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A extensão da proteção da marca para fins publicitários

O titular de um registro pode manter sempre atual o seu veículo de comunicar a marca simplesmente fazendo o devido e oportuno uso do dispositivo legal em comento.

30/5/2022

A lei da propriedade industrial (lei 9.279/96), dispõe, entre os seus art. 122 ao 191, especificamente sobre as marcas, seus pré-requisitos para proteção, os direitos e limitações de seu titular, prazo de vigência do registro, modalidades de extinção, transferência, entre outras previsões, residindo no art. 129 a disposição acerca dos direitos do titular sobre a proteção com exclusividade do uso da marca devidamente registrada, válida em todo o território nacional e vocacionada a impedir que terceiros usem ou depositem no INPI marcas idênticas ou semelhantes, seja no mesmo segmento ou em segmentos afins.

Porém, poucos são os trabalhos e os precedentes que utilizam o art. 131 da lei 9.279/96 (LPI - lei da Propriedade Industrial) como seu objeto ou ponto de fundamentação. Tal dispositivo, no entanto, traz uma extensão bastante clara, abrangente e relevante da exclusividade garantida pelo registro da marca, pois, conforme sua dicção, “a proteção de que trata esta lei abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”. Proteção essa que, releva destacar, é aquela prevista no art. 129 da LPI, que confere ao titular a exclusividade em seu uso, ou seja, direito de impedir que terceiros reproduzam ou imitem, sem sua autorização, a marca registrada junto ao INPI.

No entanto, depara-se com um sem-número de casos em que empresas de um determinado segmento pretendem dar ampla publicidade ao seu negócio e, a reboque, sua marca (ou uma de suas marcas) registrada. E, dessa prática, adotam as empresas, talvez por excesso de zelo, talvez por falta de informação adequada, a estratégia de depositar pedidos de registro no INPI para a marca do empreendimento ou dos produtos em classes de produtos ou serviços relacionadas à publicações impressas, mídias digitais, entre outros sem relação direta com o produto ou serviço por ela identificado.

Esta estratégia, no entanto, pode revelar alguns problemas. Primeiro, a marca registrada que se quer expandir por meio de depósito de pedidos em segmentos voltados exclusivamente para comunicar a marca, ou seja, para o uso da marca com fins publicitários, é desnecessária frente ao art. 131 da LPI, que já estende ao registro concedido em qualquer classe os direitos obtidos para os papeis, impressos e outros itens que, relacionados à atividade do titular da marca, estão aptos a promover o seu uso comercial e conhecimento do público.

Como reconhece a escassa doutrina sobre este dispositivo, não há dúvidas de que “a proteção conferida às marcas compreende não só o uso do sinal diretamente no produto ou serviço reivindicado, mas também o uso em outros documentos ou meios de comunicação”. Isto quer dizer que, por ser a marca um fenômeno primeiramente do mundo dos fatos e habitando no ambiente comercial, desse uso (ou intenção de uso) resultando efeitos jurídicos, não há como negar que a sua parcela de proteção quanto aos elementos publicitários necessários à concretização do negócio assinalado pela marca é devida, e seu uso, neste sentido, é legítimo.

Em segundo lugar, além de desnecessário, a marca registrada em determinada classe ou segmento, apesar de exclusiva naquele ramo, pode já ter sido apropriada de forma idêntica ou assemelhada em ramo diverso, como o de papelaria ou criação de websites, por exemplo, o que possivelmente ensejará um indeferimento com base no inciso XIX do art. 124 da LPI. Obviamente, o examinador da Autarquia não sabe se tratar de uma atividade estritamente relacionada às atividades assinaladas no registro marcário que reflete o objeto principal da empresa, e nem deveria.

Entretanto, mesmo incorrendo nesse impasse, raramente são vistas defesas apontando o art. 131 da LPI como legitimador de uma extensão de direitos já adquiridos pelo art. 129 da mesma lei, muitas vezes para uma atividade principal objeto de um registro muito anterior ao que ensejou o indeferimento na classe acessória. Poderia, assim, afirmar que o citado dispositivo corresponde a uma extensão legítima dentro do próprio território da proteção à marca principal, mas funcionando de forma análoga à do art. 6 quinquies A.1 da CUP (o “telle-quelle”), podendo evidenciar ou servir de argumento ao examinador ou Magistrado de que se trata de um uso em segmento tipicamente publicitário, mas que não identifica serviços ou produtos voltados ao marketing em si, limitando-se à comunicação da marca no segmento principal de sua titular por aquele veículo que, coincidentemente, está inserido na mesma classe do registro citado como anterior pelo INPI.

Também há hipóteses em que, ocorrendo um verdadeiro bis in idem dos direitos adquiridos por registros nessas classes com usos voltados exclusivamente para a publicidade da marca principal, pois o art. 131 da LPI já daria conta da proteção nessas atividades publicitárias acessórias, habitualmente os meios de comunicação requerem uma constante reciclagem da forma como essas marcas são expostas, comunicadas e, assim, podem incorrer em interrupções de uso ou até mesmo sua descontinuidade, como o de um empreendimento imobiliário de luxo que, ciente de que seu público não será alcançado por meio de panfletos e folders, concentra sua promoção exclusivamente em marketing digital, tornando o registro para os materiais impressos obsoleto e, também, suscetível de extinção pela caducidade (art. 143 da LPI).

A doutrina do IDS afirma, corroborando a inutilidade do registro para segmentos que se propõem tão somente a promover a marca em seu mercado principal, que o art. 131 da LPI “não exaure as hipóteses de proteção da marca com relação à mídia. Ao revés, após citar alguns meios específicos, o legislador amplia a tutela ao uso da marca a quaisquer ‘documentos relativos à atividade do titular’”. E por atividade do titular, leia-se, aquela assinalada no registro, obviamente.

Assim, o titular de um registro pode manter sempre atual o seu veículo de comunicar a marca simplesmente fazendo o devido e oportuno uso do dispositivo legal em comento. Ou seja, não há razão para que uma empresa de eletrodomésticos deposite pedido de registro para a marca que identifica suas televisões para, sob a mesma forma e configuração, identificar camisas empregadas exclusivamente em determinada ação de marketing, a não ser que, graças a um inesperado sucesso, tais camisas angariem boa aceitação do público e possam virar um novo produto comercializado, desde que cumpra, obviamente, com o requisito de legitimidade e comprovação do exercício lícito da atividade previsto no art. 128, §1º da LPI, diretamente ou através de empresas controladas.

Não se defende, porém, que marcas voltadas a consolidar o que passou a denominar de brand extensions não sejam depositadas no INPI. O fenômeno de brand extension é uma evolução do conceito da marca, que fazendo parte da estratégia comercial da empresa, passa a transportar o valor da marca principal para diversos outros ramos que componham o “lifestyle” dos usuários, amplificando o aproveitamento da marca pelo consumidor e, a seu turno, aumentando os lucros e penetração da marca principal dentro do seu próprio público e expandindo-o, podendo, eventualmente, exercer um potencial publicitário para a principal linha de produtos e/ou serviços identificados pela marca. Esses usos extensivos devem ser registrados nas classes atinentes para a defesa nesses segmentos, pois, evidentemente, não são usados como mero veículo para a marca principal, mas uma nova linha de produtos e serviços colocados à disposição de seus consumidores habituais.

Nesse contexto, se uma concessionária ou montadora de veículos lança livretos com os principais veículos da sua marca, de forma a promovê-los perante o público e informar o consumidor, em tese, pela letra do art. 131 da LPI, seria desnecessário o depósito da marca na classe 16, por exemplo, pois eventual registro para esta na classe 12 já cumpriria o objetivo de estender à publicação informativa o direito ou, pelo menos, a legitimidade do uso, afastando questionamentos de terceiros que pudessem suscitar algum conflito na classe 16. No entanto, caso a montadora objetivasse lançar publicação seriada de veículos automotores, com expansão para um canal eletrônico de notícias e criasse uma subdivisão para a gestão desses materiais, incorporando-se ao perfil comercial da empresa, daí se defende que o depósito é não só necessário, como também o é o exame de marcas segundo os critérios de distintividade e disponibilidade exigidos pelo INPI para o seu deferimento e concessão.

Portanto, há no art. 131 da LPI uma série de nuances a princípio inobservadas, pois pode legitimar um uso ou um registro em determinada classe, em caso de conflito, bem como servir como extensão da proteção para as mais sofisticadas plataformas, pois a função publicitária, como aponta o próprio dispositivo, é da alma da marca e o seu uso nesses veículos publicitários deve ser preservado, tanto de terceiros desleais que queiram desvirtuar a clientela da titular do registro, quanto de atos de legítimos titulares de registros anteriores em classes de segmentos publicitários afins, pois o citado dispositivo, sem desconsiderar os direitos do outro titular, atribuiria melhor direito e legitimidade da marca veiculada no material publicitário, desde que, evidentemente, este material não se configure uma nova atividade, autônoma e comercial, da titular da marca que assinala a atividade principal da empresa.

Paulo Armando Innocente de Souza
Graduado pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Sócio do escritório Daniel Advogados.

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