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The good, the bad, the ugly: as emoções (e o faroeste) na regulação do novo marco das ferrovias

Muitos pontos da legislação que necessitam de regulamentação ainda não foram plenamente contemplados pelas normas já apresentadas pelo executivo federal e pela ANTT.

18/11/2022

O Ministério da Infraestrutura publicou decreto que regulamenta o novo marco das ferrovias. A norma apresenta boas disposições, mas também tem pontos problemáticos e omissões relevantes. Nesse cenário, a ANTT tem em suas mãos a relevante missão de incrementar a segurança jurídica do setor.

The good: quais são as boas novidades?

O principal ponto que vem sendo destacado como positivo na regulamentação do novo marco das ferrovias decorre do detalhamento dos procedimentos e condições para viabilizar a devolução de trechos subutilizados na malha ferroviária concedida bem como para processamento de pedidos de autorização pela ANTT.

No que diz respeito às ferrovias exploradas em direito público, algumas disposições relevantes foram acrescidas.

Merece especial menção a consagração do direito das concessionárias ao reequilíbrio econômico-financeiro, quando estas provarem que houve desequilíbrio decorrente da outorga de à pessoa jurídica concorrente, de forma a caracterizar a operação ferroviária em mercado logístico competitivo. A regulação indica ainda que a recomposição, de acordo com o disposto na legislação e no próprio contrato de concessão, poderá ocorrer por I - redução do valor de outorga; II - aumento do teto tarifário; III - supressão da obrigação de investimentos; IV - adaptação do contrato V - ampliação de prazo contratual ou ainda, VI - indenização.

Também destaco as regras que buscam garantir que obrigações e direitos firmados contratualmente entre usuário investidor e a operadora ferroviária estendem-se a seu eventual sucessor, tendo sido prevista de forma expressa a possibilidade de investimento para aquisição de material rodante.

De outro lado, algumas disposições de simplificação dos processos de autorização também são louváveis. Destaco em especial (i) a dispensa de nova autorização para ampliação de ferrovias outorgadas em regime de direito privado quando o total das extensões dos trechos ferroviários adicionais for igual ou inferior à da ferrovia originalmente autorizada e não ultrapassar trezentos quilômetros e a (ii) delegação de competência à ANTT para que regulamente os procedimentos necessários à emissão de declaração de utilidade pública para desapropriação dos bens imóveis relacionados às autorizações ferroviárias, dispositivo cuja efetividade dependerá da existência de quadros suficientes para que os processos de desapropriação sejam conduzidos por esta agência.

The bad: em que pontos o decreto peca?

A regulamentação do processo de chamamento público para devolução de trechos apresenta alguns pontos problemáticos.

O primeiro deles é a ausência de critérios objetivos que possam conferir segurança jurídica para verificação da ociosidade de trechos que ainda estão vinculados às concessões vigentes. A questão é mais dramática nos contratos mais antigos e que ainda não passaram por modernização de regime jurídico no bojo das prorrogações antecipadas. As métricas de performance desses contratos são desarrazoadas e desproporcionais e eventualmente poderiam gerar pedidos de devolução injustificados, em prejuízo da segurança jurídica dessas concessões.

Outro ponto preocupante deriva de um dos pontos positivos do decreto. Como disse acima, é relevante a expressa previsão da possibilidade de as operadoras ferroviárias receberem investimentos de usuários investidores na infraestrutura ferroviária outorgada para aquisição de material rodante.  Contudo, a aparente determinação de reversibilidade de tais ativos choca-se com a disposição literal do art. 16, §5º do Novo Marco das Ferrovias, que indica que “ os bens decorrentes de expansão ou de recuperação da malha ferroviária custeados pelos investimentos de que trata o caput deste artigo, salvo material rodante, devem ser imediatamente incorporados ao patrimônio inerente à operação ferroviária, não sendo devida, nem ao usuário investidor, nem à operadora ferroviária, qualquer indenização por parte da União, por ocasião da reversão prevista no contrato de outorga”.

Por fim, não restou claro na regulamentação como se pretende regulamentar o compartilhamento de infraestrutura no caso da malha autorizada. Em disposição com talento para desagradar gregos e troianos, estipulou-se tão somente que “os contratos de adesão poderão conter cláusulas específicas, prevista a obrigatoriedade de compartilhamento da malha ferroviária, conforme diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Infraestrutura ou a pedido da autorizatária”.

The ugly: os remédios amargos e as questões (ainda) sem solução

Muitos pontos da legislação que necessitam de regulamentação ainda não foram plenamente contemplados pelas normas já apresentadas pelo executivo federal e pela ANTT. Para exemplificar, é urgente que sejam tratados os temas da (i) adaptação de concessões para autorizações, que apesar de terem sido tratadas tiveram uma disciplina bem tímida; (ii) disciplina mais robusta sobre a devolução de trechos, e não somente no contexto de chamamento público para autorizações e ainda (iii) estabelecimento da dinâmica de autorregulação, tão relevante para redução do fardo regulatório no setor.

De outro lado, alguns remédios amargos merecem discussão mais aprofundada. Em especial, muito se discutiu sobre o que deveria ser feito para evitar pedidos aventureiros e descompromissados.

A resposta do decreto a este risco ocorreu com a determinação que as ferrovias que não obtiverem licença ambiental prévia no prazo de 3 anos, licença ambiental de instalação no prazo de 3 anos e licença ambiental de operação no prazo de 10 anos terão sua autorização cassada, admitindo-se prorrogação pela ANTT mediante justificativa.

A pergunta (não retórica) que faço a você, leitor, é se esse remédio será suficiente para evitar as ferrovias de papel.

Mariana Avelar
Membra da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

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