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Levantamento judicial de valores em sede de cumprimento provisório de sentença

Trata-se de possibilidades legais e efetivas, capazes de proporcionar o objetivo tão almejado pelos Exequentes: o recebimento dos valores depositados.

5/10/2022

Geralmente, as partes e procuradores envolvidos em litígios cíveis aguardam o tão esperado trânsito em julgado (art. 507, do CPC) para instaurar o Cumprimento Definitivo de Sentença (art. 523, do CPC), apoiando-se na imutabilidade das decisões exequendas.

Entretanto, pouco se fala, no mundo forense, sobre a possibilidade de se prosseguir com a Instauração do Cumprimento Provisório de Sentença (art. 520, caput e incisos, do CPC), como ferramenta para a satisfação da tutela jurisdicional de forma mais célere, especialmente no que se refere ao levantamento de valores, objeto do presente artigo.

Ao Cumprimento Provisório de Sentença, aplicam-se as mesmas regras atinentes à execução que possua definitividade, de sorte que, em caso de mutação das decisões exequendas, as partes deverão retornar ao status quo (art. 520, caput, do CPC).

Embora o art. 520, inciso IV, do CPC, preveja a necessidade de apresentação de caução (com o depósito de valores, indicação de imóvel ou veículo, oferta de seguro garantia, entre outros) para a efetivação do levantamento de valores, é certo que o art. 521 e incisos, do mesmo diploma, relativizam a norma indigitada, preconizando a desnecessidade da prestação de caução em conjunturas específicas.

Acerca do art. 521, do CPC, temos que comportar os seguintes incisos, antevendo as hipóteses de dispensa de caução para a efetivação do levantamento de valores em caráter, inicialmente, provisório (autônomas e independentes, não possuindo caráter cumulativo), com demandas que abordam:

I – Execução de verbas detentoras de natureza alimentar (prestação alimentícia, honorários advocatícios sucumbenciais, entre outros);

II – A demonstração da inequívoca necessidade (hipossuficiência financeira);

III – O aguardo pelo julgamento de Agravo de Decisão Denegatória de Recurso Especial, previsto pelo art. 1.042, do CPC; e

IV – Sentença e/ou acórdão que esteja em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, assim como com a acórdão proferido no sistema de julgamento dos casos repetitivos.

Adiante, o Parágrafo Único, do mesmo art. 521, estabelece a possibilidade de o Magistrado exigir a prestação de caução, mesmo nas hipóteses listadas acima, caso se vislumbre a possibilidade de concretização de dano irreparável ou de difícil reparação.

É fato que o receio de configuração de dano irreparável ou de difícil reparação é extremamente subjetivo, dependendo da análise minuciosa de cada caso concreto.

Porém, é certo que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem, amplamente, acolhendo as relativizações previstas pelo art. 521 e incisos, do CPC.

Ilustra-se a aplicação do inciso I:

Cumprimento provisório de sentença. Decisão que condicionou o levantamento dos valores referentes aos honorários advocatícios de sucumbência à prestação de caução, fulcro no art. 520, IV, do CPC. Verba que tem natureza alimentar, dispensada a prestação de caução. Inteligência do art. 521, I, do CPC. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2056000-20.2022.8.26.0000; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barretos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/5/22; Data de Registro: 23/5/22).

No que pertine à utilização do inciso II, ponderou-se, inclusive, a idade avançada da parte Exequente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA – LEVANTAMENTO DO VALOR DEPOSITADO INDEPENDENTEMENTE DE CAUÇÃO – CABIMENTO – AGRAVANTE QUE SE ENQUADRA NAS EXCEÇÕES LEGAIS É possível o levantamento dos valores depositados em sede de cumprimento provisório de sentença, independentemente de caução, quando os valores executados são de natureza alimentar (CPC, art. 521, I) e quando a exequente demonstra a necessidade em razão da idade (CPC, art. 521, II). Levantamento autorizado. RECURSO PROVIDO. 

(TJSP; Agravo de Instrumento 2219382-63.2020.8.26.0000; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/11/2020; Data de Registro: 10/11/2020). (Destaques Nossos).

Quanto ao inciso III:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. Decisão agravada que indeferiu o pedido de levantamento dos valores depositados. Inconformismo do exequente. Acolhimento. Artigo. 521, III, do CPC que prevê que a caução poderá ser dispensada nos casos de pendência apenas de agravo em recurso especial. Ausência de risco de difícil ou incerta reparação. Deferimento do pedido de levantamento da quantia depositada nos autos, sem a necessária prestação da caução. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2264204-06.2021.8.26.0000; Relator (a): HERTHA HELENA DE OLIVEIRA; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 7/2/22; Data de Registro: 7/2/22).

Por fim, o inciso IV também fora empregado com o intuito de se deferir o levantamento de valores, com caráter provisório:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Cumprimento provisório de sentença – Compra e venda de imóvel – Decisão que indeferiu o pedido de levantamento do valor depositado nos autos, determinando que se aguarde o trânsito em julgado ou o prévio oferecimento de caução idônea, nos termos do art. 521, parágrafo único do CPC. Inexistência de óbice ao levantamento do valor de R$ 160.288,16 pelo agravante – Hipóteses dos incisos III e IV do art. 521 do CPC que restaram configuradas – Recurso Especial interposto pela agravada ao qual se negou seguimento sob o fundamento de que o v. aresto recorrido está em conformidade com o entendimento adotado pelo E. Superior Tribunal de Justiça em julgamento de repetitivo – Interposição de agravo contra a decisão denegatória, pendente de julgamento – No mais, não se constata que o levantamento possa causar à agravada grave dano de difícil ou incerta reparação, pois não há prova nesse sentido nos autos – Levantamento deferido – Precedentes deste E. TJSP. RECURSO PROVIDO.  (TJSP; Agravo de Instrumento 2221881-88.2018.8.26.0000; Relator (a): Egidio Giacoia; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 7/11/18; Data de Registro: 7/11/18).

Portanto, constata-se que a legislação pátria vem sendo aplicada na prática, por parte da corte bandeirante, permitindo, mediante a perfilação dos requisitos necessários, o levantamento de valores em caráter provisório, ressalvando-se, basicamente:

  1. a possível concretização de dano irreparável ou de difícil reparação, ocasião em que poder-se-ia exigir a prestação de caução; e
  2. a responsabilidade da parte Exequente, caso as decisões em execução sejam revertidas, compelindo as partes a retornarem ao status quo.

De todo modo, podemos concluir que o art. 521 e incisos, do CPC, possuem papel de extrema relevância no ordenamento jurídico, pois, com base nos casos concretos, permitem o alcance da tutela satisfativa em hipóteses que guardam peculiaridades, representadas por:

  1. Demandas em que o recebimento dos valores se refere à subsistência da parte Exequente, nos termos dos incisos I e II, tratando das verbas de natureza alimentar e do cenário em que a parte demonstre extrema necessidade, respectivamente; e
  2. Decisões, em fase provisória de execução, as quais possuem baixa perspectiva de reversões, dado que aguardam apenas o julgamento de Agravo de Decisão Denegatória de Recursal Especial ou que coadunam com o entendimento jurisprudencial.

Assim, trata-se de possibilidades legais e efetivas, capazes de proporcionar o objetivo tão almejado pelos Exequentes: o recebimento dos valores depositados.

É o que se propõe.

Mateus Adriano de Jesus
Graduado pela PUC/SP. Pós-graduado em Processo Civil pela FGV. Advogado do escritório Cruz, Gregolin e Amaral Sociedade de Advogados.

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