E, como todo setor do Poder Público em que este fenômeno de falta de investimento ocorre, a qualidade da prestação fica longe da ideal, mas o custo que as falhas da máquina judiciária causa é de espantar e impacta não só o dia a dia dos cidadãos, mas leva a um agravamento do chamado “Custo Brasil”, limitando investimentos internos e externos, afinal, como qualquer economia de mercado, o valor segurança jurídica, do qual resta possível extrair o lucro visado pelo investidor, seria ponto inicial para alavancar qualquer plano de investimento.
E nem se venha cogitar de mais impostos, a sociedade não tolera mais isso, a carga brasileira beira ao início de qualquer regime comunista, pessoas perdem bens por não conseguirem arcar com essa carga, e nada garante que tecnocratas não revertam novos impostos em novos excessos que não resolverão o problema estrutural do sistema.
Há que se modificar o viés autoritário de algumas posturas judiciais para que o sistema funcione melhor, desagradando menos o jurisdicionado. Feito o introito, desta abordagem, o Brasil vive hoje, nas palavras do ministro Luiz Fux, um estado de coisas inconstitucional, enunciado STF 470, pela falta de motivação, notícias sobre processos que não foram lidos, chegam a todo momento em todas as conversas entre advogados, a sensação de que nada se lê é altíssima, a sensação de que magistrados tem delegado deliberações a cartorários, estagiários e assessores que não tem a mesma experiência ou expertise aferida em concurso, é enorme.
Sempre se recordando que o ECI – Estado de Coisas Inconstitucional seja um instituto criado pela Corte Constitucional colombiana e declarado quando a Corte se depara com uma situação de violação massiva e generalizada de direitos fundamentais que afeta um número amplo de pessoas, tese defendida no julgamento da medida cautelar na ADPF 347/DF pelo STF.
Pode ser que isso não ocorra na prática, mas a sensação em torno de que isso esteja ocorrendo é enorme. O tema é recorrente entre professores, alunos e advogados.
Para que um ministro da mais alta Corte reconheça o fenômeno, se tem que algo deva ser mudado, ou, em curto lapso de tempo, pessoas descobrirão que o caminho será mover demandas indenizatórias em face da Fazenda Pública, diante de tal estado de coisas, basta apontar dados em nexo de causalidade com uma sucumbência indevida, de modo direto e imediato, art. 403 CC/02, e teoria do risco administrativo próprio desta atividade estatal.
No entanto, providências mais eficazes e rápidas, de custo social menor, seria que os julgadores cumprissem com o seu dever de empatia. Sim, pode-se extrair da deontologia judicial que Julgadores devam ter tolerância e paciência, base da ideia de que o juiz deva experimentar colocar-se sempre no lugar do outro, um dever funcional que seria passível de levar a uma representação em órgão de controle interno ou externo.
Espera-se do advogado que tenha conduta ética e se apresente com urbanidade e cortesia para com todos. No entanto, o mesmo não se dá por simetria com a magistratura, essa também se pauta por uma axiologia própria que está, além de previsões na LOMAN, LC 35 de 1979, também no Código de Ética da Magistratura Nacional, baixado pelo CNJ, juízes, além de cortesia e urbanidade, devem se portar com ponderação e devem ter paciência para com argumentos jurídicos, ou seja, pelo contido no advento das normas contidas nos arts. 11 e 26 do Código de Ética da Magistratura Nacional, devem estar atentos aos deveres de urbanidade, cortesia, paciência, prudência e ponderação. Observe-se:
Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.
Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.
Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.
Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.
Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua.
Ainda quanto a cortesia, aponta-se contido na LC 35/79, a LOMAN:
Art. 35 São deveres do magistrado: IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do MP, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da justiça, e atender os que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite a solução de urgência.
Por fim, mas não menos importante, o Código Ibero-Americano de Ética Judicial, assim dispõe:
Art. 48 Os deveres de cortesia têm o seu fundamento na moral, e o seu cumprimento contribui para um melhor funcionamento da administração de justiça.
Art. 49 A cortesia é a forma de exteriorizar o respeito e consideração que os juízes devem a seus colegas, bem como aos advogados, testemunhas, partes e, de modo em geral, a todos os que se relacionam com a administração de justiça.
Cortesia, como é cediço, é demonstração de respeito e tolerância. É reconhecer a importância do próximo como pessoa humana, sujeito de direito e deveres. As decisões judiciais, sempre com a maior vênia possível devem se pautar por uma certa empatia em relação à questão posta sub judice, os pobres insetinhos humanos presos às folhas de um processo como vaticinado por Calamandrei, eles os juízes vistos por um advogado. Esse trecho é por demais profundo para não ser aqui destacado:
“Acontece frequentemente com o bibliófilo, que se diverte folheando religiosamente as páginas amareladas de algum precioso incunábulo, encontrar entre uma página e outra, grudados e quase absorvidos pelo papel, os restos agora transparentes de uma mariposa incauta, que há alguns séculos, buscando o sol, pousou viva naquele livro aberto, e quando o leitor subitamente o fechou ali ficou esmagada e ressecada para sempre. Essa imagem me vem à mente quando folheio as peças de algum velho processo, civil ou penal, que dura dezenas de anos. Os juízes que mantém com indiferença aqueles autos à espera em sua mesa parecem não se lembrar de que entre aquelas páginas se encontram, esmagados e ressecados, os restos de tantos pobres insetinhos humanos, que ficaram presos no pesado livro da Justiça”. Piero Calamandrei “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, pp. 270/271, Ed. Martins Fontes, 1.998.
Isso se faz de urgente ponderação, posto que se tem visto decisões judiciais que simplesmente ignoram argumentos viáveis, aptos a gerarem decisões judiciais em sentido contrário ao comando determinado em provimento, como se o direito ao contraditório simplesmente não existe, como se bastasse um acesso formal ao contraditório, um simulacro para legitimar todo e qualquer comportamento judicial estandardizado.
O contraditório efetivo, tem sido entendimento como o conjunto de garantia do right do speech, direito de se manifestar sobre fatos e termos do processo, pelo pleno o direito de produzir provas, obviamente as necessárias, úteis, lícitas e legítimas – o right of evidence, preconizado por autores como Nicolò Trocker e aceito pelos tribunais pátrios e o right to be heard, enquanto direito de ser ouvido, garantia prevista nos artigos 7º CPC e 5º, LIV CF mas, neste último caso específico, também assegurada pelo art. 489 par. 1º, inciso IV CPC tendo espeque no artigo 93, inciso IX CF/88, e eu iria além, se o advogado se manifesta de modo polido, escorreito e aponta razões técnicas, a desconsideração sumária do que o mesmo alega, põe em xeque a própria garantia de livre exercício profissional prevista no art. 133 CF.
A priori o magistrado que julga com análise adequada de fatos e provas não mais do que seu dever primário de aplicar o exercício do poder jurisdicional com respeito ao devido processo legal, o módulo processual mínimo, preconizado por autores como Elio Fazzalari no direito italiano, sem o que não existira processo, nova visão da coisa julgada como algo não apenas imutável, como concebido no CPC 1973, mas como algo indiscutível, sem o que um processo não existiria permitindo a discussão em sede de querela nullitatis insanabilis.
Não se quer, obviamente, forçar magistrados a analisarem linha a linha de peças processuais, isso agravaria a crise, mas não basta afastar uma linha de argumentação, sem analisar as teses viáveis, a linha entre o cumprimento de um dever legal é tênue, ficar abaixo do dever implica em prevaricação, se motivado por sentimento pessoal obviamente, não levando em conta que, no caso do ato judicial o STF a partir de votos do ministro Dias Tóffoli tem entendido pela impossibilidade de prevaricação judicial, ou pode implicar em abuso se ultrapassada a baliza legal, o art. 33 da Lei de Abuso de Autoridade, inclusive, tem criminalizado a postura de exigir condutas sem base legal expressa.
Nessa medida, e evitando-se dissabores, o ideal seria que valorizasse a ideia de que o próprio CPC atual foi alterado para permitir, de modo expresso, que os embargos de declaração, enquanto recurso, expressamente podem ter eficácia infringente, sobretudo nos casos em que nesse estado de coisas inconstitucional de falta de motivação, os argumentos sejam analisados de modo completo por omissão ou contradição entre decisão e provas, por exemplo.
Sabe-se que os recursos podem ter efeitos diferenciados dos previstos de modo expresso em lei, Nelson Nery Jr., Teoria Geral dos Recursos, aponta, inclusive no sentido de efeitos como obstativo, diferido, expansivo objetivo e subjetivo, e a ideia de efeitos infringentes ou modificativos.
O recurso de embargos de declaração, pelo óbvio, não se presta a ser um mero pedido de reconsideração, esse não é recurso, mas mero sucedâneo recursal, não pode ser banalizado e deve, sim, precipuamente, ser destinado a um recurso para supressão de omissões, contradições, obscuridades e erros materiais, mas não se pode ignorar o fato de que o mesmo, nos termos do art. 1.022, par. único CPC, pode ser manejado para efeitos de integração de decisões que não cumpram o disposto no art. 489 e seus consectários CPC.
Nesse aspecto, novamente, se volta a atenção para o fato de que julgadores devem observar o dever de paciência, evitando que o manejo do recurso de embargos de declaração nesses casos, leve à imposição de penas por litigância de má-fé.
Há verdadeiro dever de enfrentamento das questões ventiladas que sejam úteis, ainda que nesse exame, para suprimir omissão ou contradição haja alguma modificação do comando judicial, provimento, o que não implica em desvirtuamento do recurso ou criação de recurso anômalo, tudo isso se encontra previsto na esfera da taxatividade própria dos embargos de declaração.
Não existe, aliás, como se aplicar alguma pena por litigância de má-fé ou procrastinação, de modo meramente culposo, sem o dolo de improbus litigator ou sem dano processual aferível. Nesse sentido, por exemplo, e sempre se lembrando que a boa-fé se presume e a má-fé se comprova:
TJ-MS - Apelação Cível AC 08007043820188120034 MS 0800704-38.2018.8.12.0034 (TJ-MS) Data de publicação: 29/05/2020 EMENTA APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A litigância de má-fé não se presume e é preciso inequívoca comprovação, sendo descabida quando os elementos constantes dos autos evidenciam o exercício do direito de ação pela parte, sem que haja a prática das condutas descritas no art. 80, do CPC/15. Recurso provido.
STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AREsp 1254591 PR 2018/0044224-4 (STJ) Data de publicação: 22/03/2018 Decisão: LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO RECONHECIDA. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. Ademais, imperioso esclarecer que a litigância de má-fé não se presume, exigindo satisfatória prova de...de má-fé não se presume, exigindo satisfatória prova de sua existência, bem como do dano processual,...
STJ - Decisão Monocrática. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AREsp 1254591 PR 2018/0044224-4 Data de publicação: 22/03/2018 Decisão: de má-fé ao recorrido. Ademais, imperioso esclarecer que a litigância de má-fé não se presume, exigindo satisfatória prova de...de má-fé não se presume, exigindo satisfatória prova de sua existência, bem como do dano processual,...
TJ-SP - 00049871120158260081 SP 0004987-11.2015.8.26.0081 (TJ-SP) Data de publicação: 14/08/2017 EMENTA *APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS A PENHORA – Sentença de extinção sem julgamento de mérito, ante a ausência de interesse processual - Insurgência – Ausência de ataque aos fundamentos da sentença – Recurso que em verdade se trata de cópia fiel dos embargos a penhora – A teoria geral dos recursos exige que as razões recursais demonstrem um efetivo rebate aos argumentos da decisão recorrida, de modo que não é passível de conhecimento a apelação cujas razões recursais sejam cópia dos embargos - Não conhecimento - Infringência aos artigos 514 , II e III e art. 515 , ambos do CPC – Apelo dos embargantes não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO - Não havendo condenação na sentença que julgou os embargos a penhora extintos sem julgamento de mérito, consoante disposição processual da espécie, devem os honorários advocatícios ser arbitrados por equidade, observada a natureza da causa, o tempo exigido para o trabalho, grau de zelo profissional e local da prestação do serviço – Inteligência do parágrafo 4º do artigo 20 do CPC (1973) – Majoração, contudo, que é cabível – Honorários fixados em 20.000,00 (vinte mil reais) – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – A litigância de má-fé não se presume; exige prova robusta capaz de evidenciar a conduta processual irregular praticada pela parte -Descabida a pretensão concernente à condenação dos embargantes em litigância de má-fé quando não restar comprovado nos autos nenhum indício de que tenham agido de má-fé ou violado qualquer dever processual – Apelo da embargada parcialmente provido.* EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR. INOVAÇÃO RECURSAL. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. EMBARGOS NÃO PROTELATÓRIOS. MULTA EXTIRPADA. 1. Não se permite acrescer a causa de pedir e o pedido em sede recursal. 2. Eventual dificuldade financeira dos devedores não elide a obrigação de pagamento da dívida assumida.
TRT-18 - ROPS 00102595220195180005 GO 0010259-52.2019.5.18.0005 (TRT-18) Data de publicação: 27/06/2019 EMENTA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. NECESSIDADE DE EVIDENTE VONTADE DE CAUSAR DANO PROCESSUAL. O artigo 5º , inciso XXXV , da CF/88 , assegura o direito de ação e de defesa. Desse modo, a prática dos atos previstos no art. 80 do NCPC , para a caracterização da litigância de má-fé, deve ser acompanhada da evidente vontade de causar dano processual. Entender de forma diferente é cercear o direito de as partes exporem os fatos e suas teses jurídicas em Juízo, buscando influenciarem a decisão que vier a ser proferida. (TRT18, ROPS - 0010259-52.2019.5.18.0005, Rel. EUGENIO JOSE CESARIO ROSA, 2ª TURMA, 27/06/2019)
Isso vale, igualmente, para casos de motivação aliunde ou per relationem, tema não pacífico, eis que alguns a entendem possível desde que dentro das balizas da instrumentalidade das formas enquanto outros entendem que isso possa efetivamente implicar em vício de contaminação da própria imparcialidade, ou seja, aproveitar os argumentos deduzidos por parte contra a outra como técnica de motivação de uma decisão, ou para julgados estandardizados do gênero “conheço dos embargos mas lhe nego provimento por entender que seria meramente infringentes“
De igual sorte, não são usuais embargos de embargos, quando o vício para a nova interposição surgir da omissão na análise do quanto discutido nos embargos anteriores. Sobre a questão:
TJ-SP - Embargos de Declaração Criminal ED 00086508120178260635 SP 0008650-81.2017.8.26.0635 (TJ-SP) Data de publicação: 29/05/2019 EMENTA Embargos de declaração em Embargos de Declaração – Omissão – Contradição – Inocorrência .O cabimento de novos Embargos de Declaração fica restrito à hipótese de vícios decorrentes da análise dos primeiros – A via eleita não se presta à repetição de análise das questões já dirimidas – Embargos de Declaração rejeitados.
Da mesma forma se o mesmo julgador julga de um modo, e sem causa válida ou explicação racional, por exemplo fator diferencial, passa a julgar demandas isomórficas de modo diverso, há possibilidade de solicitar esclarecimentos pela via dos embargos de declaração para uma certa coerência interna, garantia de imparcialidade objetiva do julgador e garantia da harmonia da jurisdição enquanto ideia de prevenção de coexistência de decisões judiciais antagônicas entre si.