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Admite-se HC como meio de impugnação de decisão transitada em julgado quando esta se mostra manifestamente ilegal?

A decisão condenatória transitada em julgado, via de regra, somente pode ser desconstituída ante o ajuizamento de revisão criminal. Contudo, os Tribunais Superiores tem admitido, de maneira excepcional, a impetração de Habeas Corpus que visa atacar decisão condenatória manifestamente ilegal mesmo após seu trânsito em julgado.

12/7/2022

É sabido que, via de regra, o Habeas Corpus não se presta como sucedâneo de revisão criminal, mas que a jurisprudência tem excetuado hipóteses em que se admite o conhecimento da ação constitucional, tendo como evidente exemplo a circunstância em que se busca impugnar decisão em que se verifica manifesta ilegalidade ou teratologia.

Não raras vezes ações criminais transitam em julgado e, por motivos das mais diversas ordens, há questões de deveriam aproveitar aos réus por constituírem questões de direitos amplamente reconhecidos pela jurisprudência dos tribunais superiores, mas que não são corretamente utilizadas pela defesa ou são injustamente rejeitadas em grau de recurso.

Tais decisões, ruins para os réus, seja por falha na defesa técnica ou por avaliação incorreta por parte dos magistrados responsáveis pelo julgamento dos recursos, acabam por serem chanceladas pela justiça quando se nega provimento a um recurso defensivo ou quando é dado provimento ao recurso da acusação.

Transitado em julgado a decisão final condenatória, tem-se a imutabilidade da decisão, o que impede um novo julgamento do mesmo fato, ou seja, a coisa julgada material, servindo-a para garantir a estabilidade dos julgamentos, assegurando o prestígio da justiça e a ordem social1.

Entretanto, a própria lei processual excepciona situações onde se admite a impugnação de decisão transitada em julgado, como é o caso da ação de revisão criminal, que se constitui em ação autônoma de impugnação, não obstante topologicamente inserida no CPP no capítulo dos recursos, mais precisamente no art. 621 e seguintes.

A doutrina, entretanto, entende que pode o habeas corpus cumprir o papel da ação de revisão criminal, ou seja, enfrentando a coisa julgada, pois o art. 648, III e VI, do CPP autoria o Habeas Corpus contra condenações proferidas por juiz absolutamente incompetente, ou veiculadas em processo absolutamente nulo, logo a coisa julgada, em si, não seria o problema2.

No âmbito jurisprudência tem-se aceitado o Habeas Corpus como uma espécie de substitutivo da revisão criminal, desde que se trate de decisão manifestamente ilegal ou teratológica, conforme já se decidiu: STF RHC nº 118.994/PA – Rel. Min. Ricardo Lewandowski; STF HC nº 155.047/SP – Rel. Min. Ricardo Lewandowski; STF HC nº 116.633/RJ – Rel. Min. Carmen Lúcia; STJ HC nº 739.108 – Rel. Min. Antônio Saldanha.

Dos julgados acima, dois deles merecem ser melhor analisados para se verificar a situação de fundo que permitiu o conhecimento do Habeas Corpus com meio de impugnação de decisão transitada em julgado.

No ano de 2018, ao julgar o HC 155.047/SP, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu ordem de ofício em habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do STJ.

Segundo argumentou a defesa no HC no STF, regime ilegal fixado foi consequência de ilegalidade na aferição da pena base, que deveria ter sido estabelecida no mínimo legal, na forma da súmula 444 do STJ, daí porque, também de forma ilegal não foi aplicado pela Turma Recursal a súmula 440 do STJ, resultando no regime mais gravoso e, com isso, no decreto de prisão do paciente após o trânsito em julgado a ação penal.

Na ocasião, entendeu o Ministro Ricardo Lewandowski que a decisão impugnada pela via do habeas corpus não se harmonizava com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. É que a decisão que transitou em julgado havia valorado como mal antecedente condenação anterior em período maior de cinco anos, conforme art. 64, I, do Código Penal.

Como consequência, a ordem foi concedida monocraticamente (conforme autoriza o art. 192 do Regimento Interno do STF) para determinar que o juízo do juizado especial procedesse com novo cálculo da pena, afastando a valoração dos maus antecedentes, inclusive garantido ao paciente o direito de aguardar a reavaliação da pena a ser imposta em liberdade.   

Sob um enquadramento processual similar, ao julgar o HC 739.108/SC o Superior Tribunal de Justiça, na pessoa do ministro Relator Antônio Saldanha Palheiro, entendeu por conceder a ordem requerida no mérito do recursal e, com isso, desconstituir a decisão condenatória transitada em julgado.

Na oportunidade, a defensoria pública impetrou o referido HC com o objetivo de demonstrar a notória violação do art. 226 e seguintes do CPP e por consequência a absolvição do paciente pelos termos dos art. 386, inciso VII do CPP.

Segundo as razões apresentadas pela defensoria, a condenação do paciente se mostra evidentemente ilegal à medida que não foram observadas as condições impostas no art. 226 do CPP, as quais não constituem meras recomendações, mas sim verdadeiros requisitos mínimos e indispensáveis ao asseguramento das garantias constitucionais inerentes a defesa.

O parecer ministerial foi no sentido do não conhecimento do Habeas Corpus sob o argumento de que o remédio constitucional não deve ser utilizado como substituto da revisão criminal, cujo o julgamento o STJ não teria competência. Uma vez que a decisão condenatória já havia transitado em julgado, se mostra inviável a desconstituição do julgamento material ocasionando quando do julgamento da ação de origem por meio de impetração de HC.

Todavia, a Corte Superior entendeu ser o caso de concessão da ordem, tendo em vista que a pretensão condenatória se baseou exclusivamente no reconhecimento fotográfico realizado sem o crivo do contraditório, inexistindo nos autos outros elementos capazes de embasar a condenação quanto ao reconhecimento inequívoco da autoria delitiva.

Verifica-se, portanto, que em circunstâncias específicas os Tribunais Superiores tem admitido a impetração de Habeas Corpus para atacar a decisão condenatória transitada em julgado. Devendo, contudo, haver a demonstração de plano da flagrante ilegalidade ocasionada pelo julgamento da ação principal.

______________ 

DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5 ed. Salvado: JusPodivm, 2017, p. 1806.

2 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 1278.

______________ 

Brasil, STF, HC nº 155.047/SP – Rel. Min. Ricardo Lewandowski; 

Brasil, STJ, HC nº 739.108 – Rel. Min. Antônio Saldanha.

DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5 ed. Salvado: JusPodivm, 2017; 

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2021

Diego da Mota Borges
Professor Universitário; Mestrando em Desenvolvimento Regional; Especialista em Direito Processual Civil e Direito Penal Econômico; Advogado sócio escritório Moisés Volpe e Del Bianco Advogados.

Douglas Bruno dos Santos
Estágiario de Direito no escritório Moisés, Volpe e Del Bianco Sociedade de Advogados. Atua no setor contencioso de Direito Imobiliário, Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil.

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