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A penhorabilidade dos valores aplicados em planos previdência privada aberta

Interpretar tal questão seria prestigiar a eventual má-fé dos devedores, incentivar o abuso de direito.

11/5/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O atual entendimento do STJ, externado em vários acórdãos, aponta que os planos de previdência privada aberta podem ostentar, conforme o estágio em que se encontrem, dois tipos de natureza jurídica, quais sejam, a de ativo financeiro (aplicação ou investimento)1 ou securitária e previdenciária2.

No estágio inicial, fase de acumulação, prevista no art. 76, §1º, da lei Federal 11.196/053, momento no qual é realizada a formação do patrimônio, através de contribuições ordinárias e aportes extraordinários, sendo também permitidas retiradas de valores aplicados, como em qualquer outro fundo de investimento, a natureza dos planos de previdência privada aberta, nesta etapa, sempre será de ativo financeiro (aplicação ou investimento).

Em um segundo momento, encerrado o estágio da acumulação, passando para a fase da percepção4, momento no qual o titular passa a receber em prestações periódicas os valores que acumulou durante a primeira etapa, os planos de previdência privada aberta passam a possuir natureza jurídica securitária e previdenciária.

Deste modo, quando os planos de previdência privada aberta ainda possuírem sua natureza jurídica inicial, na fase de acumulação, de ativos financeiros (investimentos ou aplicações), os valores aplicados em tais planos não terão caráter alimentar, sendo passíveis de penhora, nos termos previstos no art. 835, inciso I, do CPC5, figurando, inclusive, em primeiro lugar na ordem legal de preferência constricional.

Interpretar tal questão de outro modo, assegurando a impenhorabilidade mesmo quando os planos se encontrarem na fase da acumulação, seria prestigiar a eventual má-fé dos devedores, incentivar o abuso de direito, pois bastaria à esses aportar, de uma só vez, todos os seus recursos em um fundo de previdência privada aberta, que seu patrimônio estaria “blindado”, automaticamente frustrando a atual e/ou futura satisfação dos créditos de titularidade da maioria de seus credores, sendo certo que, por princípio geral de direito, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Noutro giro, estando os planos de previdência privada aberta já na fase da percepção, gozando, portanto, de natureza jurídica securitária e previdenciária, os valores lá aportados estariam protegidos pela impenhorabilidade legal prevista no art. 833, inciso IV, do CPC.6

Por fim, oportuno salientar que o ônus da prova de comprovar em qual estágio se encontram os planos de previdência privada aberta, sua natureza jurídica atual, pertence aos executados, conforme expressamente prevê a disposição contida no §3º, inciso I, do art. 854 do CPC.7


1 STJ. REsp 1695687/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 19/04/2022.

2 STJ, REsp 1.880.056/SE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 22/03/2021;

3 Lei Federal nº 11.196/2005. Art. 76. (...). §1º Durante o período de acumulação, a remuneração da provisão matemática de benefícios a conceder, dos planos e dos seguros referidos no caput deste artigo, terá por base a rentabilidade da carteira de investimentos dos respectivos fundos.

4 Lei Federal nº 11.196/2005. Art. 82. A concessão de benefício de caráter continuado por plano ou seguro estruturado na forma do art. 76 desta Lei importará na transferência da propriedade das quotas dos fundos a que esteja vinculado o respectivo plano ou seguro para a entidade aberta de previdência complementar ou a sociedade seguradora responsável pela concessão. Parágrafo único. A transferência de titularidade de quotas de que trata o caput deste artigo não caracteriza resgate para fins de incidência do Imposto de Renda.

5 Código de Processo Civil. Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

6 Código de Processo Civil. Art. 833. São impenhoráveis: (...). IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

7 Código de Processo Civil. Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. (...). § 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que: I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;

Fernando Salzer e Silva
Advogado familiarista, procurador do Estado de Minas Gerais e membro do IBDFAM.

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