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Twitter, Poison pill, Elon Musk: e se fosse no Brasil?

A poison pill deve ser entendida como uma manobra defensiva contra investidores que buscam tomar o controle da Companhia sem qualquer negociação com esta e à revelia de seu Conselho de Administração.

26/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Dentre as novidades sobre o Mercado de Capitais, uma das que vem movimentando mais o público é a possibilidade de Elon Musk comprar as ações da rede social Twitter, tornando-se controlador da Companhia. Contudo, não é exatamente a compra que vem alimentando os portais de notícia, mas o projeto futuro do bilionário, qual seja, fechar o capital da rede social, de modo a ter controle da empresa e estruturar autonomamente a governança e a política interna da forma como bem entender, inclusive regras de liberdade de expressão e controle de conteúdo.1 Ao perceber toda essa movimentação, o conselho de administração agiu para evitar, ou tornar menos atrativa, essa compra hostil2.

Como manobra defensiva, o Conselho de Administração aprovou um plano em que, caso algum investidor compre “ao menos 15% das ações sem a aprovação prévia do Conselho, outros acionistas podem comprar uma porcentagem maior a um preço mais baixo que o convencional”3. Em resumo, o objetivo do Conselho de Administração é desincentivar a aquisição hostil com a diluição da participação societária de Elon Musk a partir da possibilidade de que outros acionistas comprem mais ações por um preço menor.

A manobra realizada pelo Conselho de Administração do Twitter não é nova. Conhecida como poison pill, visa proteger a Companhia de uma compra hostil, uma vez que a empresa alvo envenena as suas próprias ações, de modo a impedir ou ao menos dificultar a mudança de controle. É justamente o efeito negativo da medida sobre o preço das ações, que impõe a diminuição do seu valor para outros investidores, que serve de proteção a uma compra não negociada.

Essa, porém, não é a única forma que essa manobra se manifesta. Pelo contrário, as empresas se mostram bastante criativas, para evitar compras hostis, sendo que outra manobra bastante conhecida é a implementação de ágio nas ações quando um investidor busca comprar porcentagem significativa de uma empresa, de modo a aumentar o valor dessas ações para que o investidor tenha que desembolsar valor ainda maior na busca do controle acionário.

Pois bem, toda essa discussão vem acontecendo nos Estados Unidos, em que existem menos regras regulatórias para vedar essas manobras no mercado de capitais. Contudo, como as poison pills são vistas dentro do mercado brasileiro?

No ordenamento jurídico brasileiro, observamos que a poison pill pode ser observada em cláusulas em estatutos sociais de companhias que determinam que, após uma certa porcentagem, o investidor que estiver realizando essa compra deve realizar uma Oferta Pública de Ações (OPA) sobre as ações remanescentes.

Em relação ao tema, a CVM já se manifestou sobre isso em duas oportunidades nas quais não houve qualquer punição às Companhias, mas foi chamada a atenção aos Estatutos Sociais que tinham em seu texto poison pill como uma cláusula pétrea, para simplesmente tornar instransponível a troca de controlador. A utilização injustificada de uma poison pill pode ser entendida como uma clara violação dos direitos dos acionistas, bem como uma violação ao método de valoração das ações de uma Companhia. Ao entender dessa forma, a CVM, no Parecer de Orientação CVM n. 36, posicionou-se perante os acionistas apontando que não iria realizar qualquer punição caso esses violassem as cláusulas sobre a poison pill.

O entendimento da CVM potencialmente anula os efeitos da poison pill, porém, o posicionamento deve ser entendido não como uma neutralização geral e irrestrita da poison pill, mas como um ato para combater o abuso de controle que vinha sendo exercido pelos controladores, por meio desse mecanismo.

É inegável que, usada de forma correta, a poison pill tem o poder de manter a pluralidade acionária, cumprindo com um dos principais requisitos da Governança Corporativa, qual seja, a proteção dos acionistas minoritários.

Assim como acontece na área da saúde, uma substância potencialmente venenosa, mas usada de forma controlada e adequada, se torna um remédio, a poison pill também pode se apresentar como uma solução à concentração do poder no mercado.

Desse modo, a utilização correta da poison pill pode gerar benefícios ao mercado de capitais, sendo que podemos observar a sua lógica no segmento do Novo Mercado na B3, que impõe uma certa porcentagem de free flow obrigatória, ou seja, cria uma porcentagem mínima de dispersão acionária, de modo a diluir o controle acionário e permitir que exista um grau efetivo de fiscalização e contraposição por parte dos acionistas minoritários.

Portanto, a poison pill deve ser entendida como uma manobra defensiva contra investidores que buscam tomar o controle da Companhia sem qualquer negociação com esta e à revelia de seu Conselho de Administração. Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, de certa forma, a poison pill acabou por ser implementada na autorregulação do segmento do Novo Mercado num duplo sentido: possível para evitar a concentração de poder no mercado, mas vedada para que controladores a utilizem para se perpetuar no poder.

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https://tecnoblog.net/noticias/2022/04/14/elon-musk-agora-quer-comprar-o-twitter-inteiro-por-us-41-bilhoes/

2 Por compra hostil entende-se a compra de ações sem a negociação direta com a companhia. Em regra, ela se dá pela negociação direta com os acionistas por uma da oferta pública de aquisição (OPA).

3 https://www.tecmundo.com.br/mercado/237175-twitter-usa-manobra-financeira-evitar-compra-elon-musk.htm

Paulo Henrique Franco Palhares
Sócio do Carvalho Dantas, Lelis e Palhares Advogados. Membro do Instituto Brasiliense de Direito Empresarial - IADE. Mestre em Direito Econômico. Professor de Direito Empresarial da Graduação e da Pós-graduação do Centro Universitário de Brasília - UniCeub, IBMEC Brasília e IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

Lucas Lacerda Esteves
Graduado em Direito pela UniCEUB. Advogado no Ouriques Cruz Advocacia Empresarial. Coautor do livro Regulador Inovador: Banco Central e a agenda de incentivo à inovação.

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