HABILITAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAL
A Previdência Social destina-se ao enfrentamento dos riscos que, embora imprevisíveis, são constantes na sociedade. Diante dos infortúnios, criou-se o sistema público de seguro compulsório e contributivo, para garantir aos beneficiários o amparo e a proteção.
Tem-se a existência de uma relação jurídica previdenciária, instituída, de uma lado, por uma pessoa natural ou jurídica; e do outro lado, tem-se o ente do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Trazendo à baila para a habilitação e reabilitação profissional, a relação jurídica se inicia, para o segurado, com a situação de incapacidade para o trabalho, decorrente de acidentes ou outras doenças, sendo submetido a perícia médica do INSS.
Este, por sua vez, deve fornecer meios necessários para a reeducação ou a readaptação profissional, para que o mesmo consiga retornar ao mercado de trabalho. Para tanto, é imprescindível que seja observado critérios de responsabilidade pelo INSS, como será discorrido adiante.
O programa de Habilitação e Reabilitação Profissional fora criado para proporcionar ao beneficiário incapacitado para o trabalho e para as pessoas portadoras de deficiência, os meios de (re)educação e (re)adaptação profissional e social que as capacitem para participar do mercado de trabalho e do contexto que vivem.
Necessário se faz distinguir, como bem dimensionado por Wladimir Novaes Martinez: “Habilitação não se confunde com reabilitação. A primeira é a preparação do inapto para exercer atividades, em decorrência de incapacidade física adquirida ou deficiência hereditária. A segunda pressupõe a pessoa ter tido aptidão e tê-la perdido por motivo de enfermidade ou acidente. Tecnicamente o deficiente não é reabilitado e, sim, habilitado”.
O Programa só alcança pleno êxito caso o beneficiário tenha participação efetiva na sociedade.
As regras gerais sobre a habilitação e a reabilitação profissional estão previstas nos arts. 89, 90, 92 e 93 da lei 8.213/91; nos arts. 136 a 141 do Decreto 3.048/99 e nos arts. 415 a 423 da Instrução Normativa 128 de 2021.
2. DAS PROBLEMÁTICAS QUE PERMEIAM O PROGRAMA DE HABILITAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAL
A. De quem é a obrigação de fazer?
O artigo 89 da lei 8.213/91 determina que o programa deverá proporcionar ao beneficiário incapacitado para o trabalho e as pessoas portadoras de deficiência, os meios de (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.
À vista disso, e diante de uma redação utópica do legislador, tem-se que o programa determina como objetivo principal, o escopo de educar ou reeducar, adaptar ou readaptar a pessoa incapaz, parcial ou totalmente, para o mercado de trabalho.
Ainda, é determinado que a análise deve ser realizada pelo contexto em que o segurado vive, de forma pormenorizada, considerando as realidades e as limitações culturais, idade, deficiência física ou psíquica, bem como, analisar a sua amplitude de conhecimentos educacionais, culturais e gerais, para, assim, poder identificar qual é o cenário social enfrentado e onde este poderá ser enquadrado para receber e obter a devida assistência, tencionando para a qualificação profissional digna.
Após o processo de habilitação e reabilitação, o INSS certifica que o segurado está apto ao exercício profissional, indicando quais atividades poderá exercer.
Contudo, a problemática encontra-se no posicionamento do INSS ao interpretar o art. 93 da lei 8.213/91 de forma contrária, modificando o polo passivo da relação jurídica, aplicando a inversão da obrigação de fazer as empresas, ou seja, responsabilizando-as de habilitar ou reabilitar o segurado.
Todavia, o referido artigo é cristalino ao dizer que as empresas são obrigadas somente a preencher os quadros com os beneficiários reabilitados e não reabilitados e pessoas portadoras de deficiência, habilitadas e não habilitadas.
Ora, as empresas não são obrigadas a realizar o programa, uma vez que a maioria não possui equipe multiprofissional para avaliar o potencial laborativo e acompanhar a evolução real do programa. Além disso, não há qualquer disposição normativa que determine.
Portanto, o INSS deve realizar a habilitação e reabilitação profissional, deixandoos aptos ao exercício profissional e/ou encaminhar mediante convênio e as empresas contratarem os reabilitados e habilitados profissionalmente.
Vale lembrar que a empresa deve participar do convênio por mera vontade da empresa, buscando cumprir a sua missão social em empregar os habilitados e os reabilitados, conforme art. 93 § 1º e 2º.
Os convênios devem existir de forma que a empresa que tenha interesse atenda todas as exigências que o programa de reabilitação impõe, caso contrário, o reabilitando deve exigir que o cumprimento seja em outro local que atenda a sua realidade.
Uma vez que a empresa alegar que não tem estrutura para firmar o convênio com o INSS, esta não está obrigada a assinar e a responsabilizar-se pela habilitação e reabilitação.
Conforme esclarece Hélio Gustavo Alves, “o texto da norma cita que a empresa é obrigada a contratar reabilitaDOS e pessoas portadoras de deficiência, habilitaDAS e não reabilitaNDOS ou pessoas portadoras de deficiência, habilitaNDAS. A empresa é obrigada a contratar aqueles que concluíram o processo de habilitação profissional social e receberam o certificado individual realizado e expedido pelo INSS, em que o beneficiário segue com a indicação das atividades que poderá exercer. ”.
Em uma reflexão à contrário senso, se o INSS efetivasse o programa da forma como é delineado por sua própria legislação, a economia aos cofres públicos seria estrondosa, vez que deixaria de pagar os benefícios para os segurados aptos a retornar ao mercado de trabalho.
Ainda, com a volta do beneficiário ao mercado de trabalho, este poderia evoluir a sua renda e consequentemente, voltaria a verter as contribuições sociais à Previdência Social, fomentando a economia.
Em síntese, na maioria dos casos, o programa é deficiente, cessando o benefício e lançando o reabilitado ou habilitado ao mercado de trabalho, sem garantia de empregabilidade e sem suporte, pendendo a balança para o lado mais trágico, qual seja: o benefício não consegue retornar ao mercado de trabalho e consequentemente, não há contribuições a verter.
a. Equipe Multiprofissional
A legislação determina que cabe ao INSS promover a prestação do programa, através das possibilidades administrativas, técnicas, financeiras e condições locais dos órgãos.
Tais execuções das funções, dar-se com o trabalho da equipe multiprofissional, especializada em medicina, serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outros afins.
Contudo, transportando para a realidade em que vive o empregado/segurado, sabese que a maior parte de todas as agências da Previdência Social não possui a estrutura idealizada pela lei 8.213/91, Decreto 3.048/99 e IN 128/2021. Pelo contrário, as agências padecem de uma gestão proeminente.
Logo, não há como atender as demandas em sua plenitude, especialmente o programa de reabilitação e habilitação, tendo como resultado as inúmeras pessoas capazes de retornar ao mercado de trabalho, mas que diante das falhas, permanecem recebendo o benefício, sem qualquer pretensão de retornar ao labor.
O INSS não possui a equipe multiprofissional especializada em serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outras afins em todas as agências do INSS, prejudicando substancialmente o processo de reabilitação e habilitação.
Se não há profissionais necessários, o programa é deficiente e por conta disso, muitos beneficiários desistem do processo, por não terem o devido acompanhamento da equipe multiprofissional, bem como por não se enquadrarem no programa oferecido pelo INSS, ficando sem suporte técnico e psicológico para substituir o programa para o qual condiz com a realidade.
Sem a equipe, há um dano irreparável ao beneficiário, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, por ser lançado ao mercado de trabalho sem a devida qualificação e sem amparo.
Ainda, fere diretamente o princípio constitucional quando há a emissão de certificado individual de conclusão do programa ao segurado que não estiver realmente apto ao exercício da atividade pretendida.
Vale relembrar que a dignidade retrata, essencialmente, um inderrogável merecimento de respeito e de proteção pelo simples fato de ser, “ser humano”, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição socioeconômica. Busca-se a concretização de meros direitos para a verdadeira vida com dignidade, incidindo a todos, desde a concepção no útero materno.
Correlaciona o mínimo existencial com a tolerabilidade, ou seja, deve-se oportunizar a todos uma vida digna, como por exemplo, ter um grupo de profissionais trabalhando conjuntamente para oferecer abordagens e ajudas efetivas na melhora do quadro clínico do empregado/beneficiário.
E ainda, verificar se aquele indivíduo, inserido naquela realidade, consegue suportar os riscos sociais, mas visualizando com os parâmetros gerais da coletividade, unificando todos os direitos fundamentais e humanos.
Sucede que o reabilitando não avaliado e/ou analisado por equipe multiprofissional devidamente qualificada, consequentemente não será encaminhado ao programa de habilitação e reabilitação devidamente correto. Cabe, inclusive, por parte do segurado, o pedido de nulidade através da impugnação administrativa ou judicial, diante da fragilidade na efetivação do programa.
Destarte, faz-se fundamental o olhar atencioso da Autarquia Federal as precariedades do programa, visto que acarreta prejuízos para ambos da relação previdenciária, impossibilitando a plena eficácia e satisfação da habilitação/reabilitação.
b. Fornecimento de Prótese e Órtese
Constata-se necessário o fornecimento de prótese e órtese, quando indispensáveis. A prótese substitui uma parte do corpo por uma peça artificial, como por exemplo, uma perna mecânica; já a órtese é o apoio ou dispositivo externo aplicado no corpo para modificar os aspectos funcionais ou estruturais do corpo, como por exemplo, as muletas.
A prestação dos serviços de habilitação e reabilitação profissional e social é de caráter obrigatório aos segurados, inclusive aposentados e, na medida das possibilidades do órgão da Previdência Social, aos seus dependentes (lei 8.213, de 24 de julho de 1991).
O acompanhamento periódico dos segurados em processo de concessão, desde a sua avaliação, pré-protetização, até a entrega do aparelho de prótese, órtese, meio auxiliar de locomoção ou acessório é realizado pela Equipe de Reabilitação Profissional.
Contudo, nem todas as agências tem disponíveis, usurpando a obrigação de fazer do INSS, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proteção social.
O objetivo principal é requalificar o segurado para sua atividade ou outra que não diminua seu status financeiro, os meios indicados para proporcionar o reingresso no mercado de trabalho e no contexto em que vivem, independente de carência. O programa deve atender a individualidade de cada pessoa, tanto no aspecto educacional, cultural, quanto sexual.
Compete ao Poder Público organizar a Seguridade Social para propor a universalidade da cobertura e atendimento e a Previdência Social não desempenha esse papel, portanto, há extrema incoerência administrativa.
Portanto, o segurado que não recebe a órtese e prótese indispensável para o programa, pode intentar ação de dano moral, cumulado com dano material e lucros cessantes irreparáveis.
c. Fornecimento de Transporte
Quanto ao transporte, é obrigatório – conforme o art. 90 da lei 8.213/91. Há limitação somente ao dependente, que será oferecida na medida das possibilidades do órgão da Previdência Social. É cabível todo o tipo de transporte, inclusive o intermunicipal.
Há inúmeros segurados que não realizam a habilitação e a reabilitação por falta exclusivamente de transporte, gerando prejuízo para ambas as partes da relação jurídica, por não recuperar o segurado e conceder o benefício de auxílio-doença eternamente ao segurado.
Caso não tenha viatura, o INSS é obrigado a firmar convênios com empresas de transportes de pessoas. Caso contrário, é cabível indenização de danos morais e materiais.
3. CONCLUSÕES
Considera-se que o Sistema Previdenciário Brasileiro é um dos mais completos de todo o mundo, sendo garantidor de direitos sociais à população.
Entretanto, o Programa de Reabilitação e Habilitação Profissional apresenta diversas e consideráveis falhas que necessitam ser sanadas para o melhor equilíbrio da relação jurídica previdenciária, devendo ser reestruturada e tratada de forma séria.
Acontece que, conforme bem dimensionado no artigo, há total desarmonia da legislação com a realidade, ferindo o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Destarte, para ter a devida eficácia, o Ministério da Previdência deveria abrir concurso para montar as equipes multiprofissionais em todas as agências do Brasil, além de criar setores de treinamento. Ainda, válido se faz a criação de projetos para a realização de convênios com empresas para constituir equipes multiprofissionais para atender e fiscalizar as empresas, abrindo novos concursos públicos. Poderia também criar convênios com escolas profissionalizantes e universidades.
O cerne da questão é fazer com que o empregado/segurando entenda que é melhor habilitar/reabilitar do que receber um mísero benefício para resto da vida.
Desse modo, se o processo de reabilitação e habilitação for aplicado devidamente pelo INSS, os beneficiários subirão de escala profissional, tendo aumento na sua renda, melhorando a qualidade de vida pessoal, proporcionando melhores oportunidades e consequentemente, gerará um crescimento econômico significativo, resgatando a dignidade constitucional.
O Estado deve cumprir o pacto social compromissado com a sociedade.