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A apreciação equitativa dos honorários de sucumbência e o entendimento do STJ

O julgamento do tema 1.076 buscou pacificar e frear as divergências jurisprudenciais quanto ao assunto, que, dependendo do ângulo em que se observa, está aberto a configurar distintas perspectivas.

20/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Ao julgar o tema 1.0761 dos recursos repetitivos, o STJ encerrou, ao menos por enquanto, as discussões que envolvem o arbitramento dos honorários de sucumbência.

De acordo com o art. 85, §2º, do CPC, aquele que restar vencido na demanda judicial será condenado ao pagamento de honorários ao patrono da parte vencedora, fixados entre os percentuais de 10% e 20% calculados sobre os valores (i) da condenação; (ii) do proveito econômico; ou, ainda, (iii) do valor atualizado da causa. Ocorre que, em inúmeros casos, os referidos valores eram demasiado expressivos, de modo que a condenação sucumbencial representava montante bastante elevado, fazendo com que os magistrados, ao proferirem a sentença, fixassem o pagamento de honorários por apreciação equitativa, que nada mais é do que desvincular o arbitramento dos percentuais e parâmetros estabelecidos pelo dispositivo supracitado, e considerar valor razoável e justo ao trabalho realizado pelos patronos da contraparte.

Nesse cenário, a Corte Especial do STJ, em sede de recursos repetitivos, proferiu decisão entendendo pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação, do proveito econômico e da causa forem elevados2. O ministro Og Fernandes, relator dos casos submetidos a julgamento, esclareceu que o arbitramento de honorários de sucumbência por equidade só é admitida quando (i) o proveito econômico obtido for irrisório ou inviável de definição, ou, ainda, quando (ii) o valor da causa for expressivamente baixo.

Em outras palavras, o STJ pronunciou-se pela vedação da utilização do arbitramento de honorários advocatícios de sucumbência quando os valores condenatórios ou da causa forem elevados, pugnando pela observância expressa e literal do disposto nos parágrafos 2º e 3º, do art. 85, do CPC.

Aqueles que se amparam no entendimento proposto pelo ministro relator argumentam que a apreciação equitativa centra no magistrado a difícil tarefa de avaliar (i) quais condutas e comportamentos fariam jus ao pagamento dos honorários, bem como (ii) quais valores seriam suficientemente cabíveis aos trabalhos desenvolvidos pelo advogado da parte vencedora, de modo a considerar toda a sua atuação durante o curso do processo.

Ademais, haveria uma certa desconfiança com relação à objetividade dos parâmetros trazidos pelo art. 85, §2º, do CPC, no que toca à definição de um valor sucumbencial razoável. Segundo sustentam, condições como “o grau de zelo do profissional” e “a natureza e a importância da causa” incidem expressamente sobre a esfera subjetiva do intérprete, que pode considerar mais ou menos o empenho empreendido pelo advogado na causa ou mais ou menos importante a causa no contexto do Poder Judiciário. 

Não raras são as discussões a respeito do possível aviltamento de honorários advocatícios, integralmente repudiado pela OAB - Ordem dos Advogados do Brasil3, haja vista entender-se que os causídicos, por meio do arbitramento por equidade, passam a perceber valores irrisórios, que não correspondem ao empenho e ao esforço empreendidos durante o curso do processo, tampouco ao valor dado à causa.

Instaurando divergência, a ministra Nancy Andrighi considerou expressamente prejudicial uma interpretação literal do CPC. Isso porque a fixação de valor elevado poderia acarretar enriquecimento sem causa, tendo sido acompanhada pelos ministros Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin e Isabel Gallotti.

Conforme o voto divergente, e compreensões anteriormente postas a esse respeito4, seria necessário relativizar o art. 85, §2º, do CPC, aplicando-lhe interpretação extensiva no sentido de que uma interpretação literal do dispositivo acarretaria violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, uma vez que dele surgiriam valores exorbitantes, sendo imprescindível a aceitação de uma apreciação equitativa nos casos que assim for necessário.

Ou seja, a interpretação da referida norma não deve ser feita somente visando conter valores irrisórios, como também evitar a fixação de honorários demasiado exorbitantes.

Assim, percebe-se que o julgamento do tema 1.076 buscou pacificar e frear as divergências jurisprudenciais quanto ao assunto, que, dependendo do ângulo em que se observa, está aberto a configurar distintas perspectivas, sejam elas mais adeptas a uma interpretação mais extensiva ou mais restritiva da norma.

____________

1 Definição do alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

2 STJ. STJ veda fixação de honorários por equidade em causas de grande valor com apoio no CPC. Disponível em: .

3 Vide Código de Ética e Disciplina OAB, Art. 41: O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável.

4 Veja-se, como exemplo: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - Execução por título extrajudicial - Fixação - Hipótese em que a sistemática do § 2º, do art. 85, do NCPC, implicaria violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, acarretando enriquecimento sem causa e gravame excessivo - Aplicação por extensão dos critérios previstos no § 8º, do art. 85, do NCPC - Decisão mantida - Recurso improvido. (...) Assim, necessária se faz a interpretação sistemática da referida norma. E, com efeito, dispõe o art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil que a verba honorária deve ser fixada levando-se em consideração: i) o grau de zelo do profissional; ii) o lugar de prestação do serviço; iii) a natureza e a importância da causa; iv) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Ora, sem desmerecer o trabalho dos patronos do agravante, mas é inegável que a verba honorária pretendida por estes é excessiva. Não se questiona a dedicação dos profissionais contratados pelo agravante, mas a fixação da verba naquele patamar ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ressalte-se que o art. 85, § 8º do Código de Processo Civil assevera que: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2o." Pois bem, se a fixação da verba honorária por equidade é permitida quando sua fixação se mostrar irrisória, de rigor utilizar-se uma interpretação extensiva do referido dispositivo para permitir sua aplicação quando a verba honorária se mostrar excessiva. (...)" (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2089443-98.2018.8.26.0000, Rel. J. B. Franco de Godoi, 23ª Câmara de Direito Privado, j. 17/08/2018).

Jéssica Sampaio
Advogada. Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.

Alessandra Oliveira Barbosa
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília. Integrante do Grupo de Estudos em Empresarial e Arbitragem da UnB - GEA/UnB e do Grupo de Pesquisa em Direito e Tecnologia - Legalité/PUC - Rio.

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