4D, revelada no pedido de patente alemão DE 102011120368 de 13 de junho de 2013, que se trata de um sistema que apresenta uma pluralidade de câmeras monitorando um plano de linha de gol, de modo que as câmeras de alta frequência são capazes de capturar de 1.000 a 4.000 imagens por segundo. Esse alto número de imagens por segundo garante que uma bola, mesmo em alta velocidade, seja detectada pelas câmeras em qualquer situação.
Na Copa da Rússia em 2018 foi implementada uma tecnologia que até hoje proporciona intensa repercussão: o árbitro de vídeo, mais conhecido como VAR (Video Assistant Referee). Estar mal posicionado, nem que seja um centímetro à frente do último zagueiro adversário, pode ser crucial para a anulação de um gol por impedimento e devido às limitações da análise humana, tal fato muitas vezes não era detectado e seguia de acordo com a decisão do árbitro de campo.
Desse modo, a inserção desta tecnologia nas partidas de futebol mudou completamente o ritmo de jogo, pois permitiu que erros de arbitragem em jogadas decisivas, como contatos passíveis de cartão vermelho, gols anulados ou impedimentos não marcados, pudessem ser revistos e modificados pelo árbitro de campo.
Apesar de ter sido efetivamente adotada apenas na competição de 2018, essa tecnologia já havia sido publicada por meio do pedido de patente internacional nº WO 2001/041884 A1. Neste pedido, usando críquete como exemplo, é descrito como as imagens de quatro câmeras de vídeo podem ser usadas para mapear e prever com precisão a trajetória de voo de uma bola e se ela interagiu ou interagiria com quaisquer recursos, por exemplo, a última linha da defesa adversária.
Outra grande inovação que marcou a Copa do Mundo da Rússia, foi o Sistema de Rastreamento e Performance Eletrônico (em inglês, EPTS). Trata-se de um sistema que com o auxílio de um sensor fixo em cada jogador da partida, coleta dados extremamente precisos da performance individual dos atletas que podem ser analisados, em tempo real, pelos técnicos das seleções participantes da competição através de um tablet. Dentre os fatores quantificados estão número de passes (certos ou errados), finalizações, velocidade, entre outros.
Na Copa do Mundo de 2022, no Qatar, surgiram novas promessas de tecnologias na competição. São tecnologias significativas que transcenderam o campo de jogo e possuem potencial de beneficiar também torcedores no estádio e o setor imobiliário.
Devido às altas temperaturas da cidade que sediou a Copa de 2022, Saud Abdulaziz Abdul Ghani, mais conhecido como “Dr. Cool”, desenvolveu um sistema de refrigeração que utiliza energia solar para resfriar o ar dentro dos estádios. Apesar de já ser conhecido o uso de sistemas de refrigeração em estádios de futebol, os organizadores deste grande evento alegam que a tecnologia desenvolvida pelo Dr. Cool é em torno de 40% mais sustentável que aquelas existentes. Esse sistema permitiu que a temperatura, tanto para os jogadores quanto para os torcedores, se mantivesse a 21ºC, proporcionado por jatos de ar localizados na lateral do campo e sob os assentos na arquibancada. Além disso, a tecnologia desenvolvida por Saud promoveu ainda uma limpeza do ar, garantindo um ar mais limpo e puro e evitando, por exemplo, que pessoas alérgicas sofressem dificuldades ao assistir as partidas.
Além do sistema de refrigeração, foi desenvolvido um estádio com estrutura desmontável, que permite que o terreno seja reutilizado após o fim da competição. O estádio 974 no Qatar, criado pelos arquitetos espanhóis do escritório Fenwick Iribarren Archictects, em conjunto com os engenheiros estruturais da empresa Schlaich Bergermann, é o primeiro no mundo a apresentar uma estrutura construída a partir de contêineres de navios de carga.
O número 974 advém da quantidade de contêineres reciclados utilizados em sua construção: com 40.000 cadeiras e localizado próximo ao porto de Doha, este estádio será desmontado e reconstruído em outro local após o fim da copa do Qatar, o que o torna extremamente sustentável.
Adicionalmente, cabe ressaltar que, ao contrário de estádios em locais mais quentes do país, o 974 não contará com um sistema de refrigeração artificial, devido a sua proximidade com o mar. Dessa forma, o formato do estádio e os vãos entre os assentos foram projetados de modo a facilitar a ventilação natural.
Outra tecnologia também efetivada na Copa do Qatar é a que permite a detecção automática de um lance impedido. Através de um sensor presente na bola e um sistema de Inteligência Artificial consistindo em 12 câmeras montadas sob o telhado dos estádios, foi possível compilar dados capazes de detectar a posição absolutamente precisa tanto da bola, quanto do jogador em um possível lance de impedimento. O sistema conta ainda com 29 pontos monitorados no corpo de cada jogador de futebol, o que, associado às outras citadas características, permitiu a redução no tempo e um aprimoramento na acurácia da avaliação desse critério.
Graças às tecnologias supracitadas, o mundo do futebol conta com partidas cada vez mais precisas e bem estruturadas, de modo que atletas, torcedores e até mesmo o meio ambiente sejam beneficiados. Assim, fica evidente que, até mesmo para um esporte tão antigo quanto o futebol, sempre há espaço para inovação e criatividade.
Neste sentido a tendência para as próximas edições da maior competição de futebol do mundo é que, com a consolidação de novas tecnologias como, por exemplo, nas telecomunicações (como o 5G ou 6G) e em nanotecnologia (estrutura da bola), novas grandes inovações decorrentes dessa evolução também sejam incorporadas no mundo do futebol.