Na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP 27, o financiamento climático inspira as reações mais extremas. Há quem afirme que se trata de uma mina de ouro, porque estamos à beira de uma revolução dos métodos produtivos, análoga a uma nova revolução industrial. O entusiasmo é gritante, estamos vivendo um momento único, uma reviravolta no modo de produzir e de viver. Quem estiver dentro chegará ao pote de ouro no final do arco-íris. Quem não estiver estará condenado à pré-história.
Mas o dinheiro tarda a fluir na velocidade e no volume que se espera. No âmbito da cooperação internacional, a promessa dos países desenvolvidos de investir ao menos 100 bilhões de dólares anualmente jamais foi cumprida. E agora precisamos multiplicar esse valor por 25 para chegar aos 2,4 trilhões de dólares em cooperação internacional necessários para a transição energética nos países emergentes. O investimento doméstico em economia de baixo carbono também fica muito aquém do esperado para se alcançar as metas fixadas no Acordo de Paris.
O que falta para o dinheiro chegar? Sobram opiniões sobre o assunto na COP, mas há uma relativa convergência do que precisamos para deslanchar o financiamento dessa agenda verde. Não é pouco.
Do que precisamos
Primeiro, e mais do que tudo, a regulação é apontada como um requisito para conferir estabilidade, diminuir risco e garantir longevidade das políticas. Não necessariamente uma regulação com mecanismos cogentes, como “cap and trade” ou a tributação do carbono, que criariam na marra um mercado interno ou internacional de carbono. Mais importante é estabelecer uma regulação apta a garantir segurança jurídica para a realização dos negócios e o funcionamento dos mecanismos de mercado (e de financiamento) de que o setor financeiro precisa para empregar seus recursos (por exemplo, aqueles que garantem credibilidade e qualidade dos créditos de carbono).
Em segundo lugar, o desenvolvimento de capacidades — ou o conhecimento — é identificado como uma condição para avançar rapidamente os financiamentos. O entendimento amplo sobre o problema, suas dimensões e soluções, permitirá que os investimentos acelerem e sejam mais eficientes para frear o aquecimento global. Basta circular nos corredores da COP para ver que cada um dos temas é um universo em si — e que o conhecimento que circula na conferência chega com dificuldade aos atores sociais que tomam decisões, seja no governo ou na iniciativa privada. Quadros técnicos com expertise e capacidade de execução são raros e disputados, o que é identificado por muitos atores como um limite para a expansão rápida dos negócios e dos investimentos.
Em terceiro lugar, é necessária a concorrência de outros atores, especialmente dos bancos nacionais de desenvolvimento. Os NDBs são indispensáveis para deslanchar os projetos, seja na estruturação de projetos de qualidade, em mecanismos de redução de riscos (derisking), seja ainda no oferecimento de garantias e de crédito acessível e abundante.
É preciso ainda que outros atores privados atuem conjuntamente para a redução de riscos e para inovar no investimento em áreas onde o risco é elevado ou em que o mercado financeiro não costuma ir. Para o primeiro caso, a academia é essencial para estabelecer critérios científicos daquilo que é efetivo na descarbonização e tem os resultados esperados. É o caso da filantropia, que tem financiado projetos inovadores e disruptivos.
Finalmente, é necessário viabilizar parcerias para empreendimentos mistos, que combinem interesses públicos e privados. A gestão de bens públicos ou de atividades de interesse público já conta largamente com a concorrência de atores privados. Parcerias público-privadas são um instrumento poderoso para criar empreendimentos estáveis, com a escala e o tempo necessários para a certificação do carbono e o seu financiamento.
O Brasil tem muita experiência em arranjos inovadores (e juridicamente estáveis) entre atores privados e públicos. Esse conhecimento pode ser utilizado para financiar projetos, revolucionar processos produtivos e, finalmente, nos permitir atingir o volume, a velocidade e a eficiência de descarbonização de que precisamos.
Para além do interesse econômico
O financiamento dedicado à descarbonização deve também endereçar outras questões associadas às mudanças climáticas, como a preservação dos recursos hídricos e da biodiversidade, a redução da desigualdade, a cooperação internacional e a promoção do desenvolvimento sustentável. O atendimento desses outros interesses também tende a ser facilitado pela presença de políticas públicas para além do mero interesse econômico.
Não é fácil, mas está longe de ser impossível. Tampouco é uma situação a que o setor financeiro não esteja acostumado: os investimentos a serem dirigidos para a economia verde não representam mais do que 1% a 2% do investimento global. Além disso, não possuímos um plano B aceitável. O que não tem remédio, remediado está: é hora de implementar, e os agentes econômicos começam a estar cientes de que não há risco maior do que a inércia