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Exceções aos direitos autorais. Quais são os limites para as citações?

Em síntese, as limitações aos direitos autorais não podem ser interpretadas de maneira irrestrita.

10/11/2022

São consideradas obras autorais as criações do espírito, desde que sejam expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte.  A proteção da obra autoral nasce no momento de sua criação, independe de registro e perdura por 70 anos contados a partir de 1° de janeiro do ano subsequente ao falecimento de seu autor ou ao de sua divulgação, dependendo da modalidade da obra.

A Lei de Direitos Autorais1 confere ao autor os chamados direitos morais e patrimoniais. Os primeiros são aqueles de natureza pessoal, perpétuos e irrenunciáveis, e tem como finalidade garantir a preservação do vínculo pessoal do autor com a sua obra (arts. 22 e 24 da LDA). Já os direitos patrimoniais estão relacionados à exploração econômica da obra, conferindo ao autor o direito de dispor de forma exclusiva de sua criação (arts. 28 e 29 da LDA), incluindo, por exemplo, o direito de impedir a reprodução integral ou parcial da obra por terceiros.

No entanto, da mesma forma que a lei tutela os direitos autorais, ela impõe também certas limitações ao exercício desses direitos (Capítulo IV). Não será, portanto, qualquer uso da obra que dependerá de autorização do seu titular.  Como explica o Professor Leonardo Macedo Poli2, “cada uma das limitações previstas na LDA decorrem da recepção legal de um ou outro princípio constitucionalmente garantido”, como, por exemplo, ao “direito à intimidade e à vida privada” ou “cultura, educação e ciência”.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em diversas ocasiões sobre tais limitações e a sua relação com a ponderação de princípios constitucionais. Ao julgar o RESP 1.380.341 – SP, por exemplo, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que “o âmbito de proteção efetiva do direito à propriedade autoral ressai após a consideração das limitações contidas nos arts. 46, 47 e 48 da lei 9.610/98, interpretadas e aplicadas de acordo com os direitos e garantias fundamentais, e da consideração dos próprios direitos e garantias fundamentais. Valores como a cultura, a ciência, a intimidade, a privacidade, a família, o desenvolvimento nacional, a liberdade de imprensa, de religião e de culto devem ser considerados quando da conformação do direito à propriedade autoral”. Posicionamento semelhante a esse já tinha sido manifestado pelo Ministro anos antes ao julgar o REsp 964.404-ES.

Especificamente para as hipóteses de citações, a lei traz duas exceções aos direitos de autor , nos incisos III e VIII do art. 46,3. O inciso III permite a citação de passagens de qualquer obra desde que para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir. Já o inciso VIII admite a reprodução “de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”.

Em que pese o legislador tenha tido a intenção de detalhar tais exceções, fato é que o texto legal deixa algumas brechas que podem trazer dúvidas para a aplicação dos dispositivos e faz com que a interpretação das limitações deva sempre levar em conta o caso concreto. As principais dúvidas quanto às exceções em destaque se referem à (i) extensão (tamanho) da citação e dos chamados “pequenos trechos”, bem como a (ii) possibilidade de uso por terceiros com fins lucrativos.    

Quanto à primeira questão, de fato não há um critério objetivo para dirimir com precisão o percentual do trecho a ser citado/reproduzido com relação à obra. Deve-se recorrer, portanto, às palavras do próprio legislador: a citação deve ser “na medida justificada para o fim a atingir”, e a reprodução de pequeno trecho não pode ser “o objetivo principal da obra nova”. Ou seja, não foi definido um parâmetro “matemático”, devendo-se levar em consideração, primordialmente, o papel conferido à citação/reprodução na obra nova.

A propósito, o STJ decidiu, em caso recente, pela inexistência de violação ao direito autoral no caso em que um poema da escritora Cecilia Meirelles foi reproduzido de forma integral, sem autorização, em livro didático (Resp. 1.450.302-RJ). Na ocasião, a Corte pontuou que seria “incontroverso que o contexto de citação do poema no livro didático est[ava] revestido de padrões ligados à difusão educacional (ensino) e a ‘medida justificada para o fim a atingir’, constitui e exige o estudo integral do poema dele extraindo a análise ortográfica e semântica (...)”. Nesse sentido, “a citação apenas parcial de trechos/excertos/passagens da poesia certamente prejudicaria a compreensão da criação intelectual da célebre poetisa Cecília Meireles e poderia gerar uma deturpação semântica do escrito e, consequentemente, ocasionaria atentado ao direito moral do autor consoante previsto no art. 24, inciso IV da lei 9.610/98”. Para o STJ a "medida justificada do fim a atingir" seria tanto a finalidade pedagógica, como preservar a integralidade do texto literário. 

O julgamento em questão é emblemático para o estudo das limitações aos direitos autorais já que, ao assim decidir, o STJ considerou lícita até mesmo a reprodução integral de uma obra ante a sua finalidade no contexto da obra nova.

Com relação à possibilidade de uso por terceiros com fins lucrativos, cabe pontuar que não há na lei qualquer proibição à obtenção de retorno financeiro com a obra que contém a citação (ou a reprodução de pequenos trechos). Apesar de o inciso III condicionar a citação à finalidade de estudo crítica ou polêmica, estas não impedem que haja um ganho financeiro, por exemplo, com a comercialização do livro didático ou do jornal que contenha a citação dentro dos limites legais estabelecidos.

Isso não significa, todavia, que é permitido todo e qualquer uso. Não só a doutrina, mas também a jurisprudência pátria, são claras ao estabelecer que as exceções aos direitos de autor devem considerar as consequências desse uso para o titular da obra. Para isso, é necessário observar a chamada “Regra dos Três Passos” prevista no art.  Art. 9(2) da Convenção de Berna4, da qual o Brasil é signatário, e segundo a qual deve-se garantir que:

(i) a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova;

(ii) que não prejudique a distribuição da obra citada/reproduzida; tampouco

(ii) gere prejuízo injustificado ao seu autor5.

Ao tratar do tema, Eliane Abrão explica que “[e]m qualquer uma das hipóteses citadas o permissivo legal só é aplicável quando tais usos não causarem prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Se o artista vive de rendimentos decorrentes de licenças ou cessões de sua obra, qualquer movimento em contrário poderá significar-lhe um prejuízo. Mas há que ser injustificado, o que o legislador não explica. A lei, proibindo prejuízo injustificado, faculta ao intérprete a noção de prejuízo injustificado. Entre dificultar o acesso de todos à cultura e ao conhecimento, o que é vedado pela Constituição, e reconhecer uma exclusividade individual, há que se prevalecer o interesse da coletividade, e o prejuízo passa a ser, então, justificado.”6

A Regra dos Três Passos reverbera a necessidade de conjugar os direitos de autor e o interesse da coletividade – acesso à educação, cultura e informação. Tal regramento deve ser usado como ferramenta para compreensão do escopo das limitações aos direitos autorais e sua correta aplicação.7

Em síntese, as limitações aos direitos autorais não podem ser interpretadas de maneira irrestrita. A ponderação entre os direitos e garantias fundamentais da coletividade para o uso de obra autoral precisa ser compatibilizada com as consequências geradas por esse uso ao titular.

_____________

1 Lei nº. 9.610/1996.

2 Direito Autoral: parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 81.

3 Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; [...] VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

4 Convenção de Berna – Art. 9(2): “Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.”

5 Nesse sentido: SANCHES, Hércoles Tecino. Legislação Autoral. São Paulo: LTR, 1999. p. 145.

6 ABRÃO, Eliane Yachouh. Comentários à lei de Direitos Autorais e Direitos Conexos: Lei 9.610/98 com as alterações da Lei 12.853/2013, e Jurisprudência dos Tribunais Superiores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 180.

7 BASSO, Maristela. As exceções e limitações aos Direitos do Autor e a observância da Regra do Teste dos Três Passos (three-step-test). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 102, São Paulo, 2007. p.500 e 503.

Raysa Vital Brazil Freire
Advogada da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.

Tathyana Milana Candu
Advogada da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.

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