Migalhas de Peso

A desapropriação por zona e o impacto financeiro sofrido pelo Poder Público

A Administração Pública deve exercer as suas funções como gestor do negócio público, observando o que disciplina os princípios inerentes a sua atividade para atender o interesse público.

1/11/2022

A desapropriação é uma exceção ao direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CF, e por esta razão deve ser realizada mediante o que disciplina as normas constitucionais e legais que estabelecem este instituto, todavia, nem sempre o Poder Público respeita essas regras estabelecidas neste procedimento expropriatório, realizando neste caso um verdadeiro esbulho possessório, denominado de desapropriação indireta ou apossamento administrativo.

Ademais, a legislação infraconstitucional brasileira, a fim de evitar maiores distorções ao direito de propriedade do particular, bem como dar uma maior efetividade e segurança jurídica a matéria em análise, promulgou o decreto-lei 3.365/41, que especificamente em seu art. 35, tratou do tema, senão vejamos:

Art. 35.  Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Outrossim, acerca do instituto jurídico da desapropriação por zona, esta acontece todas as vezes que o Poder Público desapropria uma área vizinha à outra área que foi desapropriada para realização de uma obra. 

Com efeito, a lei determina que no próprio decreto deve vir disciplinado qual a área será destinada para a desapropriação na realização da obra, bem como a destinada para a desapropriação por zona. 

Esta desapropriação ocorrerá quando o Poder Público necessitar de uma futura ampliação na obra, ou quando o Poder Público visar que em decorrência das obras a serem realizadas, a área vizinha vai sofrer uma valorização extraordinária. Desta forma, a Administração Pública desapropria por zona, para logo depois ocorrer à venda, e o valor remanescente a essa valorização extraordinária, a Administração Pública irá utilizar para custear as despesas decorrentes da própria obra.

Acerca da supervalorização dos terrenos vizinhos, os doutrinadores têm o entendimento de que esta não foi recepcionada pela Constituição Federal, e por esta razão foi criada como contribuição de melhoria, com o objetivo de recompensar a Administração Pública, todas as vezes que uma obra pública sofrer essa valorização extraordinária nos terrenos vizinhos, e essa contribuição o Estado seria reembolsado.

O posicionamento do STF é no sentido de que, todas as vezes que uma obra pública sofrer uma supervalorização de terrenos próximos, essa valorização pode se dar de duas formas, sejam elas: a) ordinária, quando os terrenos vizinhos, se valorizam na mesma intensidade, ou seja, ordinariamente; e b) extraordinária, que neste caso, há uma variação na supervalorização. Logo, quando ocorrer à supervalorização ordinária, a Administração Pública utiliza a contribuição de melhoria, entretanto, quando ocorre a supervalorização extraordinária, a Administração Pública deverá valer-se da desapropriação por zona.

O Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando com o seguinte entendimento:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDÃO. REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. VALORIZAÇÃO DA ÁREA REMANESCENTE. ABATIMENTO. 1. "Na desapropriação, direta ou indireta, quando há valorização da área remanescente não desapropriada em decorrência de obra ou serviço público, dispõe o Estado de três instrumentos legais para evitar que a mais valia, decorrente da iniciativa estatal, locuplete sem justa causa o patrimônio de um ou de poucos: a desapropriação por zona ou extensiva, a cobrança de contribuição de melhoria e o abatimento proporcional, na indenização a ser paga, da valorização trazida ao imóvel" (REsp 795.580/SC, DJU de 1/2/07). 2. A valorização imobiliária decorrente da obra ou serviço público pode ser geral, quando beneficia indistintamente um grupo considerável de administrados, ou especial, que ocorre quando o benefício se restringe a um ou alguns particulares identificados ou, pelo menos, identificáveis. 3. A mais valia geral subdivide-se em ordinária e extraordinária. A primeira tem lugar quando todos os imóveis lindeiros à obra pública se valorizam em proporção semelhante. A segunda, diferentemente, toma parte quando algum ou alguns imóveis se valorizam mais que outros, atingidos pela mais valia ordinária. 4. Na hipótese de valorização geral ordinária, dispõe o Poder Público da contribuição de melhoria como instrumento legal apto a "diluir", entre os proprietários beneficiados com a obra, o custo de sua realização. 5. No caso de valorização geral extraordinária, pode o Estado valer-se da desapropriação por zona ou extensiva, prevista no art. 4º do decreto-lei 3.365/41. Havendo valorização exorbitante de uma área, pode o Estado incluí-la no plano de desapropriação e, com a revenda futura dos imóveis ali abrangidos, socializar o benefício a toda coletividade, evitando que apenas um ou alguns proprietários venham a ser beneficiados com a extraordinária mais valia. 6. Por fim, tratando-se de valorização específica, e somente nessa hipótese, poderá o Estado abater, do valor a ser indenizado, a valorização experimentada pela área remanescente, não desapropriada, nos termos do art. 27 do decreto-lei 3.365/41. 7. No caso, a área remanescente valorizou em decorrência da construção de rede de energia elétrica. A valorização experimentada pelo imóvel não é especial, mas genérica, atingindo em patamares semelhantes todos os imóveis da região, o que torna inviável compensá-la com a eventual depreciação do imóvel. 8. Reconhecida pelo perito a necessidade de despesas para instalação de meios para evitar acidentes, cabe incluí-las no montante final a ser indenizado, não sendo suficiente o argumento de que não é de a prática da região adotar tais procedimentos. 9. Aplicação da Súmula 56/STJ: "Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade". 10. Recurso especial provido. (STJ - Resp: 951533 MG 2007/0098182-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 19/2/08, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 5/3/08 p. 1).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. ANÁLISE DE EVENTUAL INFRINGÊNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 26 DO DECRETO-LEI 3.365/41. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. VALORIZAÇÃO DA ÁREA REMANESCENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. Acórdão recorrido que anulou a sentença de primeiro grau de jurisdição, para que se levasse em conta, na fixação da indenização devida, a valorização da área remanescente do imóvel indiretamente expropriado. 2. É inviável a análise de suposta infringência de preceito constitucional em sede de recurso especial. 3. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais cuja violação foi apontada atrai o óbice das Súmulas 282 e 356/STF. 4. Na linha de entendimento desta Corte, a valorização da área remanescente do imóvel indiretamente expropriado, resultante da construção de uma rodovia à sua margem, não pode ser considerada para reduzir o valor devido a título de indenização. 5. A questão relativa à eventual valorização da área remanescente, se for o caso, deve ser resolvida no âmbito tributário, mediante a imposição de contribuição de melhoria estendida a todos os beneficiários da obra. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (REsp 793.300/SC, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 31/8/06).

ADMINISTRATIVO - DESAPROPRIAÇÃO - JUSTA INDENIZAÇÃO - VALORIZAÇÃO POSTERIOR À IMISSÃO NA POSSE. - A indenização só é justa, se bastar para que o expropriado adquira bem da vida correspondente àquele que lhe foi subtraído. - No caso de desapropriação de um lote de terreno, a indenização será justa, na medida em que o expropriado possa adquirir, na mesma região, lote em igual situação àquela do terreno perdido. Se a valorização resultou de benefícios operados pelo Poder expropriante, tudo se resolve com a cobrança de contribuição de melhoria, jamais com o pagamento do preço injusto" (REsp 439.878/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU de 5/4/04).

Acerca da interpretação e aplicação de normas, têm-se as lições de Alexandre de Moraes (2004, pág. 47): “No caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento”.

A Administração Pública tem como função gerenciar os interesses da coletividade, que é desenvolvida pelos seus agentes públicos ou delegados. Por essa razão, no gerenciamento desses interesses, a Administração Pública deve exercer as suas funções como gestor do negócio público, observando o que disciplina os princípios inerentes a sua atividade para atender o interesse público, como ocorre na desapropriação por zona, na qual em razão do decreto de desapropriação, a área que não foi desapropriada pela Administração Pública sofre uma supervalorização.

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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 08 agosto 2022.

BRASIL. Decreto-lei 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. In: Presidência da República. Legislação Republicana Brasileira. Brasília, 1941. Disponível em: . Acesso em: 08 agosto 2022.

______, STJ – RECURSO Especial 1060924 RJ 2008/0113189-7, Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 3/11/09, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 11/11/09. Disponível em: . Acesso em: 08 agosto 2022.

Marcus Vinicius Alencar Barros
Advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário na Universidade Estácio.

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