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Protagonismo das medidas cautelares diversas da prisão

Ao se defender que a medida cautelar diversa da prisão é substitutiva se coloca a prisão cautelar na condição de protagonista da cautelaridade e isso é perigoso, principalmente dentro da nossa história de encarceramento.

23/6/2022

As medidas cautelares diversas da prisão, também chamadas de medidas cautelares pessoais restritivas, não são substitutivas da prisão. Essa afirmação contradiz o ensinamento dos juristas Lenio Streck e Aury Lopes Jr. (entre outros), que afirmam justamente o contrário, pois, segundo eles: 

Não teria sentido falar em medidas 'cautelares diversas da prisão' se não estivessem presentes os requisitos...da prisão. As medidas diversas substituem a prisão.1

Tentaremos, com todo respeito, contrapor esse raciocínio, que ao nosso ver é nocivo a todo sistema de medidas cautelares pessoais.

De pronto é preciso sustentar que é justamente por serem diversas da prisão que não precisam estar vinculadas à prisão.

O parágrafo 6º, do art. 282 do CPP, ao mencionar que a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, não torna a prisão cautelar principal, ao contrário, garante sua natureza de ultima ratio. Existe uma contradição intrínseca na afirmação de ser a medida cautelar restritiva substitutiva da prisão quando o próprio art. 282, parágrafo 6º do CPP assevera que a prisão é subsidiária, e, a contrario sensu, a medida cautelar diversa da prisão é principal.

Se é principal não é alternativa! Se a medida restritiva é titular é ela que é substituída pela prisão e não o contrário! Um reserva não é substituído pelo titular, mas o titular é substituído pelo reserva.

Ademais, há clara menção que as medidas cautelares pessoais restritivas possuem natureza cautelar desvinculada da prisão, tanto que o art. 282, inciso I, do CPP prescreve que “as medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I- necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais”.

Dito de outra forma: os requisitos da prisão cautelar são os mesmos das medidas cautelares pessoais restritivas, pois possuem a mesma natureza cautelar, conforme bem atesta o art. 282 do CPP. A diferença é que um instrumento cautelar restringe direitos e o outro priva a liberdade, por isso este último somente deve ser usado quando os demais se mostrarem ineficazes.

Logo, todas as medidas cautelares pessoais necessitam do periculum libertatis, ou seja, as medidas cautelares restritivas possuem cautelaridade não vinculada à prisão preventiva. A regra do art. 282 do CPP vincula, inclusive, a prisão preventiva, já que os requisitos do periculum libertatis do art. 312 do CPP são os mesmos do inciso I do art. 282, na medida em que garantir a ordem pública ou a ordem econômica é prevenir a prática de novas infrações penais.

Ao se defender que a medida cautelar diversa da prisão é substitutiva se coloca a prisão cautelar na condição de protagonista da cautelaridade e isso é perigoso, principalmente dentro da nossa história de encarceramento. Pelo ponto de vista defendido por Streck e Lopes Jr. a prisão preventiva passa a ser o centro gravitacional de todas as medidas cautelares pessoais. Com efeito, medida cautelar pessoal é gênero, que necessita (seja ela qual for) dos pressupostos básicos (fumus commissi delicti e periculum libertatis), por isso a medida cautelar restritiva não é substitutiva, e sim principal em relação a medida cautelar privativa (prisão cautelar).

A estrutura do raciocínio exposta pelos juristas acima citados revela uma inversão da ordem, ao iniciar pela prisão cautelar para somente após verificar a possibilidade da substituição; em verdade, o raciocínio deve ser inverso, inicia-se pelas cautelares restritivas e somente se estas não forem suficientes é que se deve fazer a análise da prisão de maneira mais específica.

Em verdade, o que se defende é que, antes de se escolher qual meio será usado para a proteção do processo, o juiz deve verificar se é necessária a proteção. Após verificar a necessidade de se proteger o processo, que afasta a nociva e inconstitucional antecipação da pena, o juiz deve priorizar as medidas cautelares pessoais restritivas (art. 319 e 320 do CPP), e somente em último caso deve se valer da prisão preventiva, justificando a ineficácia das medidas diversas da prisão.

Se não há cautelaridade (aqui entendida como necessidade de proteção do processo de acordo com a legislação infraconstitucional e com a Constituição Federal) não pode ser aplicar nenhuma medida cautelar pessoal; se há, é possível aplicar, mas deve ser priorizada a medida cautelar restritiva, sendo a prisão cautelar uma última alternativa.

Um teste de conformidade, ao nosso sentir, pode ser feito e se resume a 10 axiomas, sendo que do oitavo em diante a decisão versará sobre prisão cautelar:

1.       Não há medida cautelar pessoal sem lei anterior que a defina (legalidade);

2.       Não há medida cautelar pessoal sem decisão devidamente fundamentada (motivação);

3.       Não há decisão fundamentada em sede de medida cautelar pessoal se tiver como objetivo antecipar eventual pena (presunção de inocência);

4.       Não há medida cautelar pessoal decretada de ofício pelo juiz (sistema acusatório);

5.       Não há medida cautelar pessoal sem prova da materialidade e indício de autoria (fumus commissi delicti);

6.       Não há medida cautelar pessoal sem perigo de liberdade do acusado (periculum libertatis);

7.       Não há periculum libertatis sem atualidade e concretude (contemporaneidade e risco concreto);

Obs: respeitados os sete primeiros axiomas, torna-se possível aplicar medida cautelar diversa da prisão; para decretar prisão cautelar é necessário observar os três últimos axiomas.

8.       Não há prisão cautelar sem comprovação da ineficácia das medidas cautelares restritivas (subsidiariedade da prisão cautelar);

9.       Não há prisão cautelar sem prévio e expresso cabimento legal (legalidade específica);

10.   Não há prisão cautelar se a pena eventualmente a ser aplicada for menos grave que a medida cautelar aplicada (proporcionalidade).

__________________

1 STRECK, Lênio; LOPES JR., Aury. Medidas "diversas" do artigo 319-CPP exigem requisitos de prisão.

Clovis Volpe
Sócio-diretor do Moisés Volpe e Del Bianco Advogados. Professor universitário. Mestre e doutor em Direito Constitucional. Especialista em Ciências Criminais. MBA em Direito Empresarial.

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