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Da possibilidade de responsabilização civil em caso de violação aos direitos da intimidade

O dever de reparação civil existirá quando for o caso de violação aos direitos da intimidade, privacidade e inviolabilidade domiciliar.

12/12/2022

Inseridos como direitos e garantias constitucionalmente fundamentais, a intimidade e a privacidade são invioláveis, conforme bem previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Seguindo a mesma linha dos supracitados conceitos principiológicos, o direito a inviolabilidade de domicílio define que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Quanto a isto, “a íntima conexão da garantia da inviolabilidade do domicílio com a esfera da vida privada e familiar lhe assegura um lugar de honra na esfera dos assim chamados direitos da integridade pessoal”.

Não se nega a possibilidade de circulação livre de qualquer pessoa, até mesmo por tal direito ser constitucionalmente assegurado, ao teor do previsto no art. 5º, XV, da CF/88, mas, ocorre que o seu exercício deve ser realizado justamente e razoável.

Em síntese, é preciso que tal direito seja exercido de modo a respeitar a dignidade em relação à vida privada, porquanto “[…] garantem uma salvaguarda ao espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, e contra flagrantes arbitrariedades”.

A título exemplificativo, cito a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que corrobora com a linha de pensamento até então exposta, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITO DE INFORMAÇÃO, EXPRESSÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE INFORMAÇÃO. AGRAVO INTERNO PROVIDO.

[…]

2. "A liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" ( REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe de 12/03/2013).

[…]

4. Agravo interno a que se dá provimento.

(STJ - AgInt no AREsp: 674270 SP 2015/0044996-0, Data de Julgamento: 23/08/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2022)

Em caso de violação, vale lembrar que é possível o ajuizamento de ação indenizatória, seja por danos morais ou até mesmo materiais, visto que o art. 5º, X, da CF/88, assegura a vítima o direito de indenização decorrente de eventual descumprimento.

Tal possibilidade decorre de uma garantia adicional do direito à privacidade, em consonância ainda com as premissas do exame da liberdade de expressão.

É importante destacar que nos primórdios não existia previsão que assegurasse a alternativa de propositura de ação reparatória, visto que “[n]o caso da evolução constitucional brasileira, foi apenas na CF que a proteção da vida privada e da intimidade foi objeto de reconhecimento de modo expresso”.

Nesse contexto, para a verificação de uma possível responsabilidade civil, deve existir a presença do chamado nexo de causalidade, pois o objetivo da tutela normativa é o resguardo do conceito social representado pela estima moral e boa imagem daqueles que buscam honram.

É que “[s]ó há direito onde há cogência dos preceitos normativos, ou seja, onde é possível impor dever jurídico e assegurar seu cumprimento ou suas consequências a quem tenha violado o dever”.

Assim, conclui-se, portanto, que o dever de reparação civil existirá quando for o caso de violação aos direitos da intimidade, privacidade e inviolabilidade domiciliar.

_________________

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no AResp. 674270/SP. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201500449960&dt_publicacao=31/08/2022/. Acesso em: 14 set. 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.html. Acesso em 14 set. 2022.

MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021, p. 32.

MORAES, Alexandre D. Direito Constitucional. Grupo GEN, 2021. E-book. ISBN 9788597027648. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597027648/. Acesso em: 14 set. 2022.

SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional: Editora Saraiva, 2022. E-book. 9786553620490. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620490/. Acesso em: 14. set. 2022

Caio Almeida Monteiro Rego
Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados. Pós-graduando em Direito Civil pela PUC/MG.

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