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A inscrição para o FIES e a restrição ilegal da nota do ENEM constante na portaria expedida pelo FNDE e MEC

A necessidade de intervenção do Judiciário para garantir a hierarquia das leis federais de regência do FIES em face das portarias ministeriais restritivas do direito de acesso ao ensino superior através do financiamento estudantil.

8/12/2022

É crescente o número de indeferimento de inscrições no FIES em face da exigência de nota corte ENEM para efetivação do financiamento estudantil, sendo considerável o ajuizamento de demandas judiciais para efetivar o direito do estudante.

Como é sabido, a pré-seleção do estudante se dá através de processo seletivo realizado em sistema informatizado próprio - Sistema de Seleção do Fies - FiesSeleção, gerenciado pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação - SESu/MEC e independe de aprovação em processo seletivo próprio da instituição para a qual o CANDIDATO pleiteia uma vaga.

Isso significa que a inscrição no FIES não depende de aprovação em processo seletivo da universidade que se quer a vaga, sendo o processo de inscrição o próprio processo seletivo desde o ano de 2015.

Acerca das regras do MEC/FIES para inscrição, seleção e efetivação da contratação, podemos dizer que se trata de tema complexo, com incidência da lei Federal FIES, além de diversas portarias posteriores que, infelizmente, trouxeram restrições aos estudantes para acesso ao ensino superior através do financiamento estudantil e que estão sendo objeto de intervenção do Judiciário em todo o país.

O fato é que as legislações federais do FIES, lei 10.260/01 e lei 12.202 de 2010 não criam óbice para concessão do financiamento público no caso do Estudante em face de nota do ENEM, mas veda participação apenas daqueles que estejam inadimplentes com o programa social.

Ocorre que, posteriormente às legislações federais, cumuladas com os editais de abertura de seleção para inscrição FIES ao longo dos anos, foram editadas diversas Portarias que impõem nota de corte pela universidade no processo seletivo do FIES apesar da nota do ENEM do estudante obedecer aos requisitos mínimos.

Assim, é evidente a restrição infralegal em desfavor do acesso pelo estudante ao ensino superior, em total arrepio ao direito da educação previsto na Constituição Federal (ARTIGOS 23, V, 193, 196, 205, 206, 208).

Em que pese o art. 3º da lei 10.260/11 estabelecer que a gestão do FIES cabe ao MEC que editará regulamento dispondo sobre as regras de seleção de estudantes a serem financiados, deve-se destacar que os requisitos fixados não podem  extrapolar os limites estabelecidos pela própria legislação de criação do FIES, sob pena de violação ao princípio da legalidade e do acesso a educação previstos expressamente na Constituição Federal.

Na quase totalidade dos casos, o estudante preenche todos os requisitos legais, com participação no Enem a partir da edição de 2010, nota no Exame válida até o momento anterior à abertura das inscrições, notas mínimas obtidas nas provas, inclusive, na de redação, com nota superior a 0 (zero), não participou no referido Exame como "treineiro", além de possuir renda familiar mensal bruta per capita de até 3 (três) salários mínimos.

Dessa forma, em caso de indeferimento do prosseguimento da inscrição ou efetivação do contrato de financiamento estudantil, é imperiosa a submissão do caso ao Judiciário para análise das normas postas em discussão sobre o tema e salvaguarda do direito do estudante, notadamente no curso de Medicina.

Salienta-se que a nota de corte poderia até ser aceita, uma vez que analisa o mínimo de conhecimento adquirido pelo estudante, entretanto, a exigência de uma nota de corte elevada é abusiva, impondo mais uma exigência ao estudante que já enfrentou processo seletivo anterior do ENEM, com avaliação do seu conhecimento técnico perante os demais concorrentes e obtenção de nota mínima em todas as matérias, com a qualificação de aprovado no exame.

A exigência de nota elevada de corte para a concessão do financiamento estudantil, além de não ter previsão na legislação federal, desrespeita, inclusive, a questão das diferenças regionais na qualidade do ensino, para obtenção do FIES, indo de encontro com o escopo do programa e o acesso ao ensino superior garantido constitucionalmente no artigo 205 da CF/88.

Uma vez atendidos os requisitos mínimos de nota no ENEM, a exigência de nova média aritmética e, ainda, nota de corte da universidade para fins de pré-seleção e formalização do contrato FIES, acaba por anular as chances do estudante em um resultado final positivo, em uma verdadeira violação ao Princípio da Vedação do bis in idem e representará, ainda, outra coisa senão a verdadeira perda de uma chance do estudante na pré-seleção para vaga FIES no curso de ensino superior.

Assim é que, na prática, a intervenção judicial para fins de viabilizar a inscrição no FIES tem sido a única saída para os estudantes, com geração de processo para execução das normas federais que regem o FIES e afastamento das restrições fixadas via Portarias, sendo o tema controvertido, com decisões diversas, mas bastante jurisprudência a favor em todo o país.

Milena Cintra
Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Educacional e FIES. Pós Graduada em Direito Público. Atualmente desempenhando também função de juíza leiga na Comarca de Salvador.

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