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Inquérito policial: as consequências da afrontosa tramitação direta entre polícia e MP

A (in)constitucionalidade posta (e imposta) ao STF.

24/6/2022

Com efeitos de repercussão geral, quando as decisões referentes aos recursos extraordinários julgados passam a ser aplicadas a todos os outros processos semelhantes que virão a ser decididos, o STF iniciou ontem (23/6), a análise de constitucionalidade da chamada “tramitação direta do inquérito policial” entre a Polícia Judiciária e o MP.

Significa dizer, portanto, que o Supremo vai decidir se é válida (constitucional) a decisão da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso que versou sobre a “tramitação direta de inquérito policial” entre o MP e a Polícia Civil, sem que haja o controle prévio por parte do Judiciário.

Na prática, os autos do procedimento policial passariam a tramitar entre a Polícia Civil e o MP independentemente de decisão judicial. Ou seja, o inquérito seria remetido ao judiciário para cadastro e distribuição e, posteriormente, enviado diretamente ao promotor de justiça que, só depois, encaminharia ao delegado.

Inclusive, tem-se que nos casos de requerimento de dilação de prazos, por exemplo, os autos seriam devolvidos pela polícia diretamente ao MP; novamente, sem intervenção de um magistrado.

Eis que no ponto central deste sensível embate jurídico reside a dúvida posta ao STF: Tal ato normativo estadual invadiria ou não a competência privativa da União em legislar sobre direito processual?

Destaca-se que esse modelo já tem norma regulamentar em 18 estados brasileiros e vem gerando enorme desconforto entre os delegados de polícia, pois, na visão das autoridades policiais, a “tramitação direta” violaria a independência e a autonomia da Polícia Civil (apregoadas pelo art. 144, §4º, da CF/88), que passaria a se sujeitar às metodologias de trabalho impostas pelo MP. 

Ademais, o citado recurso especial (RE 660.814) interposto pelo Sindepo/MT – Sindicato dos Delegados de Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso, sustenta que o promotor de justiça pode requisitar a instauração de um IP, mas jamais determinar ações quanto à administração da polícia e suas investigações.

Tamanha polêmica ensejou no pedido de vista do eminente ministro Gilmar Mendes, que suspendeu o julgamento dessa quinta. Até então, houve um voto defendendo que não haveria invasão de competência privativa da União (ministro Alexandre de Moraes, relator) e dois votos com entendimento contrário (ministros Ricardo Lewandowski e André Mendonça).

Em resposta a essa celeuma colocada à Suprema Corte, entende-se que, apesar do inquérito policial ser inquisitivo e inserido na fase pré-processual; do MP já realizar os chamados PIC’s – procedimentos de investigação criminal; e, também, da figura do juiz permanecer indispensável em matérias de busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal e decretação de prisão temporária, há invasão da competência legislativa da União na pauta discutida.

Não obstante, como consequências, a dita “tramitação direta” pode ensejar no enfraquecimento das polícias, em maior contundência do órgão que acusa e, ainda, na instabilidade processual e constitucional quanto a direitos e garantias da pessoa investigada que, não bastasse o punitivismo penal da atualidade, passa a não mais dispor da imparcialidade de um julgador nessa fase tão crucial em que se busca a autoria e materialidade de um fato típico.

Por fim, com a devida vênia, acredita-se que a maioria dos digníssimos ministros devam votar pela inconstitucionalidade da matéria. Afinal, nas palavras de Fiódor Dostoiévski, “o mais espantoso é a realidade”. 

Thiago de Miranda Coutinho
Especialista em Inteligência Criminal. É Agente de Polícia Civil em SC há mais de 10 anos, graduando em Direito (Univali), Jornalista e Coautor de 3 Livros. Instagram: @miranda.coutinho_

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